Tomada pela União Soviética em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial, a Estônia lutou contra a ocupação, foi derrotada e perdeu quase 20% de sua população. A segunda chance para se livrar do comunismo viria apenas em 1991, com o fim da União Soviética — durante a metade final do século XX, o país sofreu com a pobreza que assolou todas as nações do bloco.
Mas assim como outros países sob a esfera de influência da antiga URSS, simplesmente sair do regime comunista não foi suficiente para recuperar o sistema econômico. Pelo contrário, o cenário não melhorou imediatamente após a independência: a economia do país estava defasada, a moeda desvalorizada e havia escassez de bens. Em 1992, a produção industrial declinou mais de 30%, os salários reais caíram 45%, enquanto a inflação geral estava em mais de 1.000% e os preços dos combustíveis subiram mais de 10.000%.
Na época, a economia do país dependia da Rússia, que representava 92% do comércio internacional da Estônia — um comércio limitado; o país tinha poucos bens para os mercados mundiais e dependia majoritariamente de exportações. Além disso, a Estônia representava uma parte do complexo econômico da União Soviética e tinha vínculos de comércio com todas as outras partes do complexo: o comando soviético havia arruinado o ambiente econômico e a infraestrutura da Estônia.
Correção de rumo
O cenário começou a mudar com uma guinada à direita, por meio de reformas drásticas em direção ao capitalismo. “Na Estônia, eles decidiram há algum tempo abraçar os princípios, valores e ideais capitalistas com convicção”, diz Roberto Rachewsky, fundador do Instituto Estudos Empresariais (IEE) e do Instituto Liberal do Rio Grande do Sul.
“Os estonianos aprenderam na prática as consequências nefastas que o coletivismo estatista causa às sociedades. Por isso, optaram por adotar uma ideologia diferente: eles compreenderam que deveriam colocar acima de tudo o indivíduo, a livre iniciativa, a propriedade privada, o livre mercado e o estado de direito – enfim, o capitalismo”, acrescenta.
Um levantamento do Instituto sobre Economias em Transição do Banco da Finlândia aponta que os anos de 1990 e 1991 foram importantes para a transição da Estônia ao lançarem as bases para as mudanças que aconteceriam a partir de 1992.
“A ideia era simples: quanto menos centralização e intervenção do Estado, maior o grau de economia de mercado e maior a eficiência econômica”, diz o autor do estudo, Urmas Sepp. Segundo ele, as conquistas mais significativas foram a liberalização dos preços e as reformas no setor financeiro.
Na prática, a mudança começou após as primeiras eleições democráticas, em setembro de 1992, com a eleição de Lennart Meri, do partido conservador nacionalista União Pró Pátria, cuja proposta reformista apresentava uma ruptura mais radical com o comunismo.
Para os pesquisadores Lucan Way e Adam Casey, da Universidade de Toronto, a eleição de um partido conservador foi ponto decisivo para a recuperação da Estônia: o governo liderado pela União Pró Pátria foi construído a partir de grupos e partidos que fizeram parte do movimento de resistência contra a ocupação soviética e foram, portanto, decisivos para romper com o passado comunista.
“Desde o primeiro dia, o novo governo se comprometeu a empreender reformas orientadas para o mercado que lançaram bases para uma transição bem sucedida do socialismo para o capitalismo”, explica Luis Pablo De La Horra, mestre em Finanças.
Um dos arquitetos da reforma foi Mart Laar, primeiro-ministro da Estônia entre 1992 e 1994 e depois entre 1999 e 2002. Laar alegou ter se inspirado no best-seller de Milton Friedman, “Liberdade de Escolher”, para implementar seu ambicioso plano de reforma de livre mercado.
Para Lescek Balcerowicz, um dos responsáveis pela reforma econômica da Polônia, um programa econômico radical lançado o mais rápido possível tem uma chance maior de ser aceito do que um programa radical atrasado ou uma alternativa não radical que introduz medidas difíceis de forma gradual. “O remédio amargo é mais fácil de tomar em uma dose do que em uma série prolongada de doses”, afirmava Lescek.
O “remédio amargo” da Estônia foi uma guinada à direita, com políticas como reforma monetária e privatizações. A primeira ação foi a reforma monetária, em 1992, que introduziu uma moeda própria para o país. O objetivo era eliminar impactos inflacionários do leste, garantir uma taxa de câmbio de equilíbrio baseada na oferta e na demanda e superar a crise de caixa.
Usando um sistema de cartão monetário, a coroa estoniana foi totalmente convertida a partir do primeiro dia, atrelando-a ao marco alemão. Fixar a taxa de câmbio a uma moeda forte criou confiança na economia estoniana.
Parcerias
Para colher os benefícios de ter uma moeda estável, a Estônia também teve que equilibrar o orçamento. Para isso, a coalizão do governo, que tinha maioria no parlamento, contou com o auxílio de grupos e think tanks do livre mercado, como a Heritage Foundation, International Republican Institute, Adam Smith Institute e Timbro. Os grupos apresentaram a maior parte da agenda de reformas em eventos, familiarizando o público com os detalhes do plano.
As restrições financeiras rigorosas tornaram mais fácil para o governo decidir o que fazer. Sem a capacidade de imprimir dinheiro ou qualquer outra forma de arrecadar, o governo só poderia equilibrar o orçamento cortando despesas. Como consequência, houve cortes de subsídios para empresas estatais, o que incentivou o desenvolvimento de novas companhias privadas.
Primeiros resultados
Após as reformas, a taxa de inflação caiu de 1.000% em 1992 para 89.8% em 1993 e depois para 29% em 1995. A economia foi reorientada para o Ocidente, desvinculando-se da dependência russa e as exportações começaram a crescer. Para isso, o país abriu a economia, reduzindo tarifas comerciais e barreiras não-tarifárias e abolindo todas as restrições às exportações, tornando-se uma zona de livre comércio.
Além disso, o governo criou incentivos para investimentos estrangeiros. Como resultado, a Estônia recebeu mais investimento estrangeiro per capita na segunda metade da década de 1990 do que qualquer outro país da Europa Central e Oriental.
Cortando pela raiz
A reforma também buscou enfrentar a corrupção reduzindo o controle sobre o comércio exterior, removendo as barreiras à entrada na indústria privada e privatizando empresas estatais para garantir a concorrência livre: se o Estado não tem poder de intervenção sobre essas áreas, não há incentivos para pagar subornos.
Reformar o sistema bancário também contribuiu para o fim da corrupção. A Estônia eliminou todos os bancos estatais e estabeleceu parâmetros claros para os bancos privados: deveria haver concorrência entre os bancos privados e o Estado os deixaria ir à falência quando necessário.
Como resultado, a Estônia tem os bancos mais eficazes nos países bálticos. Hoje, segundo a Transparency International, a Estônia é o 18º país menos corrupto do mundo.
Resultados
Desde o início da reforma, o crescimento econômico atingiu em média 6% ao ano. Em 2018, o PIB cresceu 3,9%, similar ao crescimento dos últimos três anos. “Quando comparado com as outras antigas repúblicas soviéticas, o progresso da Estônia é ainda mais surpreendente. Em termos de receitas ajustadas, a Estônia ocupa o primeiro lugar à frente de países como a Rússia ou a Letônia”, diz Horra.
De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, a Estônia passou do grupo de países em desenvolvimento para o grupo de países desenvolvidos. O país implantou várias reformas sociais, como assistência médica e reforma previdenciária, e tornou-se membro de pleno direito da OTAN e da União Europeia.
Os avanços levam segurança financeira para o governo: hoje, a dívida pública é de apenas 9,5% do PIB e a taxa de desemprego é de 5,3%, abaixo da média da UE. Hoje, a Estônia é considerada um país de alta renda pelo Banco Mundial e o poder de compra dos estonianos aumentou 400% nas últimas duas décadas, apesar do grave impacto da crise financeira de 2008 sobre as economias bálticas. Além disso, a expectativa de vida passou de 66 anos em 1994 para 77 anos em 2016.
Para Horra, as melhorias nos indicadores mostram que o progresso econômico tem um impacto real sobre os padrões de vida das pessoas. “A Estônia é o exemplo vivo de que o progresso humano está intimamente ligado à liberdade econômica”, diz.
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