Um jogo adolescente de suicídio se espalhando da Rússia para o mundo levanta questões em vários lugares, incluindo no Brasil: quem é responsável? Como podemos pará-los?
Enquanto redes sociais e o parlamento da Rússia estão se movimento para eliminar os chamados “grupos de morte”, eles podem estar lutando contra uma lenda urbana. Mas existe uma ameaça real: os índices de suicídio tragicamente altos nos países do leste europeu depois da queda da União Soviética são o resultado de uma doença social muito mais profunda.
O jogo que deixou pais e governo preocupados no Brasil é chamado de Baleia Azul - uma tradução direta do nome original russo, Siniy Kit. O nome aparentemente vem de uma música da banda de rock russa Lumen. Os primeiros versos são: “Por que gritar/ se ninguém ouve/ o que estamos falando”? A música apresenta ainda uma “grande baleia azul” que “não consegue sair da rede”.
Por postarem em redes sociais usando certas hashtags ou participando de determinados grupos, os adolescentes — normalmente entre 10 e 14 anos — são encontrados pelos curadores que, depois de convidar o jogador em potencial, mandam até 50 tarefas diárias, levando até a última, o suicídio. As tarefas envolvem se cortar e correr outros riscos. Pelos últimos 10 dias, o jogador precisa acordar bem cedo, num horário pré-determinado, ouvir música e contemplar a morte. Aqueles que ficam com medo e querem desistir do jogo recebem ameaças, normalmente que seus pais serão mortos.
O público geral na Rússia ouviu pela primeira vez sobre o jogo e suas variantes em maio de 2016, quando a jornalista Galina Mursaliyeva descreveu a cultura do que chamou de “grupos de morte” pela experiência de uma mãe que perdeu a filha de 12 anos. Depois da tragédia, a mãe investigou a vida online da filha e quis compartilhar sua pesquisa para prevenir futuras tragédias. A história teve ondas, até com defensores de limitar o acesso dos adolescentes a internet.
Em novembro, Filipp Bodeykin, um homem de 21 anos suspeito de ser um dos moderadores do jogo, foi preso sob a acusação de fazer uma pessoa cometer o suicídio. Os apartamentos de outros administradores dos “grupos de morte” foram procurados. Budeykin, que sofre de transtorno bipolar e que teve uma infância difícil, ainda espera o julgamento.
Esse ano, a discussão sobre os “grupos de morte” foi reavivada. Relatos de adolescentes jogando vieram da Estônia, Cazaquistão, Ucrânia e de outros países da ex-União Soviética. Irina Yarovaya, deputada oradora do parlamento russo disse em fevereiro que o número de suicídios entre adolescentes na Rússia cresceu de 461 em 2015 para 720 em 2016. “Uma guerra está sendo realizada com as nossas crianças”, declarou sem dizer quem está conduzindo a guerra. “Isso é uma atividade criminal real, organizada, com propósitos e consequências”. Yarovaya introduziu um projeto criminalizando os administradores de “grupos de morte” e jogos como a Baleia Azul e introduzindo uma sentença de seis anos de prisão para o novo crime. Semana passada, o projeto teve aprovação preliminar no legislativo.
Vkontakte e Instagram, as redes sociais mais populares entre os adolescentes russos, também estão tentando eliminar ameaças excluindo posts que contenham hashtags relacionadas ao tema. O Instagram também está mandando mensagens para os usuários oferecendo ajuda.
A fraqueza de ligar suicídios adolescentes com grupos em redes sociais e jogos como o Baleia Azul é, claro, não ter provas da causa. Um adolescente que está contemplando essa possibilidade vai sempre procurar pessoas que pensam da mesma maneira, e as redes sociais são os lugares mais fáceis de se olhar. Minha enteada de 14 anos sabe tudo sobre a Baleia Azul e fala sobre isso com calma e até humor — mas menciona casualmente que tem amigos que gostam de se cortar para se sentirem especiais e chamarem atenção.
Desde que o jogo se espalhou, alguns adolescentes russos buscaram os moderadores para “trollar”. Em um dos casos, o moderador pede para uma menina “recortar uma baleia”. Ela recorta, porém, um gato — as palavras russas para gato e baleia são parecidas — “kot” e “kit”. Percebendo que a menina não levava a trajetória para o suicídio a sério, ele ameaçou mandar pessoas para machucá-la. Ela responde: “deixa que eu desço para encontrá-los, o elevador não está funcionando e talvez eles não tenham mais energia para me matar quando chegarem ao oitavo andar”. É claro que ninguém apareceu.
É possível, claro, que o jogo e os “grupos de morte” aumentem os índices de suicídio: pessoas, principalmente adolescentes, tendem a se matar em bolhas temporais por conta de um comportamento de imitação. Mas, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o índice de suicídio entre adolescentes russos sempre foi mais alto que a média, ficando hoje atrás somente da Nova Zelândia.
Nenhuma organização internacional mede especificamente as taxas de suicídio entre adolescentes de 10 a 15 anos, audiência do Baleia Azul. Mas é seguro dizer que a Rússia é um dos líderes globais na contagem. Pesquisadores atribuíram esses números a disfunção familiar (a Rússia tem um dos maiores índices de divórcio do mundo) e a disponibilidade e grande aceitação social de bebidas alcoólicas.
Existe sempre uma pressão adicional de se viver em um sistema quase capitalista corrupto, onde não há um fácil caminho de sucesso para filhos de famílias sem conexões políticas e profissionais. É particularmente difícil de se ver um futuro crescendo em um apartamento de um bloco residencial nos subúrbios de uma cidade industrial, com pais bebendo, brigando ou ausentes e uma escola que não fornece o necessário. Essa é a história por trás de um suicídio adolescente na Rússia.
Existem indicadores que jovens russos buscam ativamente escapes para a frustração que sentem. Escolas e universidades foram as principais forças por trás dos protestos anti-corrupção que percorreram o país. Mas ativismo político não é para todos, e a Rússia pode acabar tão mal como qualquer jogo do suicídio.
O governo russo tem introduzido leis pesadas contra a postagem de conteúdos relacionados ao suicídio na internet e apagado sites por menções a mortes feitas com as próprias mãos. A criminalização dos “grupos de morte” vai fechar ainda mais o cerco. Mas o suicídio entre adolescentes não vai baixar até que as causas sejam resolvidas. Ele já é mais baixo do que era na década de 90, quando a população do país sofria uma grande recessão econômica. Continuar reduzindo significa criar incentivos para que as famílias permaneçam unidas, lutando contra o abuso de drogas e bebidas alcoólicas e apresentando uma visão do futuro com oportunidades para os jovens. O regime do presidente Vladimir Putin, porém, parece mais preocupado em aumentar o índice de natalidade.
Enquanto isso, o Baleia Azul, explorando os adolescentes, continua sua marcha pelo mundo. E não precisa do cenário russo para prosperar: a miséria adolescente não tem fronteiras.
Tradução de Gisele Eberspächer