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Saúde pública

Como a Austrália pode erradicar o HIV

Comprimidos de Truvada, medicamento usado para prevenir a contaminação pelo HIV
Comprimidos de Truvada, medicamento usado para prevenir a contaminação pelo HIV (Foto: Christina Simons / The New York Times)

Quase quatro décadas depois do início da crise do HIV, os pesquisadores australianos dizem que a transmissão do vírus no país está cada vez mais rara, graças a um sistema de saúde universal, à vontade política e a uma campanha criada para assustar o público.

Também alertam para o fato de a luta não estar ganha, e de que a última fase da erradicação de uma doença geralmente é a mais complicada, mas nos últimos cinco anos o número de novas infecções caiu quase 25 por cento no país. Segundo um relatório divulgado agora em julho pelo Instituto Kirby, centro de pesquisa de doenças infecciosas em Nova Gales do Sul, as maiores quedas são entre os homens gays e bissexuais.

Em 2018, apenas 835 casos foram diagnosticados na Austrália; no auge, em 1987, foram 2.412.

O avanço mais recente da luta australiana contra o vírus, visto como modelo de referência pelo resto do mundo, é a adoção rápida de uma rotina de medicação conhecida como Profilaxia Pré-Exposição (PrEP, na sigla em inglês). De acordo com ela, o paciente toma um comprimido por dia e, mesmo sem o uso de preservativo, tem garantido em quase cem por cento o efeito na prevenção da contração do HIV.

Na Austrália, mais de 40 por cento dos homens gays com maiores riscos de contrair a infecção seguem o tratamento, de acordo com o Instituto Kirby. Nos EUA, o nível de adoção da medida é significativamente mais baixo: enquanto o Centro de Controle e Prevenção de Doenças diz que mais de 1,1 milhão de norte-americanos precisam da PrEP, um grupo que monitora os dados da terapia afirma que apenas 270 mil a seguem; outras estimativas são ainda mais baixas.

"Se mantivermos o ritmo atual, temos grandes chances de eliminar o HIV até 2030 na Austrália", informa Andrew Grulich, um dos autores do relatório do Instituto Kirby e professor de Epidemiologia da Universidade da Nova Gales do Sul.

O Truvada, usado no tratamento do HIV e da PrEP, foi formalmente incluído na lista de medicamentos disponíveis por preços subsidiados no sistema de saúde pública australiano, em abril de 2018, como remédio preventivo.

Desde então, quem tem residência permanente ou é cidadão daquele país tem acesso ao comprimido ou à alternativa genérica simplesmente pegando uma receita com o médico e levando à farmácia. O custo mensal do tratamento fica por volta de 40 dólares australianos, ou US$ 28.

"Se o sistema de saúde é universal, como na Austrália, seguir a terapia PrEP é fácil, seja você desempregado ou milionário", diz Grulich.

"Sistema bizantino"

O Truvada foi desenvolvido nos EUA e aprovado para o uso na prevenção do HIV naquele país em 2012; entretanto, a medicação está demorando para ganhar espaço ali por causa de vários obstáculos, incluindo o que o dr. Robert Grant, professor de medicina da Universidade da Califórnia, em San Francisco, chama de "sistema bizantino", que muitos pacientes acham impossível acompanhar.

"Muitas vezes, nas áreas mais pobres e rurais, os pacientes talvez nem tenham ouvido falar do Truvada, e isso pode até valer para o médico; tem o custo da própria consulta, que pode ser proibitivo, ou a pessoa não sabe que tipo de assistência tem a seu dispor", informa Grant, que liderou o desenvolvimento da PrEP. Para piorar, o Truvada é estigmatizado em algumas partes dos EUA porque é visto como promoção à promiscuidade, criando assim barreiras ao acesso e uso.

Para Bill Bowtell, consultor de políticas de saúde estratégicas que ajudou a liderar a reação australiana à crise da Aids e continua a assessorar o governo em relação ao HIV, o sistema nos EUA "foi estabelecido de forma que perpetuasse a pandemia do HIV/Aids".

Ali, os níveis de infectados permanecem basicamente os mesmos nos últimos anos, isto é, continuam a crescer entre homens gays e bissexuais hispânicos e latinos, e não baixaram entre negros gays e bissexuais, segundo os números do Centro de Prevenção e Controle de Doenças.

Entre as comunidades dessas minorias, a adoção da PrEP é mínima: envolve apenas dois terços da população de risco, mas apenas uma pequena parcela das receitas, como mostra um estudo feito em 2018.

Apesar do sucesso, a Austrália também não está imune às disparidades na prevenção e tratamento do HIV: embora haja grandes progressos entre seus homens gays urbanos, a proporção de infectados entre aborígines e os ilhéus do Estreito de Torres permanece a mesma. Esses grupos, os homens gays nascidos no exterior e os que vivem nas zonas rurais, têm menos probabilidades de usar a PrEP ou fazer o teste de HIV, afirmam os pesquisadores.

Apesar dos desafios, a Austrália está entre os níveis mais baixos de prevalência do HIV do mundo: cerca de 0,1 por cento da população convive com o vírus, segundo um relatório separado de 2018 do Instituto Kirby; os números dos EUA são quatro vezes mais altos. Já na África subsaariana, quatro por cento dos adultos carregam o vírus, o que em âmbito mundial equivale a quase 70 por cento dos infectados, segundo a Organização Mundial de Saúde.

Campanhas de saúde

Na Austrália, a rápida adoção da PrEP é apenas o passo mais recente em uma reação abrangente que teve início nos anos 80.

E envolveu, nos primeiros estágios, entre outras coisas, a distribuição gratuita de preservativos e agulhas esterilizadas, além de uma campanha de saúde pública polêmica na qual a Morte surge em meio a uma nuvem de fumaça para fazer vítimas com uma bola de boliche. Todas essas medidas foram aprovadas pelo então primeiro-ministro, Bob Hawke, cuja própria filha lutava contra o vício da heroína.

O atual sistema de saúde pública universal australiano, conhecido como Medicare, foi introduzido no país em 1984, dois anos após o primeiro diagnóstico local de Aids. "Nós nos deparamos com a maior crise de saúde pública até então, mas tivemos condições de usar nossos recursos", explica o consultor Bowtell.

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