A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) definiu na última terça-feira (23) o reajuste máximo dos planos de saúde individuais: 7,35%. Enquanto isso, o aumento de planos coletivos empresariais, cujos preços não são regulados pela agência, chega a até 20%. Não à toa, muitas pessoas defendem que haja maior regulamentação em relação aos planos empresariais.
Segundo o professor do Instituto de Ciências Sociais do Paraná Luiz Fernando Vendramini, historicamente os índices de reajuste autorizados estão desatrelados de critérios técnicos e são menores do que a inflação de serviços médicos. Assim, a maioria das operadoras parou de oferecer a modalidade individual, concentrando-se nos contratos empresariais que dominam 80% do mercado.
O presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) João Alceu Amoroso Lima concorda. “As operadoras de planos de saúde precisam ter garantias de que a carteira de planos individuais permanecerá solvente e economicamente viável ao longo do tempo”, diz. Para ele, o controle de preços praticado pela agência reguladora tornou a oferta de um plano de saúde privado um negócio arriscado.
Um fator complicador é a judicialização da saúde, isto é, quando os segurados entram com ações na justiça para obterem a realização de exames e procedimentos cirúrgicos que foram negados administrativamente. Entre janeiro e setembro de 2018, foram recebidos pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) mais de dez mil processos envolvendo operadoras e segurados. Apenas o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — um dos tribunais de segunda instância — julgou 25,1 mil casos de divergências entre operadoras de saúde e segurados. Isto é, quase 70 processos por dia. De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde, em 2017 as operadoras gastaram R$ 1,6 bilhão no cumprimento de decisões judiciais em processos favoráveis aos segurados.
Embora possa haver processos nos quais a recusa administrativa da operadora configura violação do que foi contratado, boa parte desses processos desconsidera as cláusulas contratuais para dar ganho de causa aos segurados.
Incertezas e custos adicionais
Segundo o estudo “Judicialização da saúde no Brasil — Dados e experiências", do Conselho Nacional de Justiça, os dados mostram que os juízes tendem a deferir pedidos liminares antes mesmo de pedir informações complementares.
Além disso, o que foi decidido na liminar acaba sendo confirmado ao final do processo, mesmo quando há recursos sendo julgados em segundo grau. Essas decisões desconsideram o impacto econômico nas operadoras, gerando incertezas, inseguranças e custos adicionais.
Isso significa que o Poder Judiciário não está amparando suas decisões com base em questões contratuais, mas “em razões humanitárias que tendem a proteger o consumidor supostamente desamparado, formando-se, assim, uma jurisprudência sentimental”, como afirma a pesquisadora e doutora em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Tatiana Druck.
Além disso, a cada dois anos a ANS aumenta a cobertura mínima obrigatória de serviços e procedimentos que as operadoras de plano de saúde precisam oferecer, encarecendo a atividade. Atualmente, para que uma operadora de saúde possa funcionar ela tem de oferecer mais de 3 mil procedimentos obrigatórios.
Como funciona em outros países?
Em praticamente todos os países há alguma forma de controle de preços nos serviços de saúde privada, mas não como a ANS faz no Brasil. A avaliação é de Davi Lyra Leite, doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade do Sul da Califórnia e especialista em políticas públicas de saúde.
“Há duas formas de intervenção comum: a definição mínima de que as pessoas têm que gastar pelo menos um valor “X” de sua renda em saúde. A outra é definir quanto ou como os preços vão ser ajustados no mercado via agência reguladora”, explica.
“Na Suíça, por exemplo, o país define que o segurado precisa gastar algo entre 8% e 10% da sua renda com serviços de saúde, então os suíços são obrigados a contratar um plano dentro de uma cartela aprovada pelo governo, mas há uma competição muito grande de serviços entre os provedores", afirma Leite. "O sistema alemão é semelhante, mas entre os principais atores do mercado há um plano de saúde estatal que, subsidiado, acaba forçando o preço dos agentes privados para baixo”, explica.
Lyra Leite ainda cita o exemplo do Japão, onde "há muitas clínicas independentes, além dos hospitais, e a competição também leva os preços pra baixo. Mas lá há uma autarquia que parcialmente regula os preços."
Para Davi, há uma estrutura perversa na ANS que obriga as operadoras a oferecerem um pacote mínimo de serviços e, ao mesmo tempo, controla os preços dos planos individuais. O resultado disso é que quase 70% dos brasileiros não têm plano de saúde, segundo pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), e são completamente dependentes do Sistema Único de Saúde.
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