No longo prazo, e provavelmente no curto também, a ignorância vai nos prejudicar mais do que ajudar.| Foto: Pixabay
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Ando pensando muito na estupidez ultimamente. Acho que em boa parte porque tenho passado muito tempo online. Defino estupidez como “a ignorância remediável, mas irremediada”, e poucas características humanas são mais evidentes para o leitor de um site de nível médio.

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É relativamente fácil descobrir que Barack Obama não é muçulmano, que o governo que Israel não foi responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001, que o Deus cristão não odeia homossexuais, que o cristão evangélico médio não está só esperando por uma oportunidade de tomar o governo e impor a teocracia a um país de ímpios e infiéis deploráveis.

Ainda assim, pessoas que poderiam muito bem remediar sua ignorância nesses e em tantos outros assuntos consistentemente fracassam nesse intento. Isso é curioso e importante.

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Muitas pessoas que defendem opiniões erradas – e até absurdamente bizarras – não são estúpidas. Não temos todos os meios de remediar nossa ignorância. No mundo, há pessoas que receberam uma educação deficiente, que aprenderam muitas coisas erradas pelas únicas autoridades que conheceram e que têm pouca ou nenhuma oportunidade de averiguar os fatos. Mas muitas pessoas são ignorantes com conhecimento de causa, isto é, pessoas que, como não se dão ao trabalho de analisar suas crenças e a veracidade delas, também são (de acordo com a minha definição) estúpidas.

Muitas pessoas boas e gentis se sentem incomodadas com palavras como “estúpido” e “estupidez” palavras nocivas e insultantes, segundo me disseram. Pessoas boas e gentis reclamam dos livros de Harry Allard Jr. sobre Stanley Q. Stupid e sua família: The Stupids Step Out [Os Stupid saem para passear], por exemplo, ou The Stupids Have a Ball [Os Stupid se divertem] ou (o melhor de todos) The Stupids Die [Os Stupid morrem]. Os mais sensíveis entre vocês talvez se sintam consolados ao saberem que os Stupid não morrem de verdade, embora eles pensem que estão mortos quando as luzes se apagam e eles ficam no escuro. (Quando as luzes voltam a se acenderem, eles deduzem que estão no Céu: “Parece que estamos em casa”, diz a sra. Stupid).

Um resenhista angustiado na Amazon escreve: “Meu filho de sete anos trouxe recentemente este livro para casa. Considero-o muito ofensivo porque ele ensina as crianças que é legal chamar os outros de ‘estúpidos’. Não consigo imaginar uma situação na qual uma criança ou um adulto possa usar essa palavra contra outra pessoa. Fiquei com tanta raiva que escrevi um bilhete para a bibliotecária da escola”. E outro: “Como as pessoas podem gostar de uma história que ri de gente estúpida? ‘Estúpido’ é uma palavra horrível. As crianças não deveriam usar esse termo jamais”. Há provavelmente uma boa palavra para descrever esses resenhistas, mas no momento não consigo pensar em nenhuma.

De qualquer forma, entre essas almas mais sensíveis há alguns cristãos. Os cristãos gostam de ser pessoas boas; eles preferem evitar a linguagem vulgar. Eles lembram que Jesus demonstrou incômodo quando alguém chamou seu irmão de raca, que em aramaico significava algo parecido com “estúpido”. E isso é verdade, embora por outro lado Ele se refere a algumas pessoas como “uma geração de víboras” e a outras como “sepulcros caiados”, e o livro dos Provérbios menciona bastante os “tolos” e não tem nada de bom a dizer sobre eles.

Corro o risco de passar por zombeteiro aqui, mas a verdade é que há motivos sérios, e seriamente cristãos, para a ira e o ressentimento. Para aqueles entre nós que tendem a demonstrar irritação diante da estupidez, eis aqui um exemplo claro em “Little Gidding”, de T. S. Eliot, quando o poeta é confrontado pelo fantasma de algum “extinto mestre” e vê “as dádivas à idade reservadas”, entre as quais estão experiências desagradáveis como “a impotência consciente da raiva/da tolice humana”. É uma situação realmente perigosa que não ousamos cortejar.

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Ainda assim, a estupidez é ruim. A ignorância deveria ser remediada sempre que possível e aqueles que têm preguiça ou aversão a remediar sua própria ignorância deveriam ser advertidos e até repreendidos, se for possível fazer isso no espírito da caridade. Cristãos e religiosos em geral não têm motivo para investir na perpetuação da ignorância desnecessária. No longo prazo, e provavelmente no curto também, a ignorância vai nos prejudicar mais do que ajudar. E embora eu espere mesmo que Deus seja gracioso para com o ignorante impotente, não tenho certeza se a paciência Dele para com o estúpido é infinita.

Falo sério quando digo que precisamos profundamente de uma teologia da estupidez. Não sou capaz de contribuir para um projeto do tipo, mas, enquanto anglicano, acredito no velho dito Lex orandi, lex credendi [a regra da oração é a regra da crença] então por que não começar a tratar da praga da estupidez e da contrapraga da “importância consciente da raiva contra a tolice humana” por meios litúrgicos? Precisamos de ritos para nos guiar. Talvez precisemos de um santo — um patrono de uma guerra que deve ser travada contra a estupidez.

Minha sugestão: Jonathan Swift. Ele era coerente em sua luta contra a estupidez, mesmo que às vezes exagerasse um pouco, e era também clérigo anglicano. (Não era muito bom nisso, mas quantas qualidades um homem deve ter?). Devemos perdoar os extremismos dele, já que eles se encontram no polo oposto aos extremismos do nosso tempo. Talvez a revolta dele possa equilibrar nossa indiferença, nossa tolerância diante da ignorância remediável.

*Alan Jacobs é escritor e professor de inglês no Wheaton College.

© 2020 First Things. Publicado com permissão. Original em inglês.
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