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O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu a regulamentação das redes sociais, citando que têm funcionado como “plataformas das ideias da direita e do poder econômico”
O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu a regulamentação das redes sociais, citando que têm funcionado como “plataformas das ideias da direita e do poder econômico”| Foto: EFE/Isaac Fontana

O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu nesta quarta-feira (12) a regulamentação das redes sociais, citando que têm funcionado como “plataformas das ideias da direita e do poder econômico”. Segundo ele, uma “tarefa democrática fundamental é enfrentar o poder de quatro, cinco empresas que mandam na internet e veiculam extremismo”.

É uma reciclagem de antigo argumento da esquerda brasileira para o que então se chamava de “regulação da mídia”. Até o número permaneceu o mesmo: antes se dizia que apenas cinco famílias detinham metade dos principais jornais, revistas, canais de tevê e rádios. Não era raro que se prosseguisse para acusar essas famílias de veicularem conteúdo para moldar a opinião nacional conforme sua preferência, isto é, de transformarem seus veículos de imprensa em “plataformas das ideias da direita e do poder econômico”, nas palavras do ministro Dino.

A ênfase que sempre fizeram no pequeno número de agentes não é em vão: esta situação, em tese, é considerada indesejável e recebe o nome de oligopólio, que, na teoria econômica, muitas vezes justifica a intervenção do Estado. Esta é a realidade implícita que os defensores do controle estatal, como o ministro Dino, pretendem invocar ao enfatizar o pequeno número de empresas em atuação no setor.

Acontece que este argumento implícito não se sustenta: é malsucedido o transplante que o ministro Dino tenta fazer dos antigos argumentos censórios da esquerda para a nova situação, em que os alvos seriam as redes sociais.

Explique-se. O oligopólio é considerado um problema porque resulta em que cada agente detenha, sozinho, poder de mercado considerável. Ou pior: o pequeno número de agentes facilita que entrem em acordo entre si para formarem um cartel, isto é, agirem quase como se fossem uma única empresa; por exemplo, para tomar a decisão conjunta de elevar os preços, em prejuízo dos consumidores (que não teriam uma empresa concorrente na qual se socorrer). Em outras palavras, com o cartel, as empresas tornam-se, na prática, um único centro decisório. Isto é importante: no estudo da concorrência, importa menos o número de pessoas jurídicas em atuação do que o número de centros decisórios.

A distinção entre os dois conceitos se torna ainda mais clara na situação inversa. As redes sociais são chamadas, até pelo próprio ministro Dino, de “plataformas” justamente porque funcionam, elas próprias, como mercados, dentro dos quais milhões de agentes operam. Pode ser feita analogia com um mercado fechado literal, no qual por vezes operam centenas de estandes, com algum tipo de contrato com o proprietário do espaço. Neste caso, pode até haver um único dono do mercado físico, mas, para fins de concorrência no preço dos produtos, por exemplo, são centenas de centros decisórios.

A preocupação com o direito da concorrência é sempre no sentido de impedir que o dono da plataforma interfira para favorecer alguns agentes em detrimento de outros. Por exemplo, a empresa de tecnologia Apple mantém uma plataforma de baixar aplicativos — a App Store — na qual operam, entre muitos outros aplicativos, os de streaming de música. Um deles, o Spotify, intenta atualmente medidas jurídicas contra a Apple porque, enquanto dona da plataforma, teria adotado políticas para favorecer o desempenho, nesse mercado, do seu próprio aplicativo de streaming, o Apple Music, em prejuízo dos seus próprios concorrentes, como o Spotify.

Caso o pleito da Spotify seja acolhido, a Apple, em tese, será obrigada a se abster de interferir para favorecer determinados agentes dentro do mercado. Em contraste, o que o ministro Flávio Dino pretende, ao citar as “quatro, cinco empresas que mandam na internet”, é, em sentido diametralmente oposto, obrigar as empresas de tecnologia a reprimir determinado segmento de agentes no seu mercado de ideias — segmento a que o ministro se refere como “a direita” — para favorecer o segmento rival (ao qual o ministro pertence), que, presumivelmente, não estaria indo tão bem na concorrência do mercado de ideias.

O mercado de ideias da internet pode até ter (a se tomar como verdade a fala do ministro) apenas cinco plataformas, mas os centros decisórios — metaforicamente, os vendedores de ideias que mantém seus estandes, isto é, perfis — são milhões. No Brasil, é um mercado com potencial para ter quase 200 milhões de agentes. Neste mercado, os fornecedores e consumidores somos eu e você.

Os perdedores do novo mercado, que se organizaram em verdadeiro movimento censor, têm um inimigo muito embaraçoso, por isso sempre se desdobram para escondê-lo. Daí a profusão de inimigos variados que inventam e que se sucedem rapidamente. Nos Estados Unidos, o primeiro vilão foi a Rússia, que teria organizado suposta operação de interferência na opinião americana pela internet para levar os cidadãos a apoiarem Donald Trump, o que nunca foi provado. No Brasil, já se elegeu como vilão um suposto “núcleo financeiro” de empresários que teriam financiado disparos em massa de mensagens (a tese do Golpe do Zap-Zap), convencendo eleitores, o que explicaria a eleição de Jair Bolsonaro; tese também malsucedida na produção de provas judicial. Agora o novo bode expiatório são as empresas provedoras das redes sociais.

Por trás de toda a fumaça, o verdadeiro inimigo deles é aquele que sempre acaba até mesmo aparecendo nas narrativas, mas como mero meio de execução (para desviar rapidamente a atenção para o agente, menos simpático, que estaria fazendo uso malicioso dele), como se não tivesse agência própria: o verdadeiro inimigo é o povo.

Hugo Freitas Reis é mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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