Fechamento de TVs e jornais: os resultados da regulação da mídia venezuelana| Foto: Luis Acosta/AFP
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Uma das plataformas eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está posta: em entrevista à Rádio Metrópole da Bahia, na última quinta-feira (26), o petista voltou a falar sobre sua intenção de regulamentar os meios de comunicação no Brasil. Bandeira histórica do partido, tema já havia sido mencionado durante a passagem de Lula pelo Rio Grande do Norte e pelo Maranhão:

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“Ou a gente faz um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil ou a gente vai continuar sendo vítima da espoliação de meia dúzia de famílias que manda na comunicação. É preciso haver uma regulamentação”, disse Lula. Embora tenha dito que “não quer uma regulamentação como na imprensa chinesa ou a cubana”, alegando inspirar-se no modelo inglês, o ex-presidente explicitou suas referências ao utilizar como exemplo “o que ocorreu na Venezuela”. “Eu vi como a imprensa destruía o (Hugo) Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo”.

É curioso que o ex-presidente mencione a forma de regulação aplicada no Reino Unido para, em seguida, insinuar que pretende impedir que a mídia diga o que quiser sobre o poder, uma vez que o modelo inglês permite que os jornais não se submetam ao órgão estatal que observa a imprensa. Como funciona, então, o modelo venezuelano? Em coluna no jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista Pedro Doria narra uma experiência pessoal:

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“Em 2012, fui observador internacional da última eleição de Hugo Chávez, a convite do Sindicato dos Jornalistas Venezuelanos. Em Petare, a maior favela de Caracas, assisti em uma seção eleitoral após a outra os fiscais do PSUV, partido do governo, orientando os eleitores dentro da cabine de votação. Aqui chamamos de voto de cabresto. Estava no TSE de lá quando Henrique Capriles e Chávez disputavam voto a voto a contagem e a luz do prédio simplesmente caiu. Quando voltou, mais de uma hora depois, Chávez abria folga. O sindicato dos jornalistas não chamou observadores de todo continente à toa – tinha medo. Medo dos motoqueiros milicianos de camisa vermelha, medo dos jornais tradicionais, que já se desmantelavam sob constante ataque econômico e policial do Estado, da sombra da censura que se aproximava. Foi há dez anos”.

O cenário testemunhado pelo jornalista começou a se desenhar dois anos após a primeira eleição de Chávez, com a aprovação da Ley Orgánica de Telecomunicaciones (Lei Orgânica das Telecomunicações), cujo objetivo, em teoria, era “apenas” impedir o monopólio de concessões de rádio e televisão por poucas empresas - um argumento frequentemente usado pelos que defendem a aplicação do mesmo princípio no Brasil.

Em 2004, viria a Ley de Responsabilidad Social en Radio y Televisión (Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão), mais uma vez, revestida de um objetivo “nobre”: promover a “responsabilidade social” do sistema de mídia, mediante a obrigação que todas as emissoras de rádio e televisão veiculassem mensagens enviadas pelo governo. Na ocasião, a Human Rights Watch a classificou como “Lei da Mordaça”. No fim da década, a legislação passaria a abranger a internet e as redes sociais.

Na mesma época, a Ley Orgánica também seria ampliada, conferindo à Comisión Nacional de Telecomunicaciones (Conatel) o poder de controlar todo setor - inclusive de fechar empresas de mídia que “questionassem a autoridade legitimamente constituída”. Como resultado, em 2010, Chávez ordenou o encerramento dos seis maiores canais de televisão do país. Entre 2013 e 2018, cerca de três quartos dos jornais da Venezuela fecharam, segundo dados da Associação Nacional de Jornalistas.

O regime recrudesceu em 2017, quando o ditador Nicolás Maduro enfrentou uma onda de protestos em meio à sua campanha eleitoral. Só naquele ano, a entidade reguladora fechou 40 estações de rádio, citando "irregularidades" em suas licenças. Hoje, o único jornal independente que resta - e, portanto, o único a noticiar a subnutrição, a falta de vacinas contra a Covid-19, entre outros problemas -, o El Nacional, é tratado por Maduro como "mídia burguesa” e é investigado por “questionar as autoridades”.

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Naquele ano, o derradeiro golpe contra a liberdade de expressão viria por meio da Ley contra el Odio, por la Convivencia Pacífica y la Tolerancia (Lei contra o ódio, de convivência e tolerância pacífica), que prevê punições de até 20 anos de prisão. O alvo da legislação - que, claro, não define o que, exatamente, são “discursos de ódio” - são as redes sociais, onde se concentram as maiores críticas à ditadura.

Como resultado, a Venezuela vem despencando no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Em 2020, passou a ocupar a 148ª posição, em uma lista de 180 países. O Brasil está em 111º lugar.