No último mês de janeiro, as companhias aéreas chamadas de baixo custo (low cost) decidiram limitar a bagagem de mão em uma peça de até 10 kg, cobrando uma taxa extra pelo excedente. Essa, porém, não é a primeira vez que a cobrança de bagagens ganha espaço no debate público. Cinco meses após aprovar a cobrança em voos domésticos, os deputados querem rever a situação. A justificativa é que as passagens no Brasil “continuam caras”.
Mas os problemas do setor aéreo brasileiro vão além. Com uma forte concentração de mercado, apenas três companhias aéreas — Gol, Latam e Azul — detém 99,6% do mercado nacional. Os dados fazem parte do relatório Demanda e Oferta do Transporte Aéreo, divulgado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Pouco mais de um ano após a chegada das primeiras companhias aéreas internacionais de baixo custo no Brasil, algumas delas já dão sinais de que podem não permanecer por muito tempo. Elas apontam que alguns custos de operação, como combustível e taxa de embarque, dificultam a competitividade no país.
Assim, no momento em que o governo debate formas de melhorar o ambiente de negócios, as atuações das agências regulamentadoras auxiliam na concentração dos setores, como o aéreo.
O papel das agências reguladoras
Alguns setores, como o aéreo e o de telecomunicações, apresentam naturalmente, baixa concorrência. No jargão econômico, esse fenômeno é conhecido como oligopólio.
A teoria econômica moderna compreende que medidas pontuais do Estado podem corrigir pequenas “falhas de mercado”. O prêmio Nobel de Economia de 2014, Jean Tirole, contribui nesse sentido.
Em sua pesquisa, Tirole mostrou como funciona a regulação em diferentes setores da economia, bem como se dá a competição saudável, principalmente em oligopólios.
Segundo os estudos do Nobel, não há soluções simples de regulação e de política de concorrência e as mais adequadas variam de um mercado para outro. O principal resultado, então, é que o governo tenha uma estrutura que considere o risco das empresas reguladas esconderem informações do regulador.
No Brasil, contudo, as agências reguladoras, que deveriam ser horizontais, isto é, não deveriam distorcer o mercado, viraram cabides de emprego e a maioria de seus dirigentes vem de indicações políticas.
Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os diretores das agências são, na sua maioria, funcionários públicos provenientes já da alta gerência pública das agências ou da administração federal.
Ou seja, os cargos nas agências viraram moeda de troca entre o Poder Executivo e os partidos políticos da base aliada do momento. Os cargos diretivos deveriam ser preenchidos com nomeações técnicas, mas na prática são loteados com pessoas filiadas e indicadas por partidos.
O relatório também encontrou “um alto nível de vacância” nas diretorias das agências, situações que afetam a autonomia dos órgãos. Além disso, em períodos prolongados sem representantes nos cargos, as diretorias não conseguem tomar decisões.
O relatório conclui que é preciso garantir que normas reguladoras não mudem ao sabor de interesses políticos ou de qualquer outra natureza.
O Estado brasileiro contra a livre concorrência
Com estruturas de regulamentação distorcidas, a atuação das agências proporciona a criação de cartéis.
Como há probabilidade de ocorrer “captura regulatória” por quem deveria ser regulado ao longo do tempo, as regras favorecem a formação de cartel porque as empresas influenciam nas regras da agência.
De acordo com a Teoria da Escolha Pública, a captura regulatória é uma das muitas possíveis “falhas de governo”. Nascido de medidas estatais para corrigir eventuais falhas do mercado, o órgão público acaba atuando para favorecer grupos de interesses que dominam a indústria ou o setor que a agência estaria encarregada de regular.
Na prática, “falhas de governo” como a captura regulatória são, muitas vezes, mais nocivas para a sociedade do que as próprias “falhas de mercado”, pois funcionam como uma transferência de renda para grupos específicos que têm poder político. Na ciência política o nome disso é rent-seeking.
Barreiras
O setor de telecomunicações brasileiro é outro exemplo. Vivo, Tim, Oi e Claro detém, juntas, 98,8% do mercado. A despeito dos altos custos de entrada para novas empresas, o governo é responsável por aumentar consideravelmente as barreiras.
Para obter autorização para prestação de serviços de “Comunicação Multimídia”, por exemplo, as empresas precisam atender a uma série de critérios, entre eles a criação de call centers para atendimento e reclamação 24 horas por dia e a vedação de que ele seja terceirizado. A informação é da própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Em junho de 2019, a Anatel se envolveu em outra decisão controversa. Na ocasião, a agência proibiu a FOX de disponibilizar conteúdo ao vivo de seus canais pela Internet ao ser contestada por empresas concorrentes. As transmissões seriam feitas pelo serviço de streaming Fox+.
Outra área em que a atuação da agência reguladora prejudica o mercado é a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ela foi criada juntamente com a Lei dos Planos e Seguros de Saúde, de 1998, que estabelecia critérios mínimos para a atuação das operadoras do setor. Na prática, as imposições refletiram na criação de barreiras de mercado.
À época, a pesquisadora Mariângela Sarrubbo apontou que, ao enrijecer as relações de consumo, a legislação “aprisionaria os consumidores” e “tornaria o setor obsoleto” ao restringir a liberdade de estipular produtos diferenciados e personalizados para a necessidade de cada consumidor. Como resultado desse cerceamento da livre concorrência, ela apontou que o resultado seria o setor “tender naturalmente à oligopolização”.
Prova disso é que, segundo a ANS, em dezembro de 2019 havia 1.007 operadoras de plano de saúde no país - um terço a menos do que em dezembro de 2009 e bem menos do que em 2000, quando 3.577 operadoras de plano de saúde atuavam no Brasil. Além disso, apenas 12% delas concentram mais de 80% dos usuários.
Brasil tem a pior regulação do mundo
Para o professor de direito empresarial André Luiz Santa Cruz Ramos, as privatizações brasileiras nos anos 1990 não significaram uma verdadeira desestatização. “Foram criadas agências reguladoras para os setores privatizados. Isso fez com que saíssemos de um monopólio estatal para monopólios, duopólios e oligopólios privados, exatamente o oposto do que se esperava com a criação delas”.
Para ele, é preciso diminuir a regulação e a intervenção nesses mercados para que eles possam operar em um ambiente de maior concorrência a fim de que os consumidores tenham produtos melhores, preços menores e inovação constante.
Ramos acredita que é necessário uma “efetiva advocacia da concorrência” por parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). “O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) precisam ser mais atuantes quando a violação à concorrência parte do próprio Estado”, diz.
Lei da liberdade econômica
Também é de se ressaltar a importância da regulamentação do art. 4 da Lei da Liberdade Econômica, que permitirá um controle da inflação regulatória e a punição do abuso regulatório.
De acordo com o Global Competitiveness Report 2019, no quesito ônus da regulamentação governamental, o Brasil ocupa a 141.ª colocação entre 141 países. Ou seja, em uma atribuição que diz respeito sobretudo às agências reguladoras, o Brasil tem a regulação mais danosa ao ambiente de negócios do mundo.
A saída para Ramos é regulamentar menos. “Quando se trata de regulamentar o mercado, a primeira opção a ser considerada pelo regulador é sempre a 'regulamentação zero'. Depois, quando for realmente necessário regular, é preciso fazê-lo observando as melhores práticas internacionais, com base em evidências, e adotando procedimentos como a análise de impacto regulatório – algo já previsto na legislação a partir da Lei da Liberdade Econômica”, conclui.
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