Em maio, a Índia estava em apuros: eram mais de quatro mil mortes diárias e mais de 390 mil novos casos de Covid-19 confirmados por dia. O sistema de saúde colapsou. Estima-se que, ao todo, até 4,6 milhões de pessoas morreram no país como resultado da pandemia. A variante delta foi chamada de “variante indiana” até a OMS ter sucesso na mudança de nome. O país virou o jogo nas semanas seguintes de forma dramática. A curva de casos confirmados caiu de forma tão acentuada que em apenas duas semanas voltou aos níveis pré-delta.
Como a Índia conseguiu isso? O primeiro-ministro Narendra Modi, que sumiu da cena pública em maio, agora é só sorrisos e comemora um bilhão de pessoas vacinadas. Mas as vacinas não podem explicar o fenômeno: a maior parte da queda dos casos aconteceu quando a população indiana não tinha atingido 10% de vacinados. Agora, só um quarto da população tem duas doses, embora mais da metade já tenha recebido ao menos uma. A revista The Economist oferece a sua conclusão: não é que a Índia combateu a pandemia. “O simples fato, em vez disso, é que a Covid-19 combateu a Índia”.
Mais de 90% dos indianos de Nova Délhi têm anticorpos contra COVID-19. Isso está acima dos números estimados para se atingir imunidade de rebanho. Os indianos estão protegidos em primeiríssimo lugar pela imunidade natural. O caso da Índia parece se replicar na Indonésia, Paquistão e Bangladesh. Juntos, esses países incluem a população de mais de um quarto da humanidade.
Imunidade natural comparada à imunidade das vacinas
É salutar entender que a imunidade natural, se for superior à conferida pelas vacinas (uma distinção feita pelo Centro de Controle de Doenças americano), não faz isso por ser “natural”. Não devemos cair na falácia de que algo é bom por ser natural: a natureza tem uma abundância de contraexemplos.
Em um dos estudos sobre imunidade natural, comparada à das vacinas de mRNA, o que mais chamou a atenção foi o pré-prelo dos israelenses Sivan Gazit e seus colegas, que usaram amostra de 46 mil pacientes durante um surto da variante delta. Eles descobriram que os naturalmente imunes são de oito a 21 vezes mais resistentes à variante delta que os vacinados.
A imunidade natural dura mais tempo e confere mais proteção que as vacinas, mas os autores pensam que uma dose da vacina pode dar um incremento de proteção para a imunidade natural, embora não tenha sido possível concluir isso com sua amostra. O estudo continua sem revisão formal, mas temos a informal: o professor de estatística Andrew Gelman, da Universidade da Colúmbia, diz que não vê “nenhuma razão estatística para questionar as afirmações” do estudo, mas lamenta que somente 5% dos incluídos tinham mais de 60 anos, um dos grupos mais sensíveis à doença.
Ambas a imunidade natural e a conferida por vacinas diminuem com o tempo. Um estudo do Qatar, de Laith J. Abu-Raddad e colegas, acompanhou 43 mil pessoas que tiveram Covid-19 e descobriu que sete meses após a doença a proteção contra a reinfecção era de 95%. A expectativa dos cientistas é que essa proteção dure até mais que isso. Outros estudos estendem o prazo de alta proteção a dez meses.
Na semana passada a revista médica The Lancet publicou uma revisão de estudos sobre a imunidade natural. O padrão em estudo após estudo é que a proteção conferida após a recuperação com a doença é alta e duradoura, embora seja cedo para afirmar quanto tempo dura. No caso do sarampo, a proteção é longuíssima, talvez vitalícia. No caso da gripe, é passageira especialmente por causa da velocidade com que o vírus sofre mutações e evolui.
A doença humana causada por um vírus mais semelhante ao da pandemia foi a gripe asiática de 2002. Um estudo indica que as pessoas que tiveram essa doença continuam apresentando resposta imune 17 anos depois. Além disso, a imunidade natural contra uma variante do novo coronavírus parece se estender bem às outras variantes. A revisão é franca a respeito de possíveis efeitos colaterais da vacina de mRNA, afirma que “algumas pessoas que se recuperaram da Covid-19 podem não se beneficiar da vacinação”, e alerta que um estudo indica que essa vacina pode estar associada a mais efeitos adversos quando administradas a quem tem imunidade natural.
Não faz sentido prescrever a infecção, porém, o que mostram os resultados mais promissores é que vacina obrigatória é irracional e um potencial desperdício de dinheiro e até risco de saúde nos que já se recuperaram da doença. O futuro da Covid-19 é que ela passará de pandêmica para endêmica — conviveremos com a doença assim como convivemos com resfriados e gripes.
O fiasco do CDC
Mesmo com boa parte dessa literatura já disponível, o Centro de Controle de Doenças dos EUA resolveu publicar um artigo alegando que a proteção da vacina é superior à imunidade natural. A amostra era menor que as dos estudos acima. O grupo de pacientes não era generalizável para o resto da população, pois já eram hospitalizados. O estudo foi recebido com ceticismo de especialistas, mas entusiasmo da CNN.
Em sabatina no Senado americano, o senador Bill Cassidy questionou a diretora do CDC, Rochelle Walensky. “Se não sabemos se a imunidade natural confere proteção contra infecção futura, é porque decidimos não olhar. Porque eu soube que temos uma coorte de pessoas que foram infectadas antes. Por que não fizemos essa pesquisa?” Não respondendo à pergunta, Walensky disse que “nossa posição atual depois de analisar 96 estudos nessa questão é que todos que foram infectados antes devem ser vacinados”. Walensky também tem sido uma defensora das vacinas de mRNA para crianças e adolescentes.
Na Suíça, os cidadãos que provam que se recuperaram da COVID-19 nos últimos 12 meses são considerados pelo governo como protegidos, com o mesmo status dos vacinados.
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