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No final de outubro, o mundo (ou boa parte dele) se impressionou com as imagens gravadas durante uma manifestação pró-Palestina realizada na Universidade Cooper Union, em Nova York. Hostilizados pelos próprios colegas, estudantes de origem judaica precisaram se proteger na biblioteca do campus, com receio de que o protesto ganhasse contornos mais violentos.
Mas não se tratou de um caso isolado. Situações semelhantes têm sido registradas em outras instituições de ensino superior dos Estados Unidos desde os ataques do Hamas a Israel – e preocupam a administração do presidente Joe Biden.
Na Universidade de Cornell, alunos chamaram a atenção para a publicação de mensagens anônimas, em um fórum virtual, que incitavam o estupro e o assassinato de judeus. Em Columbia, duas associações estudantis solidárias aos palestinos receberam suspensões por fazer discursos “ameaçadores e intimidatórios”.
Na Georgia Tech, uma faixa em apoio a Israel, pendurada na varanda de uma fraternidade, foi rasurada com mensagens a favor do Hamas. Em Stanford, um professor pediu para alunos israelenses ficaram de pé no canto da sala de aula enquanto ele comentava o conflito no Oriente Médio.
E mesmo a prestigiada Harvard, presente no imaginário coletivo como sinônimo de excelência, ganhou o noticiário por causa de uma carta, assinada por 34 organizações estudantis, que responsabiliza Israel pela guerra. "A violência israelense estruturou cada aspecto da existência palestina por 75 anos. Desde apreensões sistemáticas de terras até ataques aéreos de rotina, passando por detenções arbitrárias e postos de controle militares", diz o texto.
Diante de tantas denúncias (a lista conta com vários outros incidentes), o governo dos EUA iniciou, na semana passada, uma série de investigações sobre o antissemitismo nas universidades. Sim, “antissemitismo” é o termo usado pelas autoridades norte-americanas – e não “antissionismo”, adotado muitas vezes como um eufemismo por uma ala da imprensa, da academia e da classe política no Brasil.
Segundo o Departamento de Educação, a primeira rodada de apurações (que também abrange casos de islamofobia, porém em número bem menor) acontece em sete instituições de todo o país. A ação ainda inclui visitas do próprio secretário da pasta, Miguel Cardona, aos campi e a promoção de debates e palestras.
“As universidades devem atuar para garantir contornos educativos seguros e inclusivos, onde todos sejam livres para aprender e os estudantes estejam protegidos da discriminação. O ódio não tem lugar em nossas instituições, ponto”, afirmou o secretário, em nota enviada à imprensa.
A exemplo de outras figuras públicas, Cardona também disse estar “horrorizado” com a nova onda de perseguição aos judeus nos campi. Mas, para as entidades que combatem o antissemitismo, tudo não passa de jogo de cena. Segundo esses grupos, não foi por falta de aviso que a situação chegou no ponto atual.
“O clima tem piorados nos últimos dias. No entanto, o ambiente nas instituições de ensino superior para os estudantes judeus tem se deteriorado há vários anos, devido ao aumento irrestrito do antissemitismo e da demonização de Israel nos campi”, afirmou, em entrevista ao jornal Washington Post, Adam Lehman, presidente da organização Hillel International, que representa jovens de origem judaica em vários países e costuma divulgar alertas com relação a atos antissemitas em universidades e escolas.
Marxismo cultural, identitarismo e “monocultura ideológica” dominam o ambiente universitário
De acordo com um relatório divulgado em março pela Liga Antidifamação – entidade de direitos civis fundada em 1813 e que publica relatórios anuais sobre casos de antissemitismo nos EUA –, as ocorrências do gênero atingiram em 2022 o nível mais alto desde o primeiro levantamento realizado pela ONG, em 1979. Cerca de 3,7 mil incidentes relacionados a agressões, vandalismo e assédio foram registrados no país (um aumento de mais de um terço na comparação com os números de 2021).
Mas quem pensaria que esse clima de hostilidade chegaria também às universidades – espaços, pelo menos em tese, marcados pela tolerância e o respeito?
Para as organizações e especialistas atentos à ascensão das ideias antissemitas nos Estados Unidos, vários elementos contribuíram para a composição do cenário atual. Da popularização do pensamento marxista à distorção do conceito de justiça social, passando inclusive pelo financiamento de programas e bolsas por parte de grupos anti-Israel.
Nessa busca por “culpados”, sobra até para o educador de esquerda brasileiro Paulo Freire (1921-1997), referência constante no mundo acadêmico. Em um artigo publicado originalmente no site da Fox News, os pesquisadores Lindsey Burke e Mike Gonzales (ligados à fundação Heritage, de viés conservador) comentam a disseminação do marxismo cultural nas instituições americanas e citam a influência de Freire.
“A visão de mundo opressor-oprimido que retrata Israel democrático como o opressor e os terroristas palestinos como os oprimidos, tão prevalente nos campi, é puramente marxista”, afirmam. E completam dizendo que, não à toa, “a Pedagogia do Oprimido, tratado marxista do escritor Paulo Freire, alcançou um status quase icônico nos programas de formação de professores dos Estados Unidos”.
A cruzada contra o liberalismo econômico e a favor do identitarismo encampada por muitos docentes também é um combustível que move o antissemitismo, segundo Joshua Michael, professor de Teoria Política da Universidade de Georgetown.
“De acordo com os princípios básicos do liberalismo, a liberdade econômica dever ser protegida e o poder, descentralizado. Mas, para os marxistas, desde que você esteja do lado dos oprimidos, o poder político e econômico que você pode acumular não tem limite”, diz Michael, em um texto escrito para o site City Journal.
Para ele, as políticas identitárias avaliam os indivíduos com base na transgressão ou na inocência de seus antepassados. “Você é membro de um grupo de vítimas inocentes ou de um grupo transgressor? É isso que estão perguntando aos nossos estudantes nos campi atualmente. Se você faz parte do segundo grupo, pode buscar a purificação por meio de programas de DEI (diversidade, equidade e inclusão). Então receberá o seu diploma, que não confirma sua competência, mas, sim, sua pureza moral”, diz referindo-se aos jovens brancos e “privilegiados” que apoiam os ataques a Israel.
Liel Leibovitz, jornalista israelense radicado nos EUA e editor da revista de cultura judaica Tablet, afirma que, para os universitários de hoje em dia, é válido praticar atos de vandalismo e violência “desde que você esteja agindo em nome da justiça social”. Essa concepção, segundo ele, é alimentada por instituições de ensino que não se comprometem com a livre troca de ideias e permitem a promoção de uma única visão de mundo.
É a chamada “monocultura ideológica”, comprovada por pesquisas realizadas em alguns dos mais importantes campi dos EUA. Um estudo recente publicado pelo jornal The Crimson, editado em Harvard, aponta que 77,1% dos professores da Faculdade de Artes e Ciências da instituição se posicionam à esquerda no espectro político. Outros 20% se identificam como moderados. E apenas 2,9% são conservadores.
O Crimson ainda perguntou aos entrevistados se eles apoiam o aumento da diversidade política na universidade por meio da contratação de mais docentes com tendências à direita – e somente 23,1% disseram que sim.
Outro levantamento, desenvolvido em outubro pela Universidade de Chicago, mostra que apenas 20% dos adultos norte-americanos acreditam que os conservadores podem falar livremente nos campi do país. Segundo a mesma pesquisa, somente 27% dos participantes afirmaram que as instituições proporcionam um ambiente inclusivo para as pessoas de direita.
As universidades, por sua vez, defendem seu compromisso com a livre de expressão. “Essa liberdade se estende até mesmo a pontos de vista que muitos de nós consideramos abjetos e ultrajantes. Não sancionamos ou punimos pessoas por expressarem tais pontos de vista”, disse a presidente de Harvard, Claudine Gay, após ser duramente criticada por não condenar a carta emitida por alunos que culpam Israel pela guerra.
Em reação a esse tipo de posicionamento, o Departamento de Educação enviou um comunicado oficial para todas as universidade e escolas do país com um lembrete – “O assédio que cria ambientes hostis deve ser respondido com medidas imediatas e apropriadas”.
Ou seja: o direito de se manifestar é garantido, mas situações de tensão como a registrada em Cooper Union são totalmente inaceitáveis.
Doações de países do Oriente Médio podem incentivar postura anti-Israel
O bordão “Siga o dinheiro” também é fundamental para compreender a origem do antissemitismo entre os estudantes norte-americanos. Segundo organizações dedicadas à transparência nas universidades, entre 2014 e 2020, as doações feitas por países do Oriente Médio para instituições de ensino superior dos EUA representaram 29% de todo o financiamento estrangeiro.
Nações de maioria islâmica doaram, juntas, US$ 4,86 bilhões (R$ 23,8 bilhões, na cotação atual). A maioria dos recursos veio do Catar, notório por suas alianças com o Irã e grupos terroristas como o Hamas e a Irmandade Muçulmana. Por outro lado, Israel destinou US$ 123 milhões (R$ 601,4 milhões) aos campi dos EUA no mesmo período.
“Ainda é cedo para fazer uma conexão direta entre a agitação anti-Israel em uma instituição e as doações que ela recebe de países do Oriente Médio. Mas algumas das maiores beneficiárias – como Cornell, Harvard e Georgetown – possuem vários grupos apoiadores do Hamas”, afirmam os pesquisadores Joe Kotkin e Marshall Toplansky, ambos da Universidade Chapman, na Califórnia, em outro artigo publicado no City Journal.
Os dois ainda destacam o aumento, na última década, do número de estudantes muçulmanos matriculados no país (muitos deles mantidos por governos árabes). “Esses alunos são frequentemente acompanhados por professores de estudos do Oriente Médio que, muitas vezes, têm visões anti-Israel e antiamericanas”, dizem.
Indignados com os fatos recentes, grandes doadores americanos estão cortando ou revendo suas relações com algumas das maiores instituições de ensino superior dos Estados Unidos.
Entre eles filantropos bilionários como Lex Wexner, Idan Ofer, Mark Rowan, Bill Ackman, John e Ronald Lauder. Este último, um dos principais financiadores da Universidade da Pensilvânia (UPenn), revoltou-se com a realização de um festival de literatura palestina cuja lista de convidados incluiu palestrantes conhecidos por fazer declarações públicas de cunho antissemita.
Em uma carta endereçada à presidente da UPenn, Liz Magill, o herdeiro da empresa de cosméticos Esteé Lauder avisa: “Você está me forçando a reexaminar meu apoio financeiro na ausência de medidas satisfatórias para enfrentar o antissemitismo”. Segundo ele, o evento “colocou uma mancha profunda na reputação da universidade, que levará muito tempo para ser reparada”.