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Às vezes, é melhor deixar algo que já é bom em paz. 

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A Amazon fechou um contrato gigantesco, de US$ 250 milhões, para produzir uma série baseada em “O Senhor dos Anéis”, de J.R.R. Tolkien. Aparentemente, a adaptação recontará os eventos que ocorreram antes da trilogia e de “O Hobbit”. Os detalhes ainda estão obscuros. 

Mas desde que o acordo foi anunciado na segunda-feira só se fala sobre uma coisa: a Amazon quer criar sua própria versão de “Game of Thrones”, a série de fantasia extremamente popular da HBO baseada nos romances de George R.R. Martin. 

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Ainda que a conexão com “Game of Thrones” possa insinuar uma aceitação massiva até então rara de séries de fantasia, uma tentativa de criar similaridades entre elas além das superficiais seria uma traição ao trabalho de Tolkien. A essência de “O Senhor dos Anéis”, como concebida por Tolkien, um católico tradicionalista que escreveu os livros na década de 50, é profundamente diferente de “Game of Thrones”. 

Sim, existem dragões nas duas histórias. E sim, as duas acontecem um mundos fantásticos meio medievais. Mas as semelhanças acabam aqui. Trocar o romantismo de “O Senhor dos Anéis” com o maquiavélico e obsceno mundo de “Guerra dos Tronos” seria um soco no estômago dos fãs de Tolkien e acabaria com todo apelo do mundo que ele imaginou.  

A tentação de agradar uma audiência moderna pode ser grande para a Amazon, que já colocou muito dinheiro no projeto.  

Os romances de Tolkien opõem bestas e anjos, enquanto homens reais devem navegar as águas do bem e do mal. A trilogia mantém uma linha condutora baseada na corrupção do mundo e no pecado original dos homens. Homens que são, na obra de Tolkien, facilmente e frequentemente corrompidos. Mas, apesar da corrupção, a Terra Média mantém as coisas que são verdadeiramente boas e bonitas. 

Por outro lado, “Game of Thrones” é uma narrativa de bestas contra bestas. No mundo sórdido da política feita por trás dos panos não existem heróis, apenas os vilões menos cruéis ou mais simpáticos contra os verdadeiramente monstruosos. É uma visão pós-moderna com o cenário de um mundo pré-moderno. 

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A diferença entre as filosofias não poderia ser mais clara. O próprio Martin sabe disso. “‘O Senhor dos Anéis’ tem uma filosofia medieval: se o rei é um homem bom, o reino terá prosperidade. Mas quando olhamos para a história real, vemos que não é tão simples”, afirmou Martin em uma entrevista de 2014 para a revista Rolling Stone. 

Isso diminui o Tolkien consideravelmente. Ele era na realidade um veterano da Primeira Guerra Mundial que experimentou a desumanidade das trincheiras e certamente conhecia a maldade da humanidade. 

Alguém pode esperar que a escrita de Tolkien seja niilista ou cínica, mas não é. Como Joseph Loconte, professor de história e autor de um livro sobre a obra de Tolkien, escreveu para o The Weekly Standard, o objetivo de Tolkien era “profundamente contracultural, até subversivo”. Tolkien se rebelou contra a noção que “heroísmo, valor e virtude” não podiam mais existir no mundo moderno. 

“Em ‘O Senhor dos Anéis’, Tolkien recupera o conceito mitológico da luta heróica contra o mal - e o reinventa de uma maneira moderna”, escreveu Loconte. 

O bem e o mal foram definidos na trilogia, mesmo quando personagens bons e personagens nem tão bons assim exibem as duas qualidades. Para a mentalidade pós-moderna, esses conceitos estão perdidos e são até risíveis. Será que a Amazon vai bancar abordar temas que agora são contraculturais em séries, depois de ter investido muito dinheiro nisso? 

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É provável que não. 

O boato que a nova série vai aparentemente abordar eventos que aconteceram antes de “A Sociedade do Anel”, primeiro volume da trilogia, significa que os roteiristas usariam materiais que podem não ter sido originalmente criados por Tolkien. 

Alguns fãs mais puristas já reclamaram dos filmes feitos nos anos 2000, afirmando que eles já tinham deixado de lado algumas qualidades essenciais que estavam nos livros. Em 2013, o filho de Tolkien, Christopher Tolkien, afirmou em uma entrevista que o diretor Peter Jackson “desentranhou os livros, os transformando em filmes de ação para pessoas jovens”. 

Isso pode ter sido um pouco pesado demais. 

Os filmes tiveram um grande sucesso nacional e internacional e, se fizeram alguma coisa, foi abrir a franquia para uma nova geração. Eles não capturaram toda as nuances dos livros, que não tinham sido escritos para serem adaptados para o cinema, mas eram ao menos fiéis à narrativa original. 

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A série de TV arrisca se afastar ainda mais dos trabalhos literários, e a tentação de criar narrativas que supram expectativas modernas para os personagens que sejam similares a “Guerra dos Tronos” iriam tirar as qualidades mais essenciais de “O Senhor dos Anéis”. 

A saída repentina de Christopher Tolkien da direção do espólio de Tolkien talvez seja mais um indício que a franquia vai abandonar suas raízes. 

Isso não quer dizer que a nova série não terá sucesso financeiro ou de crítica. Afinal de contas, outras franquias proeminentes, como “Star Wars”, continuaram a atrair público apesar de suas falhas cada vez mais profundas. Mesmo assim, seria triste perder os elementos que fizeram “O Senhor dos Anéis” ser tão diferente e interessante para tantas gerações de fãs.

Publicado originalmente em The Daily Signal.

Tradução de Gisele Eberspächer
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