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Há um ano, comprovou-se que em 2020 a pandemia havia causado uma queda abrupta generalizada da natalidade. Faltava ver se depois voltaria à normalidade, ou se a queda deixaria um rastro duradouro. Os números provisórios de 2021 mostram que a situação varia conforme o país. Para uns, foi um declínio rumo ao despenhadeiro; outros ainda não saíram da baixa e há outros que ressurgiram com mais vigor, ou que nem mesmo passaram pela baixa.
Na tabela figuram exemplos de situações distintas, escolhidos entre países que publicaram dados provisórios referentes ao ano passado.
O gráfico (com menos países, para maior clareza) facilita a avaliação de se em 2021 a natalidade se recuperou ou ficou abaixo da observada em 2019.
O que se viu com mais frequência foi a natalidade baixando antes da pandemia, caindo bruscamente em 2020 e subindo em 2021, mas não o bastante para recuperar o nível de 2019.
Os que se recuperaram
Não obstante, há também países que não se recuperaram depois da queda. Entre eles estão o Brasil, um dos mais afetados pela pandemia, e a Colômbia. De todo modo, ambos registravam antes uma natalidade mais alta do que muitos, e seguem tendo-a acima dos 12 nascimentos por mil habitantes. Também apresentam ainda uma fecundidade superior à média dos países desenvolvidos. (Colômbia: 1,77 filho por mulher; Brasil: 1,56).
Por outro lado, a fecundidade da Espanha, que já estava entre as mais baixas do mundo, em 2020 desceu de 1,24 para 1,19, aproximando-se do mínimo histórico de 1,13 (1998). Assim, a baixa da natalidade foi aqui especialmente acentuada, e no ano seguinte houve uma nova queda, ainda que muito pequena. O último dado (338.000 nascimentos) é o mais baixo da série estatística. Assim, a pandemia resultou até agora em 6% a menos no número anual de nascimentos, em comparação a 2019. O crescimento natural negativo já não tinha sido compensado pela imigração, de modo que em 2021 a população espanhola diminuiu – coisa que já aconteceu de 2014 a 2016.
Nos EUA, o saldo é de –5%. Mas é preciso tomar o dado com cautela, pois lá a estatística se refere a anos censitários (de 1 de julho a 30 de junho); por isso a queda de 2021 corresponde aos dois piores semestres para a natalidade: o segundo de 2020 e o primeiro de 2021. Em resumo, a queda, unida ao excesso de mortalidade por covid e ao pequeno saldo migratório (+250.000, a quarta parte do que era normal havia seis anos), resultou no menor aumento de população registrado nos EUA: 393.000 pessoas (+0,1%).
Também a Itália teve em 2021 um mínimo histórico: pela primeira vez os nascimentos foram menos de 400.000. O país perdeu 615.000 habitantes nos últimos dois anos e ficou com 58,9 milhões, o número mais baixo desde 2008. Por sua vez, em 2020 e 2021 os óbitos passaram de 700.000 anuais, nível nunca visto desde a II Guerra Mundial. A pandemia fez ali mais estragos porque a população italiana está entre as mais envelhecidas do mundo.
Para favorecer a natalidade, a Itália melhorou os auxílios familiares fundindo os que existiam para diferentes casos em uma rubrica única universal, que entrou em vigor no último mês de março. Consiste em uma entrega direta que chega a 50 euros mensais por cada um dos dois primeiros filhos, mais 65 euros pelo terceiro e 165 euros pelo quarto.
Volta ao decrescimento de antes
Os seguintes países da tabela são exemplos de aumento em 2021, mas que não chega a anular a queda do ano anterior. A Alemanha é um caso incerto, porque os números provisórios de 2021 dão um arco que pode recair tanto um pouco abaixo, como – mais provavelmente – acima do total de 2019.
Nos outros, a recuperação de 2021 não supõe uma mudança de tendencia em comparação à época anterior à pandemia: simplesmente voltaram a baixar mais ou menos no ritmo usual. Por exemplo, em Inglaterra e em Gales (as outras partes do Reino Unido têm estatísticas oficiais separadas), a fecundidade vinha baixando desde 2013, e os nascimentos anuais, desde 2016. No ano de 2020 deu-se o mínimo histórico de fecundidade: 1,58 filho por mulher; a taxa estimada para 2021 é mais alta (1,61), mas ainda inferior à de 2019 (1,65).
“Baby boom” nórdico
Os casos peculiares são os países escandinavos (menos a Suécia): saíram da baixa mais fortes do que antes, e dois – Finlândia e Islândia – nem sequer passaram por ela. Subiram, inclusive drasticamente; embora se deva levar em conta que seus fortes aumentos percentuais se explicam em parte porque seus números absolutos são menores – especialmente na Islândia, cujo aumento de quase 8% em 2021 equivale a 358 nascimentos a mais.
Mas se mantém o fato de que tiveram aumento de natalidade na pandemia, contra a tônica geral. Por quê? Isto pode se dever, entre outras circunstancias específicas, a suas políticas familiares. Delas depende, em parte, que os confinamentos e o teletrabalho tenham pressuposto, em vez de uma dificuldade adicional para ter filhos, uma oportunidade.
Há indícios em favor dessa possível explicação. Nos EUA, onde a proteção social é mais fraca do que na Europa, o maior decréscimo de fecundidade durante a pandemia se deu entre as mulheres de 30 a 34 anos, que são a maioria das que têm filhos em idade escolar ou menores. Quando se fecharam os colégios, muitas tiveram que deixar o emprego para cuidar deles em casa e para ajudar-lhes com as aulas e tarefas escolares a distância. É razoável supor que a perda de receitas e a incerteza quanto ao futuro laboral as dissuada de ter mais filhos. Por outro lado, nos EUA, subiu a natalidade entre as mais jovens (20-24 anos), talvez porque estas, nesses mesmos momentos de crise, não viam boas perspectivas de iniciar a carreira laboral e aproveitaram o impasse para adiantar a maternidade.
Na Europa ocorreu o contrário. Onde houve queda de natalidade – como mostram os dados da França, Inglaterra e Gales, e Itália –, a mais acentuada se deu entre as menores de 25 anos, e a menos, nas com mais de 30. E onde houve aumento geral, também foi máximo entre as mulheres na casa dos trinta, enquanto que entre as mais jovens não houve.
Parece claro que, se houver licenças de maternidade e paternidade amplas e bem remuneradas, é mais baixo o custo de oportunidade que implica ter um filho. E nos países nórdicos as licenças são as mais generosas do mundo. Duram no mínimo 11 meses e são pagos com a maior parte do salário original, até quase 100% na Noruega.
Uma reportagem de Elizabeth Anne Brown na revista National Geographic sugere que essa é a explicação principal do baby boom escandinavo na origem da pandemia. Em plena crise da covid, os casais desses países tinham menos possibilidades laborais a perder, e, por outro lado, a licença e os auxílios para a maternidade e paternidade eram mais seguras. Nessas condições, a calamidade geral pode ser uma boa ocasião para aumentar a família.
É uma hipótese plausível, mas ainda não há estudos que permitam corroborá-la. Entre outras coisas, teria que explicar os contraexemplos de países como a Espanha, com licenças semelhantes, mas que não experimentaram um aumento de natalidade.
A Índia abaixo do umbral de substituição
Mas talvez a grande notícia demográfica de 2021 tenha sido que a Índia registrou pela primeira vez uma taxa de fecundidade inferior ao umbral de substituição (2,1 filhos por mulher). A pandemia influenciou, mas a taxa já vinha descendo desde muito antes. A inflexão não terá efeitos no curto prazo. A taxa atual, de 2,0, ainda que siga baixando, não levará a um decréscimo da população (1.375 milhões atualmente), nem sequer a um crescimento natural negativo dentro de várias décadas, provavelmente. As gerações de mulheres em idade fértil são muito numerosas, razão pela qual seguirá havendo mais nascimentos do que óbitos. Mas a população, que agora tem uma idade média de 28 anos, irá envelhecendo.
Com a incorporação da Índia, aproximadamente dois terços da população mundial vivem em países com fecundidade inferior a 2,1. O outro terço está quase todo na África subsaariana.