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Cinco linchamentos que revelam a era do ódio virtual

Não faltam casos de pessoas comuns que perderam o emprego e foram emocionalmente destruídas, às vezes por um deslize, daqueles a que todos estamos sujeitos | Pixabay
Não faltam casos de pessoas comuns que perderam o emprego e foram emocionalmente destruídas, às vezes por um deslize, daqueles a que todos estamos sujeitos (Foto: Pixabay)

Suas publicações no Facebook ganham curtidas de amigos, outras fazem sucesso e acumulam dezenas de comentários simpáticos, os mais empolgados clicam em “amei”. Mas um dia, as reações podem ser negativas. E muito. 

Vivemos tempos de linchamento virtual, em que uma súbita onda de mensagens hostis, na escala de progressão geométrica de disseminação online, é direcionada a um alvo por uma transgressão, piada de mau gosto ou qualquer coisa que possa ser interpretada como motivo suficiente pelo tribunal da internet. Colunistas e políticos podem estar entre os alvos favoritos atualmente, mas não faltam casos de pessoas comuns que perderam o emprego e foram emocionalmente destruídas, às vezes por um deslize, daqueles a que todos estamos sujeitos.

Não nos sentimos responsáveis ao participar de uma humilhação, ainda que tenha efeitos irreparáveis na vida do outro.

Jon Ronson Escritor

Às vezes não se trata de um pequeno deslize. Pode ser uma grande burrada. Aconteceu com Justine Sacco, relações-públicas norte-americana que teve a infelicidade de tuitar, antes de viajar para a Cidade do Cabo: “Indo para a África. Espero não pegar AIDS. Brincadeira. Eu sou branca!”. Mesmo tendo apenas 170 seguidores, sua mensagem no Twitter de alguma forma vazou. No tempo de onze horas que passou no avião, incomunicável, Justine foi massacrada em cem mil tuítes que a taxaram de racista e até a ameaçaram de morte. Ela pisou na bola? Sim. Ela é um monstro, que merecia ter a vida destruída? Certamente não.

Essa é uma das histórias relatadas em “So You’ve Been Publicly Shamed”, livro em que Jon Ronson mostra como as consequências dos linchamentos virtuais não raro são desproporcionais em relação à transgressão, ainda que iniciados com boas intenções, como a de mudar um comportamento racista.

“Pessoas decentes, inteligentes reconhecem quem é o vilão quando um misógino ataca uma escritora feminista”, compara o jornalista britânico. “Mas foram pessoas decentes, inteligentes que destruíram Justine.”

Assim como um floco de neve não parece responsável pela avalanche, ele escreve, “nós não nos sentimos responsáveis ao participar de uma humilhação”, ainda que tenha efeitos irreparáveis na vida do outro.

Mais agressivas que na “vida real”

Para a doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Raquel Recuero, que pesquisa a disseminação da violência nas redes sociais, as pessoas tendem a ser muito mais agressivas na internet do que seriam offline.

“Elas não estão diante do outro, estão criticando uma tela”, explica, chamando a atenção para a facilidade de mimetização do linchamento virtual, que se multiplica e continua reverberando indefinidamente. A permanência de conteúdo ofensivo é, para Alexandre Pacheco, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, o aspecto mais complicado do tema.

“As principais plataformas podem remover a ofensa se ferir seus termos e condições de uso”, afirma Pacheco. “Mas o conteúdo é removido integralmente da internet? Dificilmente.”

Nas redes sociais, as pessoas tendem a ser muito mais agressivas na internet do que seriam offline. “Elas não estão diante do outro, estão criticando uma tela”

Raquel RecueroDoutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul 

O termo que designa esse tipo de linchamento em inglês, “digital shaming”, refere-se a causar vergonha em alguém. Jennifer Jacquet, autora de “Is Shame Necessary?”, lembra que a prática pode ser positiva, como ao expôr atitudes nocivas de empresas à opinião pública. “Às vezes, uma punição formal nunca vai ser implementada, e o shaming pode encorajar um comportamento melhor”, afirma a autora, professora-assistente na Universidade de Nova York.

De boas intenções...

As intenções – que variam da busca por visibilidade à pressão por se manifestar –, porém, não garantem resultados justos ou construtivos. Scott R. Stround, da Universidade do Texas, levantou essa questão ao analisar o blog “Racists Getting Fired”, e constatou que a prática gera mais violência e indivíduos incapazes de coexistir respeitosamente – antes, rotulam de maneira simplista, ferindo “a humanidade, complexidade e capacidade de o outro se tornar alguém melhor”.

Ao postar o endereço de Walter Palmer, dentista exposto ao matar o leão Cecil, para seus 654 mil seguidores no Twitter, a artriz Mia Farrow não esperava que divulgassem seu próprio endereço em retaliação. No Facebook, já corre a máxima de que todo mundo terá seus quinze minutos de linchamento virtual.

Cinco casos de linchamento virtual  

Abu e racismo 

No Carnaval de 2016, Fernando Bustamante saiu às ruas fantasiado de Alladin junto à esposa, vestida como Jasmine, e o filho, como Abu. Usuários das redes sociais que se depararam com a foto da família se revoltaram com o que entenderam ser uma “comparação” da criança a um macaco. Ainda que não fosse a intenção, conforme o ator posteriormente explicou, a imagem foi considerada por muitos ofensiva, e resultou em agressões à família e no rótulo de racista. 

Piada de português 

Em 2008, uma tira de Adão Iturrusgarai fazendo piada de português foi repassada a um grupo de e-mail de torcedores da Portuguesa dos Desportos. “Só não me ameaçaram de morte”, lembra o cartunista sobre as respostas que leitores “muito putos” com a brincadeira lhe mandaram. “Queriam quebrar a minha cara, alguns queriam me processar.” Em seu blog, Adão recebeu críticas à sua “pobreza de espírito”, foi acusado de racismo, mas houve quem ridicularizasse os críticos da tirinha e contribuísse com mais piadas sobre portugueses. O quadrinista evitou brincar com o tema por um período.  

“Meu corpo, minhas regras” 

A frase foi bradada por Mônica, personagem de Mauricio de Sousa, numa história em que se perguntava se deveria ou não usar aparelho para “corrigir” seus dentes, mas foi tirada de contexto e compartilhada nas redes sociais do filósofo Olavo de Carvalho, que criticava a “transformação da inocente Revistinha da Mônica num odiento discurso abortista”. A roteirista Petra Leão recebeu mensagens agressivas, ameaças físicas e à carreira. “Espalharam até fotomontagens usando meu rosto, para me difamar e manchar minha imagem mesmo”, disse Petra sobre os ataques. 

Mãe desnaturada 

Uma mulher sentada na sala de espera de um aeroporto largou a filha recém-nascida no chão, sobre um pedaço de pano. Essa foi a leitura que muita gente fez da imagem, que ganhou as redes sociais em todo o mundo e serviu de veredicto de pior mãe da Terra para a norte-americana Molly Lensing. Posteriormente, descobriu-se que o voo de Molly havia sido cancelado e ela esperava há dois dias pelo reagendamento. No momento em que a foto foi tirada, a mãe, que estava dormindo no chão ao lado do bebê, tinha acordado e se sentado para fazer um telefonema. 

Sem redenção 

A paulista Mayara Petruso foi condenada pela Justiça por comentários racistas sobre nordestinos no Twitter. Antes, devido à repercussão, ela sofreu ameaças, perdeu o emprego, teve que se mudar e abandonar a faculdade. Mensagens ofensivas, desejando até mesmo que levasse um tiro, continuaram a persegui-la nas redes sociais.

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