Donald Trump entrou para o Twitter em maio de 2009. Desde então, publicou mais de 48 mil posts. No dia 26 de maio de 2020, pela primeira vez, um post do atual presidente americano foi submetido a um alerta informando que as informações contidas ali não eram confiáveis. Horas depois, também via Twitter, Trump prometeu reagir e ameaçou fechar todas as redes sociais. O presidente americano já havia acusado as empresas de tecnologia em dezembro, quando mais de 300 vídeos em apoio a ele foram excluídos do YouTube.
No dia 29 de março, posts do presidente brasileiro Jair Bolsonaro foram apagados, primeiro no Twitter, depois no Facebook e no Instagram, sob a alegação de que estimulavam comportamento irresponsável durante a pandemia. Em 16 de junho, o Google anunciou que estava banindo da ferramenta de busca o site Zero Hedge e ameaçou fazer o mesmo com outra página, The Federalist, em função dos comentários racistas que acompanhavam alguns dos artigos. A página The Federalist foi mantida, mas acusa o Google de implementar ações de desmonetização – a empresa nega.
Os episódios reforçam uma crítica recorrente de lideranças, pensadores e grupos conservadores: o de que as redes sociais valorizam conteúdo de esquerda e desestimulam o acesso a posts e páginas de direita. Os senadores americanos Ted Cruz e Josh Hawley já solicitaram uma investigação a respeito das motivações ideológicas de Twitter, Facebook e Google. A acusação faz sentido? As grandes empresas de tecnologia, com todo seu poder de disseminar informação e formar opinião, estariam minando o debate democrático?
“Checagem seletiva”
“Sim, existe um direcionamento contra os conservadores”, afirma o cientista político Richard Hanania, professor do Saltzman Institute of War and Peace Studies, da Universidade Columbia, que pesquisa especificamente o Twitter. “Muitos apoiadores de Trump foram chutados para fora de redes sociais, como Alex Jones, Milo Yiannopolous e Gavin McInnes”, prossegue ele, citando os casos de porta-vozes de grupos de direita que foram permanentemente banidos em redes sociais. “Por outro lado, quase não existem progressistas conhecidos que tenham sido removidos do Twitter”.
A checagem de dados também parece seletiva, explica Richard Hanania. “Trump já foi submetido à checagem, enquanto que afirmações falsas de políticos progressistas não foram. Por exemplo, muitos democratas escreveram sobre como Michael Brown foi ‘assassinado’ por um policial, apesar de a administração Obama ter investigado o caso e concluído que o agente estava agindo em autodefesa”.
De fato, apesar das repetidas referências de que a morte de Michael Brown, em 2014, teria sido resultado de um homicídio, no ano seguinte o Departamento de Justiça americano concluiu que o policial agiu em legítima defesa.
“Todos os políticos são ocasionalmente desonestos e têm apoiadores que se comportam mal, mas apenas um lado é banido, estigmatizado ou punido com checagem de fatos”, afirma o professor. Em uma de suas pesquisas sobre o tema, ele concluiu que, de 22 pessoas de reconhecida atuação política cujas contas no Twitter foram suspensas, 21 eram apoiadoras de Trump.
Doações e ataques
“Jack Dorsey, CEO do Twitter, já admitiu que as pessoas em sua companhia são majoritariamente de esquerda, mas ele diz que todos são responsáveis em não deixar seus pontos de vista influenciar a política de conteúdo”, prossegue Richard Hanania. Em 2019, os funcionários das grandes empresas de tecnologia doaram um total de US$ 491.672,00 para o então pré-candidato democrata Bernie Sanders, e mais US$ 421.514,00 para a então concorrente Elizabeth Warren. “Do que sabemos da psicologia, no entanto, podemos concluir que as pessoas não são boas em deixar de lado seus próprios pontos de vista ideológicos”, afirma o pesquisador.
“O Twitter criou um comitê para investigar e decidir quais posts são falsos e quais são permitidos, e seu chefe tem um longo histórico em retratar o presidente Trump, em sua conta pessoal no microblog, como nazista”, afirma o economista Nicola Kedhi em artigo sobre o tema. Ele faz referência ao chefe de integridade da empresa, Yoel Roth, conhecido crítico do presidente americano.
Em novembro passado, o jornal Wall Street Journal divulgou uma reportagem, resultado de mais de cem entrevistas e semanas testando os mecanismos de busca do Google, que indica que não só a busca é enviesada politicamente, como o mecanismo de preenchimento automático também induz para conteúdos progressistas. “O Google tem aumentando o grau de interferência nos resultados de buscas, num nível muito mais alto do que a companhia e seus executivos admitem”, informa a reportagem.
Como funcionaria essa perseguição? Com o pretexto de reduzir o alcance de mensagens de fake news, muitos posts são eliminados e contas, suspensas ou eliminadas. Além disso, dizem grupos conservadores, haveria também a prática do shadowban, o hábito de esconder conteúdo dos demais usuários. “Essa é uma acusação difícil de comprovar”, afirma o professor da Universidade Columbia. As empresas negam realizar essa prática.
Normas de conduta
Procurado pela reportagem, o Twitter não se manifestou. Em seus comunicados oficiais, tem defendido a prática de notificar os usuários do microblog a respeito da veracidade das informações veiculadas nos posts.
Já o Facebook (que também é dona do Instagram) se manifestou, prestando informações via assessoria de imprensa. A empresa informou que prevê, em sua política de uso da rede social, três formas de punição. A primeira é a remoção de posts, seja porque eles violam os padrões – nudez, por exemplo, não é permitida – ou porque as informações veiculadas são falsas e colocam em risco a saúde alheia.
A segunda forma de punir é reduzir o alcance: o Facebook mantém parceria com agências verificadoras de fatos. Quando o post contém informações consideradas falsas ele perde relevância no feed e não pode ser impulsionado. Se mesmo assim outros usuários o encontrarem, receberão um alerta. O resultado é que 95% dos usuários não abrem o link da notícia quando são informados de que o conteúdo foi considerado inconsistente. Outra estratégia utilizada pela companhia é informar contexto: por exemplo, quando a notícia veiculada tiver mais de 90 dias, o usuário receberá um aviso antes de clicar no link.
A empresa também informou que, no mês de abril, exibiu avisos em cerca de 50 milhões de conteúdos relacionadas ao novo coronavírus, com base em cerca de 7.500 artigos dos nossos parceiros independentes de verificação de fatos. Nos próximos meses, serão lançadas outras ferramentas que fornecerão informações sobre o contexto em que a notícia compartilhada foi produzida.
Esforço de checagem
O Google, que detém o Youtube, também se manifestou via assessoria de comunicação. A empresa se considera uma plataforma neutra e aberta, a quem não cabe julgar a veracidade dos fatos. Mas a empresa mantém parcerias com agências verificadoras, e os conteúdos checados e considerados corretos têm maior destaque na busca.
Em média, 93% dos vídeos que aparecem nos dez primeiros lugares da busca do Youtube são considerados confiáveis. A companhia também afirma que, desde janeiro de 2019, dezenas de mudanças na ferramenta de busca foram implementadas, no sentido de reduzir o alcance de informações incorretas.
Tanto Google quanto Facebook negam que exista um filtro ideológico para suas ações.
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