Como tudo aquilo que envolve o nome do bilionário, o lançamento da biografia homônima de Elon Musk, no início de setembro deste ano, gerou diversas controvérsias, incluindo um episódio sobre uma possível intervenção na guerra da Ucrânia.
Para escrever o livro, Walter Isaacson, aclamado jornalista e escritor que já relatou as vidas de Steve Jobs e Leonardo da Vinci, entre outros, passou mais de dois anos ao lado de Musk, acompanhando-o na rotina de trabalho, em reuniões familiares e tudo o mais que o bilionário fazia.
Além de revelar no detalhe episódios do dia a dia e da vida pessoal de Musk, alguns dos breves capítulos do livro esclarecem o contexto a partir do qual ele adotou um perfil antiprogressista e antiwoke, ao longo dos últimos três anos.
Questões que envolvem a morte de um filho e a perda de outra para o marxismo, bem como indisposições com Joe Biden e a sua impetuosidade diante das medidas restritivas contra a Covid-19, são alguns dos pontos que o levaram a essa mudança.
Selfmade man x vida luxuosa
O ano era 1999 e os irmãos Musk tinham acabado de vender a Zip2, uma empresa que buscava substituir as páginas amarelas [livros enormes que eram feitos por cidade, no qual constavam nome, endereço e telefone de empresas] por mecanismos de busca online que combinavam essas informações a catálogos de mapas.
Vendo sua conta saltar de três para seis zeros, Musk inaugurou sua vida de luxo e de empreendedor bem-sucedido com nada menos que a compra de uma McLaren no valor de US$ 1 milhão [R$ 5,05 milhões na cotação atual].
Mas o que parecia ser um surto impulsivo para a ostentação, logo se converteu no impulso constante de empreender. Segundo o autor, Musk havia percebido "que não era bom ficar dando demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza”.
“Eu podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la em um feudo pessoal, mas estou mais interessado em tentar construir e criar uma empresa nova”, afirmou. “Não gastei meu dinheiro, vou investir quase tudo em um jogo novo”.
O trauma da perda do primeiro filho
Nessa época, Musk namorava com Justine, que conhecera na faculdade Queens, em Ontário, Canadá, e que se tornaria sua primeira esposa e mãe de seis dos seus 11 filhos.
O primeiro deles, Nevada, morreu de síndrome de morte súbita com apenas dez semanas, em 2002. A perda foi um dos episódios mais dolorosos vividos por Musk que, à época, calou-se e não comentou o tema nem mesmo com as pessoas mais próximas.
Em seguida à dor, Musk e Justine tiveram outros cinco filhos, todos via inseminação artificial. Em 2004 ela deu à luz a gêmeos e em 2006 a trigêmeos. A relação conturbada levou o casal a se separar em 2008.
Após o rompimento, o bilionário se envolveria com diversas outras mulheres, incluindo a atriz britânica Talulah Riley e, mais recentemente, a cantora Grimes, com quem teve mais três filhos. O bilionário ainda teve dois filhos via inseminação artificial com Shivon Zilis, uma executiva da Neuralink, em 2022.
A batalha perdida para o Marxismo
Isaacson afirma que, para o bilionário, a presença dos filhos é uma fonte de grande alegria e que sua maior tristeza é quando algum deles decide se afastar do pai.
E foi justamente o que ocorreu com Jenna, do primeiro casal de gêmeos que o bilionário teve com Justine. Desde cedo, ela “tinha muita determinação e desenvolveu um profundo ódio ao capitalismo e à riqueza”, relata o autor.
Na adolescência, se engajou em longas discussões com o pai nas quais dizia odiá-lo e tudo que ele representava. Por essa razão, Musk vendeu suas casas e começou a viver de modo mais simples, mas sua decisão surtiu pouco efeito para a melhora da relação.
Musk afirma que as divergências com Jenna “ficaram mais intensas quando ela passou de socialista a comunista e também a achar que todo mundo que é rico é ruim”. O bilionário culpa o que chama de doutrinação progressista que ocorria na escola particular que a filha frequentou em Los Angeles, a Crossroads, por sua mudança.
Isaacson relata que a briga com Jenna foi o episódio mais doloroso para Musk desde a morte de Nevada. “Eu fiz muitas tentativas, mas ela não quer conviver comigo”, afirmou ao autor.
Defesa da vida: filhos para a sobrevivência da humanidade
Além das próprias perdas, a crença de Musk na importância de que as pessoas tenham muitos filhos tem outras razões. Devido ao decréscimo nas taxas de natalidade em diversos países, o bilionário teme que a sobrevivência da própria humanidade esteja ameaçada.
“As pessoas vão ter que reviver a ideia de que ter filhos é uma espécie de dever social ou a civilização simplesmente vai perecer”, declarou em 2014.
Anos mais tarde, em 2022, Musk incentivou a executiva da Neuralink e amiga próxima, Shivon Zilis, a ser mãe. Isaacson relata que, quando ela decidiu que havia chegado a hora, Musk se candidatou a ser o “doador de esperma para que as crianças fossem geneticamente filhas dele”.
Para Shivon, a escolha foi simples. “Se a escolha estava entre um doador de esperma anônimo ou fazer isso com a pessoa que você mais admira no mundo, então para mim era uma decisão muito fácil”.
Ela ainda afirmou que não conseguia pensar em outros genes que poderia preferir para seus filhos, além do que a escolha faria Musk muito feliz. Ele consta como pai na certidão dos gêmeos, embora os bebês tenham recebido o sobrenome da mãe.
Shivon acreditava que Musk seria mais um padrinho que um pai para os filhos, mas ele se envolveu e criou laços afetivos com as crianças – “mesmo que a seu modo emocionalmente distraído”, diz Isaacson.
Antiautoritarismo durante a pandemia
A personalidade pouco afeita a restrições impostas de fora, levaram Musk a se distanciar ainda mais de alguns pontos defendidos pelos progressistas durante a pandemia do coronavírus.
Em 2020, a fábrica da Tesla na China havia sido fechada em razão da Covid-19. Além da queda no preço das ações, o bilionário estava incomodado com as posturas governamentais em relação à pandemia.
“As determinações governamentais, na China e depois na Califórnia, inflamaram-lhe a tendência antiautoridade”, explica Isaacson. Musk decidiu desafiar o governo californiano ao manter a recém-inaugurada fábrica da Tesla de Fremont aberta, mesmo depois de decretada a quarentena.
“Gostaria de deixar claro que se você se sentir um pouco doente ou até mesmo indisposto, por favor, não se sinta obrigado a vir trabalhar. Eu, pessoalmente, vou trabalhar. Sustento minha opinião sincera de que o estrago provocado pelo pânico do coronavírus excede, e muito, o estrago causado pelo próprio vírus”, disse Musk.
Ele, inclusive, entrou com um processo contra o governo, que ameaçava fechar a fábrica. “Se alguém quiser ficar em casa, ótimo. Mas dizer que as pessoas não podem sair de casa e vão ser presas se saírem, isso é fascismo. Não é democrático, não é liberdade. Devolvam a liberdade das pessoas”, afirmou.
À época, o bilionário se colocou na linha de frente quando desafiou o xerife que ameaçava fazer prisões em sua fábrica. “Se alguém for preso, que seja eu”, afirmou. Mais uma vez, Musk venceu a batalha, conseguindo um acordo para seguir funcionando com a adoção de medidas de segurança.
Tome a pílula vermelha
Em 2021, as críticas de Musk aos progressistas se acentuaram ainda mais. O bilionário, que em outras épocas tinha se declarado fã do ex-presidente Barack Obama, passou então a discursar contra posturas politicamente corretas e de ativismo social.
Em maio desse ano, Musk publicou um tweet emblemático no qual dizia: “tome a pílula vermelha”. A frase é uma referência ao filme Matrix, de 1999, no qual um hacker descobre que vive em uma simulação de computador.
Em uma das cenas, o personagem principal tem a escolha de tomar a pílula azul e voltar à vida normal na simulação, ou tomar a pílula vermelha e entender a verdade sobre a realidade. Ivanka Trump, filha do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, respondeu à mensagem dizendo: “tomei”.
Isaacson relata que, em dezembro do mesmo ano, Musk já havia assumido a causa de “combater o que considerava o excesso de politicamente correto e a cultura woke de ativistas progressistas de justiça social”.
“A menos que o vírus da mentalidade woke, que é fundamentalmente anticiência, antimérito e anti-humano em geral, seja detido, a civilização jamais se tornará multiplanetária”, disse Musk.
Desafetos com o governo democrata
“Este vírus da mentalidade woke jaz principalmente no Partido Democrata, apesar da maioria dos democratas não concordar com isso”, tweetou o bilionário à época. Musk já havia declarado publicamente que não gostava de Donald Trump, mas, a partir de 2021, também começou a desenvolver um sentimento de desprezo por Joe Biden.
Diversos incidentes entre Musk e Biden, que de forma reiterada subestimou os feitos de empresas do bilionário como a Tesla e a SpaceX, agravaram ainda mais o sentimento negativo em relação ao presidente e aos democratas.
No início de 2022, Musk organizou uma festa de última hora na fábrica da Tesla no Texas, para a qual foram convidados conhecidos críticos do progressismo o podcaster Joe Rogan e o psicólogo canadense Jordan Peterson, que estava de visita aos EUA.
Isaacson comenta que outras pessoas do círculo mais próximo de Musk eram ‘libertárias’, como Luke Nosek e Peter Thiel, parceiros de Musk na fundação de algumas empresas, Ken Howery, embaixador de Trump na Suécia, e Joe Lonsdale, um pupilo de Thiel.
O autor afirma, contudo, que nenhuma dessas pessoas tinha o poder de determinar suas visões políticas. “Musk era obstinadamente cheio de opiniões, pela própria natureza e por instinto. Mas elas [essas pessoas] tendiam a reforçar os sentimentos antiwoke dele”.
Censura x moderação: o Twitter files
Outro marco na consolidação da personalidade antiprogressista de Musk foi a compra do Twitter, em outubro de 2022. Além de demitir grande volume de funcionários, ele mirou nas políticas de moderação de conteúdo da rede que eram contrárias a seus ideais de liberdade de expressão.
“Ao longo dos anos, os moderadores de conteúdo do Twitter tinham se tornado cada vez mais ativos no banimento de conteúdo considerado danoso”, afirma Isaacson. A princípio, Musk acreditava que as práticas eram bem-intencionadas, mas que tinham ido longe demais ao reprimir determinadas opiniões.
Ao aprofundar seu conhecimento da rede, ele começou a entender que havia um “conluio entre agentes do governo que conspiravam com as grandes empresas de tecnologia e a mídia convencional para manter o poder”, conforme descreve o autor.
Foi nessa época que o bilionário se aproximou do jornalista Matt Taibbi, que havia trabalhado para a revista Rolling Stone e que tinha uma "inclinação para desafiar as elites".
A parceria resultou nos Twitter Files, uma investigação que mostrou a amplitude da interferência governamental e a censura nas redes, omitindo, inclusive, informações verdadeiras a mando do governo, sobre a Covid-19, as vacinas e o laptop de Hunter Biden.
A iniciativa foi um marco para o debate sobre a liberdade de expressão nas redes sociais, no qual o X, nome atual do Twitter, segue sendo um dos principais atores. Em setembro deste ano, por exemplo, Musk voltou às manchetes ao demitir um remanascente da antiga equipe de moderação da rede.
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