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Como a Austrália combateu o lobby armamentista e aprovou o controle de armas

A Austrália baniu armas automáticas e semi-automáticas | Pixabay
A Austrália baniu armas automáticas e semi-automáticas (Foto: Pixabay)

“Linchado em imagem, mas sem dano real nenhum”. As palavras são de Tim Fischer, vice-primeiro-ministro da Austrália em meados dos anos 90, época na qual o país mudou suas leis armamentistas. Ele usou essa frase essa semana, logo depois do massacre de Las Vegas, quando lhe perguntei sobre os danos políticos envolvidos em enfrentar o lobby da indústria de armas.

Os australianos estão confusos quanto à indisposição de políticos americanos em instituir um controle armamentístico razoável. Nós fizemos isso, por que eles não conseguem fazer também? 

Pode ser útil relembrar o que aconteceu na Austrália em 1996. 

Naquele ano, nós sofremos um massacre parecido com o de Las Vegas. O nosso foi em Port Arthur — uma atração turística criada ao lado de uma das colônias penais mais cruéis do país. Foi o lugar ao qual, há muito tempo, eram enviados criminosos britânicos reincidentes depois de terem chegado em Sydney.

A carnificina foi metade da de Las Vegas, mas a matemática é ridícula nesses casos. O massacre quebrou o coração da nação. Nunca tínhamos visto algo assim. Era uma ofensa sem tamanho à imagem que tínhamos de nós mesmos: calmos, lacônicos, pacíficos. Uma nação determinada a permitir que nossos vizinhos vivessem suas próprias vidas enquanto vivíamos as nossas. 

Um jovem perturbado — e resisto aqui ao impulso de revelar seu nome — matou 35 pessoas usando armas semi-automáticas. Ele recebeu uma pena de prisão vitalícia. Ele ainda está preso. 

Eu visitei o local do crime recentemente. É um lugar assombrado — cheio de camadas de história, um lugar de dor indescritível. O local do massacre é preservado com pesar: não está em exibição, é necessário procurar a construção parcialmente destruída entre vários eucaliptos. Eu desafio as pessoas a não lacrimejarem. 

Nos dias seguintes ao crime, Howard and Fischer anunciaram o plano de banir armas automáticas e semi-automáticas. 

Isso aconteceu há 21 anos. Não tivemos outro massacre desde então. Nós sabemos, é claro, que ainda podemos ter um massacre, não somos convencidos. Somos agradecidos pela nossa sorte. 

Mas isso leva à minha pergunta a Fischer, um político conservador. O quão difícil foi fazer isso? A ação realmente acabou com a carreira política dele, como tantos políticos americanos temem? 

Fischer descreveu uma reunião de protesto na cidade de Gympie, onde teve sua imagem linchada em 1996. Ele tinha filhos pequenos na época, o que piorou a situação. Haveria uma eleição estadual logo depois, na qual seu partido perdeu para o One Nation, partido pró-armamentista. 

Na eleição seguinte, uma nacional, as coisas se acalmaram. Os dois partidos que instituíram o controle de armas na Austrália voltaram a ter índices normais de apoio. 

O partido de Fischer representa o setor rural da Austrália, o eleitorado com maior número de armas. Seu próprio vice, segundo conta Fischer, teve que entregar 20 armas como resultado da nova política de armas. 

E não eram só os donos de armas que reclamavam. As armas banidas não foram confiscadas. Elas foram compradas. Uma parte do orçamento de saúde pública foi usado para financiar o programa de compra de armas para compensar os donos de armas que entregaram as armas confiscadas. 

Foram mais de 660 mil armas de fogo entregues. Elas foram então destruídas. 

Mesmo assim, Fischer continuou sendo vice-primeiro-ministro e líder do partido. 

John Howard, o primeiro ministro que liderou a coalizão da qual Fischer fazia parte, permaneceu no cargo por quatro mandatos — o segundo maior tempo de governo australiano. 

Mesmo depois de tantos anos, Howard ainda avalia a decisão de banir as armas como um de seus melhores momentos. 

Dano político

Australianos não conseguem entender como americanos não conseguem restringir o porte de arma de uma maneira semelhante. É por isso que entrevistei Fischer ontem no meu programa de rádio. Eu queria saber sobre o dano político e se ele seria o fim do mundo como políticos americanos imaginam. Alguns representantes dos EUA, disse para ele, acreditam que serão tirados do governo se mexerem nesse assunto. 

Fischer é um homem político, no molde dos fazendeiros australianos. Ele usa um chapéu. Ele ama estradas do fundo do seu coração. Ele não iria depreciar a classe conservadora americana. 

Mas ele disse que as leis dos EUA precisam mudar. Na realidade, ele disse que australianos deveriam parar de viajar aos EUA caso não seja realmente necessário — justamente por conta da ameaça das armas de fogo. 

Diferentes culturas

Mesmo assim, considerando a dificuldade enfrentada pelos americanos, Fischer confessa que o lobby das armas na Austrália é muito diferente do americano, que é comandado por instituições como o NRA, que tem um grande poder de intimidar. 

Ele está certo. A cultura americana de armas é muito diferente da nossa. Quando eu cresci na Austrália, as únicas pessoas que tinham armas eram fazendeiros. Eles as usavam para sacrificar animais. Um amigo da família tinha uma arma para caçar coelhos e cangurus, mas isso já não era frequente. 

O suburbano com uma arma na cabeceira da cama — algo que, me parece, é relativamente comum nos EUA — nunca chegou a ser comum na Austrália. Sob as nossas leis, uma arma assim seria ilegal, a não ser que o móvel ao lado da cama fosse protegido com senha e que a munição da arma esteja guardada em outro lugar. 

Outro fator a ser considerado: além do debate sobre crimes com armas e terrorismo, há o alto índice de suicídio australiano. Temos um ambiente inóspito, particularmente difícil para nossos fazendeiros. Ter uma arma por perto não é uma boa ideia para muitas pessoas. 

Assim, milhares de vidas foram salvas na Austrália nos últimos 21 anos. Foram salvas por políticos que decidiram que suas carreiras não eram o principal fator a se considerar. Todos eles — incluindo Tom Fischer — experienciaram algo raro para políticos. Assim como bombeiros e paramédicos, médicos e enfermeiras, eles realmente salvaram vidas. Será que alguém dos EUA quer fazer isso também?

*Richard Glover é escritor e radialista australiano

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