Em 15 de maio de 1939, o filósofo John Dewey divulgou uma declaração à imprensa anunciando a formação do Comitê pela Liberdade Cultural. Em anexo estavam a declaração de princípios do comitê e os nomes de 96 signatários. No dia seguinte, em uma reunião dentro de uma biblioteca da Columbia University, o comitê adotou seu manifesto oficial. “Nunca antes, nos tempos modernos”, o documento começou, “a integridade do escritor, dos artistas, do cientista e do acadêmico esteve ameaçada tão seriamente”.
Os membros do comitê incluíam antropólogos, filósofos, jornalistas, dramaturgos, advogados, educadores e historiadores. Politicamente, eles abrangiam de democratas socialistas a liberais do New Deal a liberais do século 19. O que os unificou foi seu compromisso de “propagar corajosamente o ideal da atividade intelectual sem limites”. Os “critérios fundamentais para avaliar todas as filosofias sociais hoje”, seu manifesto dizia, são “se permitem ao pensador e ao artista funcionar independentemente de dogmas políticos, religiosos ou raciais”. A base para essa aliança entre pessoas tão díspares, continuavam, foi “o mínimo denominador comum de uma cultura civilizada – a defesa da liberdade criativa e intelectual”.
Foi a existência de grupos que propagavam o stalinismo na ciência, literatura, pensamento social e artes que motivou a ação do principal organizador do comitê, Sidney Hook. “Pareceu-me que era necessário desafiar esse fenômeno massivo que estava corrompendo as fontes da opinião liberal e de fato ridicularizando o senso comum”, escreveu Hook em sua autobiografia, Out of Step (1987). “Decidi lançar um novo movimento, baseado em princípios gerais cuja validade seria independente das fronteiras geográficas ou nacionais e da afiliação racial ou de classe”.
Manifesto da Liberdade
O comitê de Hook foi o precursor do Congresso Internacional pela Liberdade Cultural, reunido em Berlim em junho de 1950, e do Comitê Americano para a Liberdade Cultural, organizado em 1951. Naquele primeiro encontro em Berlim, Arthur Koestler leu do palanque o “Manifesto da Liberdade”, que considerava como “óbvio” que “a liberdade intelectual é um dos direitos inalienáveis do homem”, e que tal liberdade “é definida em primeiro lugar pelo seu direito de manter e expressar suas próprias opiniões, e particularmente opiniões que diferem daquelas de seus governantes. Privado de seu direito de dizer "não", o homem se torna um escravo”.
A América de 2018, é desnecessário dizer, é um lugar muito diferente da América de 1939 e 1951. A Alemanha nazista desapareceu há muito tempo, extinta em uma guerra que matou 60 milhões de almas. A União Soviética desapareceu há 27 anos, após uma Guerra Fria que durou cerca de cinco décadas. A mídia impressa entrou em colapso e foi substituída por mídias digitais e sociais que limitam o poder dos gatekeepers e ampliam o alcance de pontos de vista minoritários. Se o final da década de 1930 e o início da década de 1950 são a base, o mundo de 2018 é muito mais livre.
Mas as ameaças permanecem. Os sistemas totalitários na Rússia, China e seus antigos satélites marxista-leninistas se transformaram, com a exceção da Coreia do Norte, em sistemas de controle autoritário que permitem alguma liberdade econômica enquanto mantêm a soberania do Estado sobre política, sociedade e cultura. Os autoritários usam o “poder agudo” para interferir nas eleições democráticas, intimidar e explorar as corporações e universidades ocidentais, e influenciar o discurso público através da guerra de informação. Um marxismo renascente concorre com, e em grande medida foi assimilado por, a ideologia do multiculturalismo e sua política de identidade inerente.
É essa ideologia e política que capturaram as instituições intelectuais, culturais e de mídia mais prestigiadas da América. A universidade, o Vale do Silício, Hollywood e plataformas que cada vez mais deixam de ser “neutras” e “objetivas”, como o New York Times e o The Atlantic, estão sob a influência de dogmas e atitudes raciais e sexuais que não admitem discordância. A afiliação a essas instituições, que desempenham um papel crucial na formação de opinião das elites e nas redes sociais em que estão inseridas, depende da concordância ou do silêncio sobre certas ideias de "privilégio branco", "opressão patriarcal", "islamofobia" e “fluidez de gênero”.
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Discordar dessas ideias – exercer o direito de dizer não – convida não só à divisão da sociedade educada, mas também à perda do emprego e, em alguns casos, às ameaças físicas.
Defensor do pensamento livre
Assim como aconteceu no século 20, um grupo improvável de compatriotas surgiu para resistir ao desafio doméstico contemporâneo à liberdade cultural. Lendo o artigo recente de Bari Weiss sobre a “teia escura da intelectualidade”, não se pode deixar de ficar impressionado com a diversidade de opiniões e lealdade partidária entre os pensadores renegados, desafiando a correção política e sua estigmatização de argumentos que violam seus axiomas de identidade de grupo, disputas raciais e transgenerismo. Uma atmosfera intelectual estupidificante, na qual as respostas emocionais subjetivas de grupos de vítimas designados prevalecem sobre o estilo, o argumento e a evidência empírica, cria alianças inesperadas. Quem teria pensado que Kanye West se tornaria, no espaço de alguns tweets, o mais famoso e reconhecido defensor do pensamento livre individual no mundo de hoje? Quem poderia ter previsto que o Novo Ateu Sam Harris se encontraria em uma frente unida com Jordan Peterson, que instrui seus milhões de acólitos sobre a contínua relevância das histórias bíblicas?
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Os novos defensores da liberdade cultural são diferentes de seus antepassados. Eles estão mais etnicamente e sexualmente diversificados. Praticamente todos operam fora da academia. Eles não são conscientemente organizados como um movimento. Até certo ponto, é claro, essa falta de institucionalização está relacionada às condições históricas presentes. A metade do século 20 foi uma era de grandeza, de vastos departamentos, de corporações hierárquicas em que a vida política, especialmente à esquerda, foi dividida e subdividida em partido, comitê e célula. O início do século 21 é muito fraturado, desagregado e anárquico para uma construção e coordenação tão precisas. Esta é uma época de relacionamentos fracos, de afiliações frouxas. As pessoas entram e saem dos movimentos ao apertar o botão “curtir”, “tweetar” ou “enviar”. E como nossa mídia é desmembrada e os múltiplos meios de expressão pessoal são tão acessíveis, nenhuma autoridade tem poder de monopólio para distinguir dissidentes razoáveis de excêntricos. Isso cria uma oportunidade para os executores da correção política, que são rápidos em associar os inimigos que eles desprezam injustamente como racistas com os genuínos.
O que surgiu não é um comitê ou congresso, mas uma Coalizão para Liberdade Cultural. Essa ampla assembleia de críticos opostos ao consenso que domina os altos comandos da cultura, do entretenimento e da mídia não é centrada nem unificada, nem precisamente delineada ou filosoficamente consistente. Mas todos acreditam no que Gaetano Mosca chamou de "defesa jurídica", pluralismo de opiniões e instituições para se proteger contra a conformidade e a repressão. E o fato de que a heresia de Kanye e a reportagem de Weiss foram recebidas com injúria, escárnio, indignação e agonia é evidência da força de tal conformidade, o desejo por tal repressão.
Hegemonia
A correção política impera em São Francisco, Hollywood e Berkeley, fazendo incursões a Nova York e ao governo burocrático permanente em Washington, DC, mas sua posição é insegura, instável. A ferocidade com que os desafios à ideologia são encontrados significa não poder, mas fraqueza. Tudo o que é preciso para acabar com a hegemonia do politicamente correto é combater ou ignorar sua vontade de intimidar. E isso está acontecendo. A verdade simples é que as pessoas não gostam de ser reduzidas a sua cor de pele, e elas odeiam ser chamadas de racistas. Então, elas tendem a abandonar as figuras e organizações que as veem como nada mais do que idiotas preconceituosos, sexistas e fanáticos que pertencem a um bando de deploráveis. Elas podem não expressar sua opinião para um pesquisador por medo de ostracismo social. Mas elas revelam suas preferências através da ação.
Hillary Clinton pode dizer-lhe o mesmo. Também podem a ESPN, a NFL e os estúdios de Hollywood cujas obras-primas de justiça social são premiadas no Oscar, mas não nas bilheterias. Google e Facebook também sentiram a reação de censura de vozes não-despertas. Por outro lado, o sucesso de Sniper Americano, Donald Trump, Jordan Peterson e Roseanne (série de sucesso na TV americana) revelou o tamanho do público disposto a trocar as posturas de correção política pela autenticidade e disrupção.
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“A defesa da liberdade intelectual hoje impõe uma obrigação positiva: oferecer respostas novas e construtivas aos problemas do nosso tempo”, escreveram os autores do Freedom Manifesto. “Nós endereçamos este manifesto a todos os homens que estão determinados a recuperar as liberdades que perderam e a preservar e estender aquelas de que eles desfrutam”. Essas categorias incluíam Sidney Hook e Arthur Koestler. Hoje se juntam a eles Jordan Peterson, Charles Murray, Christina Hoff Sommers e, sim, Kanye West.
©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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