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Como é viver nas cidades mais violentas e nas mais seguras do Brasil

 | Secom/ Governo de Santa Catarina
(Foto: Secom/ Governo de Santa Catarina)

Um novo relatório do Atlas da Violência 2018, publicado na semana passada, mostrou que a maioria dos homicídios no Brasil se concentra em poucas cidades, e que existe um abismo social, econômico e de infraestrutura separando as cidades mais violentas das menos violentas do país.

A vida dos moradores desses dois grupos de cidades pode ser muito diferente, não apenas em relação ao impacto da violência, mas também em outros aspectos, como o acesso à cultura, ao lazer e a oportunidades de trabalho. 

O documento mapeou as mortes violentas nos municípios brasileiros com mais de 100 mil residentes, e revelou diferenças extremas na comparação dos índices dos locais mais violentos e dos mais pacíficos. As diferenças estão principalmente no percentual de crianças pobres, no acesso à agua encanada e esgoto, e na proporção de jovens que trabalham ou estudam. 

Visão global e participação 

Segundo a publicação, a cidade mais segura do país é Brusque (SC), que tem taxa de 4,8 homicídios por cem mil habitantes. Outro município de Santa Catarina figura entre os dez mais pacíficos do país, Jaraguá do Sul, que está na terceira posição, com taxa de 5,4 homicídios por cem mil habitantes. 

“O grande diferencial de Brusque e Jaraguá do Sul é o envolvimento da comunidade, não só das pessoas como também das empresas, que dão atenção especial à segurança e a vários fatores sociais como educação e oportunidade de emprego, e isso contribui com a redução dos índices de violências”, destaca Alceu de Oliveira Pinto Júnior, secretário da Segurança Pública de Santa Catarina. 

O aposentado Wilson Bruno Hoffmann, que nasceu em Pomerode e é morador de Jaraguá do Sul há 40 anos, acha a cidade muito tranquila, e concorda que a parceria entre os setores público e privado colabora com esse cenário. “Existem incentivos por parte da indústria para formar o pessoal. Eles fornecem cursos profissionalizantes e envolvem as pessoas desde jovens”, diz. 

A cidade tem forte presença de fábricas dos setores têxtil e metal-mecânico. 

De fato, o acesso a boa educação e oportunidades no mercado de trabalho são apontados como fatores importantes para garantir a redução da criminalidade. 

“Todo mundo gosta de cuidar um pouquinho da cidade”, diz Emanuela Wolff, chefe de gabinete da Prefeitura de Jaraguá do Sul. Ela explica que a comunidade tem grande participação e interesse pelas decisões na cidade, e que o município procura dar uma visão global às suas questões. 

Sobre a infraestrutura de Jaraguá do Sul, Emanuela destaca boas escolas e escolas técnicas, postos de saúde e dois hospitais de referência e instituições de assistência social para encaminhar a população em situação de rua. “Existe um convênio com a Polícia Militar que ajuda muito. O município investe recursos na polícia para que ela se aparelhe melhor para cuidar da cidade”, conta. 

Não é só a polícia que cuida da cidade, os moradores de Jaraguá do Sul também se organizam para vigiar a vizinhança. “Existem grupos de vizinhos que monitoram a rua. Qualquer anormalidade, um vizinho se comunica com o outro, e também comunica a polícia”, diz Hoffmann. 

Como Jaraguá do Sul frequenta há tempos os lugares mais altos no ranking das cidades mais seguras do país, acaba atraindo muitas pessoas. As pessoas que se mudam acabam abraçando a cidade, diz Emanuela – que se mudou para Jaraguá vinte anos atrás, na época para trabalhar em chão de fábrica, e diz que não quer sair da cidade. 

“A gente diz que quem vem para Jaraguá tem que aprender com a cidade e entrar no esquema”, brinca Emanuela. O esquema, explica, é “trabalhar muito e gostar muito da cidade”. 

Novos e antigos moradores encontram diversidade de opções de lazer, cultura e esporte na cidade. Existem programas de bolsas que auxiliam com pequenos valores pessoas carentes que queiram fazer alguma atividade cultural, como o balé, e também bolsas para jovens que queiram praticar um esporte, explica a chefe de gabinete. 

Segundo Emanuela, a prefeitura promoveu mais de 300 eventos culturais e esportivos no ano passado. “Aqui se trabalha muito. Às vezes uma mãe trabalha no primeiro turno e o pai no segundo, por exemplo. Então essa família vai ficar junta apenas no fim de semana”, relata. Por isso, a cidade investe em eventos como campeonatos de futebol ou bocha, principalmente nos bairros. 

Migração do crime 

Na outra ponta do ranking, a cidade de Queimados, no Rio de Janeiro, tem a mais alta taxa de homicídios do país (134,9 homicídios por cem mil habitantes). 

Nascido e criado na cidade da Baixada Fluminense, o metalúrgico Paulo Sérgio Cunha, que também é estudante de jornalismo e mantém uma página de notícias sobre a cidade, acredita que a violência em Queimados piorou nos últimos dez anos. “Quando foram implantadas as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) nas comunidades da capital, houve migração de pessoal envolvido com tráfico e criminalidade para os municípios da Baixada, e as forças de segurança não conseguiram conter isso a ponto de impedir que as coisas chegassem a esse ponto”, opina. 

Cunha conta que faltam opções de cultura e lazer na cidade de Queimados. “Não tem um cinema, não tem um teatro, não tem um shopping que atenda às pessoas, e as pracinhas são muito precárias”, descreve. 

Jhonatan Mesquita, 19 anos, soldado do exército e estudante em Queimados, conta que achava que a cidade era violenta, mas ficou surpreso em saber que era uma das mais violentas do país. Ele concorda que a cidade é carente de opções culturais. “As pessoas sentem muito a falta de opções culturais, como cinema e teatro. Se a gente quiser assistir um filme ou uma peça, tem que ir para outra cidade”, conta Jhonatan.

A violência e a falta de opções acabam afastando as pessoas, que começam a pensar em sair da cidade. “Nós vemos, de uns anos para cá, as pessoas colocando imóveis à venda, porque o clima de insegurança se espalha. Isso cria um desconforto para as pessoas andarem com tranquilidade pelas ruas”, diz Cunha. Para ele, não era comum ver tantas pessoas querendo ir embora vinte anos atrás. 

O estudante aponta também a falta de transporte adequado como uma dificuldade a mais para os moradores de Queimados, que em grande parte trabalham na capital. 

Um batalhão da Polícia Militar atua em Queimados, mas não com exclusividade, fazendo a cobertura também de outros municípios da região, de acordo com Cunha. “Precisamos de um contingente maior, para pelo menos passar para a gente a sensação de segurança”. 

Luz no fim do túnel 

"No momento em que as pessoas do país vivem em total incredulidade, pessimismo, insegurança econômica e insegurança física, muitas vezes as pessoas cedem ao canto da sereia de retóricas populistas de tentar acabar com a violência com mais violência, com a distribuição de armas. O que fazemos nesse estudo é mostrar que existe uma luz no fim do túnel", diz o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea que coordenou o estudo. 

Para ele, políticas públicas comprometidas e baseadas em planejamento podem mudar a realidade das cidades brasileiras, e já mostraram que funcionam em casos de cidades nacionais e internacionais. 

Se hoje apenas 123 municípios concentram a metade dos homicídios brasileiros, no passado essa concentração já foi maior. Um dos motivos para esse espalhamento da violência é a urbanização desordenada no Brasil, que passou de um país majoritariamente rural para urbano em apenas uma década, entre 1970 e 1980. “Nós temos grandes cidades desordenadas, caos urbano, e muitas oportunidades para se cometer crimes – e também com maiores chances de um criminoso se evadir sem responder à justiça”, avalia Cerqueira. 

Dos anos 2000 para cá, a violência que era extremamente concentrada passa a se espalhar para cidades pequenas, e também para as regiões Norte e Nordeste do país. Mesmo assim, “ainda temos chance de estancar o problema, fazendo políticas públicas focalizadas”, Cerqueira diz. 

Essas políticas, ressalta Cerqueira, devem ser baseadas em “planejamento, diagnóstico local, boas informações e questões de dinâmicas criminais e sociais. E devem ser feitas sobre dois pilares centrais: o modelo de repressão qualificada – ou seja, uma polícia baseada na inteligência e investigação; e com atuação simultânea de prevenção social”. 

Segundo o estudo, oferecer um bom desenvolvimento a crianças que vivem em famílias desestruturadas, garantir o acesso a escolas e futuramente ao mercado de trabalho podem evitar que essa criança seja um criminoso no futuro. 

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