Meninos e meninas são diferentes: a verdade que pode ajudar a reduzir as disparidades| Foto: Pixabay
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Embora tenha sido sequestrada por ideólogos que insistem que “gênero é apenas uma construção social” (uma falácia exaustivamente desmentida pela ciência), a preocupação com certas disparidades existentes entre homens e mulheres nos estudos, no mercado de trabalho e em outros aspectos da vida social é genuína.

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É verdade, por exemplo, que elas ganham menos dinheiro e demoram mais a alcançar cargos de poder, além de serem menos presentes nas ciências exatas (que, aliás, tendem a oferecer melhores salários). Eles, por outro lado, se envolvem mais em acidentes e brigas fatais e, na escola, têm mais chance de receberem um diagnóstico de transtorno de déficit de atenção, além de viverem às voltas com altas taxas de suicídio.

Ocorre que meninos e meninas são diferentes. E esta verdade “cancelada” pode ser a chave para que pais, professores, psicólogos e outros profissionais que lidam com crianças e adolescentes comecem a corrigir estas discrepâncias com base em evidências - e não em pseudo-ciências que, na prática, acabam por agravar o cenário.

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Lançado em 2005 e reeditado em 2017, o best-seller “Por que gênero importa?”, do psicólogo e médico americano Leonard Sax, foi traduzido para o português pela editora LVM no ano passado e é uma excelente introdução à ciências das diferenças sexuais. Palatável a conservadores e progressistas, o livro é rigoroso e didático, além de oferecer insights preciosos sobre como o conhecimento sobre a natureza dos sexos pode incentivar mais meninas a serem astronautas e meninos a se tornarem pais que trocam fraldas de bom grado. E este processo passa por celebrar - e não suprimir - suas diferenças.

“‘As meninas são mais emotivas que os meninos’ ou ‘o cérebro dos meninos leva vantagem no que diz respeito ao aprendizado de matemática’. Essas ideias são falsas”, escreve Sax, que defende firmemente a existência de dois gêneros, ainda que haja, nas suas palavras, “diferentes formas de ser menino ou menina”. “Toda criança é única. No entanto, o fato de toda criança ser única e complexa não deveria ofuscar o fato de que o gênero é um dos dois maiores princípios organizacionais no desenvolvimento infantil”, diz o especialista.

A obra reúne dezenas de exemplos elucidativos e algumas das sugestões são extraordinariamente simples. Garotos agitados e desatentos, sem qualquer interesse pelo que se passa na lousa, por exemplo, podem melhorar subitamente ao serem realocados para as carteiras da frente: para que um menino médio ouça um barulho - no caso, a voz do professor - tão bem quanto uma menina, são necessários três cliques a mais em um botão de volume do rádio do carro (cerca de oito decibéis).

Ainda na sala de aula, outro caso ilustra como a negação de características predominantes entre meninos pode afetar seu desenvolvimento - e corroborar com os estereótipos: Sax conta a história de Andrew, um garotinho que adorava desenhar cenas de luta, dragões e heróis nada parecidos com os animais coloridos e cheios de expressões das colegas de classe. Ouviu da professora: “por que você não desenha algo menos violento?”.

Acontece que, graças a diferenças no próprio aparelho visual, meninas tendem a enxergar mais cores e detalhes, enquanto eles prezam por cenas de ação e movimento. Ao repreender Andrew, a professora apenas o estava afastando de sua predileção natural, reforçando a ideia de que “desenhar é coisa de menina” - o que ajuda a compreender, em partes, o baixo interesse dos homens pelas artes e humanidades, argumenta Sax. Transferido para uma escola de meninos, onde pôde desenhar o que queria, o garoto realmente se transformou em um artista plástico, formado em letras clássicas pela Universidade de Stanford.

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O respeito às diferenças na forma como meninos e meninas enxergam o mundo também pode impactar uma das áreas mais sensíveis e relevantes do assunto: a relação das meninas com as exatas. Sax demonstra como a pretensa “educação neutra” acaba por afastar garotas da física e da matemática, e propõe métodos de ensino adaptados às necessidades delas. Professores de física, por exemplo, podem começar ensinando cinética - experiências demonstram que as meninas tendem a ficar fascinadas por ondas e partículas de luz - enquanto os garotos se divertem com colisões e explosões. 

O jogo de trocar fraldas

A tendência masculina à agressividade, inclusive, sempre foi um dos maiores pontos de intriga entre os que defendem ou rechaçam as bases biológicas da sexualidade e do comportamento humano. No livro, Sax recupera estudos de longo prazo sobre os efeitos da testosterona e, além de reafirmar o fato de que os garotos tendem a adotar mais comportamentos violentos, comprova que eles têm menor aversão a riscos - o que inclui a capacidade de pleitear salários maiores. Esta é, para Sax, uma das hipóteses que ajudam a explicar a diferença salarial.

Por isso, ensinar meninas a correr riscos e a lidar com confrontos necessários é tão importante quanto engajar meninos em atividades nas quais possam exercitar sua impulsividade de forma supervisionada. Tal como no exemplo dos desenhos, eles também podem desenvolver interesse por atividades vistas como femininas quando suas peculiaridades são levadas em conta: o autor relata a interessante experiência de uma escola que oferecia, como disciplina eletiva, uma aula para que garotos aprendessem com pais de verdade a cuidar de crianças. A função de trocar fraldas, por exemplo, era ensinada na forma de uma competição (as regras: “não deixe o bebê cair”, “não deixe os órgãos genitais do bebê sujos” e “não suje as roupas do bebê”).

“A verdade é que pode ser muito divertido brincar com um bebê e ensiná-lo. Os meninos podem ter tanto prazer nisso como as meninas. Mas a melhor forma de envolver os meninos nessa atividade é diferente da melhor forma de envolver as meninas. Se você não entende isso - se você finge que o gênero não importa -, se vê às voltas com meninos que acham que trocar fraldas é coisa de menina”, escreve Sax.

O autor também alerta para os efeitos nocivos de se criar meninos simplesmente tentando ignorar ou abafar suas predileções naturais. “A natureza abomina o vácuo. Se os adultos não dão uma instrução positiva aos meninos, eles recorrerão à internet e às redes sociais atrás de orientação. E o que eles encontram lá é uma cultura de desrespeito, uma cultura na qual é legal que os meninos disputem jogos violentos e procurem pornografia”, explica.

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Gays, lésbicas e transexuais

Meninos e meninas são diferentes. Mas existem diferentes formas de ser menino e menina - e isso não tem nada a ver com as últimas teoria de gênero. Com o mesmo rigor científico, Sax explica o comportamento de meninas que, desde cedo, gostam de lutar e brincar com carrinhos e meninos que preferem atividades manuais a confrontos. Estes comportamentos, explica o especialista, não necessariamente apontam para a homossexualidade e devem ser respeitados pelos pais.

“Podemos com sensatez concluir que uma abordagem razoável, com base em provas, de educação parental ajuda sua filha ou filho a se sentir à vontade sendo menina ou menino, respectivamente. Mas não pressione sua filha ou filho a se adequar aos estereótipos de gênero”, escreve.

Dois capítulos são dedicados exclusivamente à homossexualidade e à transexualidade. E, mais uma vez, Sax reafirma seu distanciamento de ideologias ao insistir na ciência. “Não existe nenhum programa que tenha se provado eficiente para mudar a orientação de alguém em determinada direção”, garante o especialista, que faz duros alertas sobre as consequências do bullying e reforça a importância do afeto incondicional dos pais no desenvolvimento de garotos e garotas.

Sobre o complexo fenômeno das pessoas que se identificam com o sexo oposto, o autor é categórico: “hoje há uma ideia disseminada de que, se um menino diz que é menina ou se uma menina diz que é menino, a criança será mais feliz, saudável e realizada se os adultos facilitarem sua transição para o sexo oposto. Não há estudo de longo prazo que sirva de base para essa ideia. Nenhum”.

Nesse sentido, para auxiliar pais que se veem nessa situação, Sax aponta o trabalho do psiquiatra Kenneth Zucker, diretor do periódico científico Archives of Sexual Behavior e um dos especialistas mais citados em artigos sobre disforia de gênero em crianças. Longe de recomendar que um garoto que diz ser menina seja incentivado a usar vestidos em público ou obrigado a jogar futebol para “virar menino”, Zucker incentiva que os pais fomentem atividades em grupo, como um clube de ciências ou xadrez. E, acima de tudo, “não deixe que a escola o use para propaganda”.

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Vale ressaltar que Zucker, tal como Sax, não rechaçam a ideia da transição de gênero para jovens adultos, sob acompanhamento cuidadoso. Entretanto, Zucker perdeu seu emprego no Centro de Saúde Mental e Adição do Canadá por se opor firmemente à realização de tratamentos hormonais ou cirurgias de redesignação em crianças - principalmente porque as melhores pesquisas apontam que muitas delas crescem como homens gays ou mulheres lésbicas, sem necessidade de passarem por intervenções potencialmente irreversíveis. Sua posição está alinhada à ciência mas, segundo a nota emitida pela instituição, “não estava mais em consonância com o pensamento moderno”.

Na prática, portanto, o negacionismo da militância e o desconhecimento generalizado acerca do verdadeiro alcance das diferenças sexuais continua a vitimar meninos e meninas, presos a estereótipos que não abarcam todas as crianças ou lançados aos leões da propaganda ideológica. A obra de Leonard Sax, bem como seus conselhos para pais e professores, são um exemplo do bom senso que deveria unir os que pretendem conservar o bem-estar das futuras gerações e os que almejam um futuro de oportunidades iguais: “o gênero é uma realidade. O gênero importa. Você pode ignorar a realidade, se quiser, mas ignorá-la não vai fazê-la desaparecer”.