Condenado duas vezes por comentários envolvendo figuras relativamente importantes no Piauí, o comediante Bob Nunes desistiu das piadas políticas.| Foto: Reprodução/ Instagram

O humorista Elson Nunes dos Santos, 28, conhecido como Bob Nunes, sente na pele a falta de liberdade de expressão que há no Brasil. Ele sofreu duas condenações na esfera cível por piadas, críticas e ironias publicadas em suas contas de rede social. A perseguição o fez abandonar os palcos.

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Além de fazer comédia stand up e criar personagens e esquetes, Bob se notabilizou por fazer humor político, sobretudo em seu estado, o Piauí. Criador da página Teresina Comedy News, além de piadas sobre o cotidiano piauiense, ele ironizava autoridades do estado e também fazia algumas críticas sociais. “Era uma forma de alerta”, diz o comediante.

“Eu ‘zoava’ muito a esquerda e isso incomodava pessoas importantes. Tanto o governo estadual, do PT, quanto a prefeitura da capital, do PSDB. As administrações deles eram meus principais alvos”, conta.

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“Excesso” de liberdade de expressão

Em junho deste ano, contudo, Nunes foi condenado por criticar a política e professora Fabíola Lemos. Candidata a deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 2018, ela obteve pouco menos de 8 mil votos. Passada a campanha, em novembro o comediante compartilhou um vídeo em que Lemos aparece lecionando em sala de aula.

"Atenção pais, muito cuidado com quem seus filhos estão lidando dentro da sala de aula. Há professores e há doutrinadores. Gente que não suporta o divergente, não respeita o pensamento contrário e vende sua verdade como única”, disse Nunes na ocasião. “Nunca é demais lembrar que essa galera naturaliza o uso de drogas e a banalização do sexo”, disse ele, para depois fazer piada da situação: “Isso é revisão ou show de stand up? Cuidado, alunos”.

Para sustentar a crítica, Bob compartilhou relatos de alunos de Fabíola Lemos. Um aluno disse que “a aula era mais voltada para o sexo e a vida dela do que o conteúdo propriamente dito”. Outro disse que “ela falava mais imoralidade dentro da sala de aula do que repassava o conteúdo da disciplina”.

Após o episódio, Fabíola foi demitida sem justa causa pela escola em que lecionava, fez boletim de ocorrência por crimes contra a honra e entrou com ação contra o humorista, pedindo indenização e retratação. Na sentença, a juíza Gláucia Mendes de Macedo escreveu que o comediante “não se ateve a publicar informações com fim de levantar o debate, mas sim expressando de forma pessoal suas impressões, atribuindo a requerente adjetivos e acusações ofensivas, maculando a reputação e imagem da autora que teve sua conduta desnecessariamente questionada pela sociedade e pelas escolas, considerando, in casu, tratar-se de professora".

A magistrada escreveu ainda que "observou-se a existência de comentários que denegriram e macularam a conduta de um Mestre dentro de sua sala de aula bem como colocaram em dúvida sua capacidade, desqualificando a imagem da mesma”.

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Para a julgadora do caso, o direito à liberdade de informação e de manifestação do pensamento “não constitui direito absoluto, podendo ser relativizado quando colidir com o direito à proteção da honra e à imagem dos indivíduos”.

Por fim, a juíza definiu a publicação como um “excesso praticado a pretexto de se exercer a liberdade de expressão” e o condenou a pagar uma indenização de R$ 5 mil. Bob Nunes está recorrendo da sentença.

Fabíola Nunes, por sua vez,  se pronunciou dizendo que não tolheu a liberdade de expressão de ninguém. “Houve vários crimes: fui injustiçada, injuriada e demitida de uma escola onde trabalhava há 5 anos. Como pessoa esclarecida que sou, não fiz nada além de acessar meus direitos”, afirmou.

Condenado ao criticar advogada

Em janeiro de 2019 a advogada Maria Elvina Lages criticou em seu Instagram “o tipo de humor” de Bob Nunes. “Humorista? Hahaha. Cara desse não para de passar vergonha. Pior ainda são os m$¨%$ que seguem ele. Só fica nessa piadinha até achar um que o processe mesmo valendo ou que dê uma boa lição nele. Ai pronto, vira vítima!"

Em resposta, Bob Nunes ironizou a advoganda em suas redes, marcando o perfil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): "Olá, @CFOAB, poderiam verificar o registro dessa pessoa?! Me parece ameaça física o ‘boa lição nele’ e isso é grave vindo de uma advogada, hein!? Aguardo resposta".

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Foi o suficiente para outra condenação de R$ 5 mil em abril. Na sentença, a juíza justificou a sentença argumentando que o nome e a imagem da advogada foram divulgados nas redes sociais de Bob e que ele “questionou publicamente sua qualificação profissional”.

Para a julgadora, houve "constrangimento moral e abalo em sua reputação profissional, decorrentes da exposição vexatória de seu nome, imagem e registro profissional".

Silêncio sobre a política piauiense

O humorista conta que num primeiro momento não desanimou de fazer denúncias sociais e criticar autoridades do Piauí. “Até me empenhei mais. Falei de vários outros políticos, mobilizei uma campanha para chamar a atenção para os venezuelanos que estavam nas ruas de Teresina”, diz.

Mas o desgaste e os prejuízos causados pelos processos finalmente o desanimaram. “Atualmente não faço mais conteúdo sobre os problemas do Piauí. Mudei o nome da página, que antes era ‘Teresina Comedy News’ para ‘Brasil Comedy News’. Muitos gostavam das minhas críticas, outros odiavam. Mas, depois de ameaça e processos, preferi deixar de frequentar lugares. Também não sou dos mais ricos, então não falo mais”, diz.

Depois de ser processado e condenado, Bob Nunes passou alguns meses em Brasília e agora mora em São Paulo.

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Comédia sob ataque

Bob Nunes não é o único comediante que já sofreu com processos judiciais. Em turnê desde 2016, o show "Bullying Arte", do comediante carioca Leonardo Borges Lins, o Léo Lins, teve problemas com autoridades políticas de mais de 20 cidades pelo país.

Já o humorista e apresentador Danilo Gentili foi condenado a 6 meses de detenção por injúria contra a deputada federal Maria do Rosário em abril de 2019.

Liberdade de expressão no Brasil preocupa organizações internacionais

A liberdade de expressão é má avaliada no Brasil. O relatório Freedom House, elaborado pela revista britânica The Economist, por exemplo, critica crimes contra a honra porque eles limitam a liberdade de manifestação. Relatórios como o da Organização Não Governamental Artigo 19 apontam que a liberdade de expressão no Brasil é ameaçada no espaço público, em manifestações e no ambiente online. A ONG afirma que a criminalização da calúnia, difamação e injúria fomenta a prática do ativismo judicial ao censurar declarações, matérias jornalísticas e protestos.

Já no ranking de Liberdade de Imprensa, elaborado pelo Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil aparece apenas na 105ª posição entre 180 países, o que deixa claro quão limitada é a liberdade de expressão por aqui.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]