A perseguição ao povo judeu ao longo dos séculos muitas vezes encontrou respaldo em interpretações distorcidas do cristianismo. Essa é a tese defendida pelo pesquisador Igor Sabino em “Jesus, um Judeu” (editora Mundo Cristão), livro em que ele analisa como o antissemitismo, um dos preconceitos mais antigos da História, continua a se manifestar, inclusive em círculos cristãos.
Doutor em Ciência Política e especialista no conflito entre Israel e Palestina, Sabino propõe uma releitura das relações entre cristãos e judeus, destacando o impacto das perseguições religiosas e as consequências teológicas de leituras equivocadas da Bíblia.
No trecho a seguir, o autor desmonta o mito do "Jesus palestino" e mostra como ativistas pró-Palestina associam os judeus à crucificação.
Como ressalta Amy Jill-Levine [escritora e professora de estudos bíblicos] em seu importante livro The Misunderstood Jew [“O Judeu Incompreendido”], qualquer tentativa de separar Jesus e seus primeiros seguidores de sua identidade judaica, associando-os com a população palestina e aplicando o termo “judeu” para aqueles que crucificaram Jesus e perseguiram a igreja, é algo historicamente insustentável — além de ser também uma aberração do ponto de vista teológico.
Nesse aspecto, a autora destaca algumas falas do palestino Naim Ateek [teólogo e clérigo anglicano] em 2001. Em um sermão proferido na Universidade de Notre Dame, intitulado “A ideologia sionista de dominação versus o reino de Deus”, ele comparou as políticas israelenses em relação aos palestinos com a pedra colocada no túmulo de Jesus.
No mesmo ano, na Páscoa, Ateek chegou a comparar a crucificação de Jesus com o sofrimento dos palestinos, afirmando que “o sistema israelense de crucificação” operava diariamente.
Para Levine, o problema dessas falas não está no fato de que elas destacam o sofrimento dos palestinos, o que é real, mas, sim, em seu intuito de separar Jesus de seu judaísmo, além de usar a história da Paixão para condenar todos os judeus. Segundo ela, isso não é uma mensagem “cristã”, mas um antissemitismo disfarçado para descrever Israel como o país que assassinou o Filho de Deus.
A questão, portanto, não é a legitimidade da causa palestina, tampouco suas demandas por um Estado nacional, mas sim os meios utilizados para alcançá-los.
Concordo plenamente com a autora. Nos últimos anos é possível observar uma tentativa grotesca de ativistas pró-Palestina de se apropriar da identidade de Jesus para fins políticos — uma estratégia semelhante à dos nazistas, que buscaram criar um Jesus ariano.
Ressalto, porém, que não estou comparando os teólogos nazistas com os teólogos palestinos da libertação, até porque muitos deles não negam que Jesus foi um judeu, apesar de buscar retratá-lo como palestino, uma estratégia cada vez mais comum para atacar Israel e, por conseguinte, promover o antissemitismo.
Praticamente todos os anos, quando vai se aproximando o período do Advento e do Natal, os ativistas pró-Palestina começam a inundar as redes sociais com imagens de Maria e José impedidos de entrar em Belém, hoje parte da Cisjordânia. As artes geralmente mostram o muro que hoje separa o território palestino de Israel, bem como soldados israelenses armados.
A mensagem é clara: Jesus é um refugiado palestino e, em virtude do conflito, caso nascesse hoje, seus pais não teriam como entrar em Belém, visto que a cidade estaria debaixo de domínio estrangeiro.
Um dos principais textos utilizados para afirmar que Jesus é um refugiado é Mateus 2, que mostra José e Maria fugindo para o Egito, logo após o nascimento da criança. Porém, em momento algum a narrativa bíblica menciona o termo “Palestina”.
Muito pelo contrário, o Evangelista deixa claro que Belém fazia parte do território de Israel:
Quando Herodes morreu, um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito. “Levante-se”, disse o anjo. “Leve o menino e a mãe de volta para a terra de Israel, pois já morreram os que tentavam matar o menino.” Então José se levantou e se preparou para voltar à terra de Israel com o menino e sua mãe. (Mateus 2.19-21)
Portanto, se adotarmos o anacronismo a fim de situar Jesus no atual conflito entre palestinos e israelenses, é possível afirmar que, se nascesse hoje, seus pais realmente seriam impedidos de chegar a Belém, mas não por causa das forças de Israel.
José e Maria, por serem cidadãos israelenses, seriam proibidos de entrar na cidade, pois hoje ela é governada pela Autoridade Palestina. Caso desobedecessem às regras, correriam o risco de serem sequestrados ou hostilizados pela população local, como já aconteceu com turistas que entraram por engano em território palestino em um carro com placa israelense.
Apesar disso, é muito comum que ativistas e políticos pró-Palestina insistam na ideia historicamente inconsistente segundo a qual Jesus era um palestino. Um exemplo disso é a controversa congressista norte-americana Ilhan Omar, do Partido Democrata.
De origem somali, ela é a primeira mulher refugiada e muçulmana a ocupar um cargo legislativo nos Estados Unidos e já se envolveu em várias polêmicas antissemitas. Uma delas foi em abril de 2019, quando compartilhou no X um artigo do New York Times que insistia na ideia de que Jesus era palestino.
Como lembrou o ativista David Parsons em um artigo para o The Jerusalem Post, esse pode até parecer um erro inocente, mas na verdade há todo um histórico de esforço sistemático a fim de atrair simpatia para a causa palestina usando a figura de Jesus.
O papel de Yasser Araft
A origem dessa estratégia remonta à década de 1970 com o líder da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat. Em uma conferência realizada em Amã, na Jordânia, em 1970, ele foi fotografado próximo a uma imagem de um palestino seminu crucificado em uma estrela de Davi, uma imagem que Arafat explorou à exaustão em seus discursos.
Em uma coletiva de imprensa na ONU, em 1983, Arafat afirmou que Jesus foi o primeiro guerrilheiro palestino a carregar sua espada. Depois, em 1995, ao assumir o controle de Jerusalém, afirmou estar libertando a cidade do nascimento do Messias, o palestino Jesus.
A tentativa de apagar a judaicidade de Jesus por Arafat era algo tão forte que, ao se encontrar com o Papa João Paulo II, no Vaticano, ele descreveu o pontífice como o sucessor de Pedro, o primeiro papa palestino.
Essa tendência, infelizmente, passou a ser reproduzida por outros líderes da Autoridade Nacional Palestina, como Mahmoud Abbas, que sucedeu Arafat. Abbas descreveu Jesus como um mensageiro palestino de amor, justiça e paz.
Outro líder proeminente do governo palestino, Saeb Erekat, chegou a afirmar que Jesus foi o primeiro mártir palestino. Tudo isso, contudo, não passa de uma distorção histórica e da repetição do libelo antijudaico de que os judeus são culpados pela morte de Cristo.
Esse estereótipo também é presente no Brasil, como mostra uma publicação do Monitor do Oriente (Memo), um site que constantemente produz conteúdo antissemita e contra Israel. Em fevereiro de 2023, eles postaram uma charge na qual um Jesus crucificado, vestindo no pescoço a keffiyeh, o tradicional lenço que se tornou símbolo da luta nacional palestina, chutava um judeu que tentava martelar um prego em seu pé.
A ideia por trás do desenho é clara: Jesus é palestino e está sendo crucificado outra vez pelos judeus.
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