Uma das tendências mais preocupantes a emergir no mundo dos negócios é o “capitalismo consciente” (Nota do tradutor: "woke capitalism", em inglês, algo como "capitalismo lacrador"). Seja o caso da Nike tirando das lojas tênis com a bandeira Betsy Ross porque conselheiros-ativistas lhe disseram que a bandeira representa a escravidão ou quase 200 CEOs de importantes empresas assinando um anúncio de página inteira no New York Times dizendo que as leis de restrição ao aborto são “ruins para os negócios”, o mundo empresarial norte-americano está se alinhando rapidamente às causas progressistas.
São vários os motivos para isso. As pessoas envolvidas com o comércio e as que lecionam em escolas de administração compartilham do mesmo ambiente de humanitarismo sentimental que a gente. Não há motivo para eles se sentirem mais suscetíveis a essa cultura. Ninguém deveria ficar surpreso ao saber que muitos líderes empresariais consequentemente acreditam que suas empresas devem promover agressivamente a pauta progressista, desde a ideologia de gênero até a diminuição radical da liberdade religiosa.
Para outros, é só mais fácil acompanhar a tendência. Por que arriscar seu emprego em Wall Street dizendo à pessoa responsável pelos recursos humanos que o comprometimento da empresa com a “diversidade” não inclui o pluralismo de opiniões políticas? Em alguns casos, a “consciência corporativa” tem a ver apenas com apaziguar os progressistas militantes. Mas se os CEOs acham que os progressistas podem ser apaziguados é porque eles não conhecem direito a esquerda contemporânea.
Há sinais de que algumas empresas estão reagindo ao desejo de parte de seus consumidores de comprarem produtos alinhados com suas posições políticas e também a pressões de investidores institucionais que adotam causas progressistas. Mas, como empresas como a Gillette e a Dicks Sporting Goods descobriram, isso costuma gerar perdas financeiras como consequência da reação de consumidores com opiniões diferentes.
Em outro nível, contudo, o capitalismo lacrador se alimenta da confusão entre a natureza e o fim dos negócios. Não que a iniciativa privada não tenha responsabilidade diante do bem comum maior da sociedade. O que é preciso entender e que (1) as empresas são associações voluntárias, (2) o escopo de sua atividade é determinado e restrito pelo objetivo específico da empresa enquanto associação voluntária e (3) as empresas servem ao bem comum ao perseguirem um bem comum específico.
A finalidade mais adequada dos negócios
Qualquer organização voluntária – seja ela uma empresa, uma ONG ou uma instituição de caridade – tem um objetivo específico que pretende atingir. Em geral, isso significa que ela não deveria ter objetivos outros. As coisas geralmente dão errado quando associações voluntárias começam a perseguir objetivos que são responsabilidade de outros grupos: não queremos que empresas funcionem como clubes de xadrez ou vice-versa.
Para evitar isso, precisamos identificar o bem específico atendido pelo empreendimento. Germain Grisez dá uma definição especialmente concisa: “A finalidade comum a toda associação voluntária é determinada pelo entendimento e consenso dos participantes. Uma empresa com fins lucrativos é uma associação voluntária de pessoas que cooperam as atividades específicas em torno das quais ela se organiza a fim de alcançar vários benefícios econômicos”. Esses benefícios são o bem alcançado sobretudo por meio de uma associação empresarial.
Usando um exemplo fictício, a MAG Enterprises é uma associação empresarial privada que une investidores, proprietários, administradores e funcionários. Eles cooperam livremente para organizar o capital monetário, a tecnologia, as habilidades, o trabalho e as ideias a fim de alcançar certos objetivos econômicos.
Os motivos para essas pessoas se associarem à empresa são variados. Alguns querem aprender mais sobre o setor específico do qual a MAG Enterprises faz parte. Outros veem a mesma empresa como um meio de gerar renda para sua família. Mas sejam quais forem as razões individuais para se envolverem livremente com a empresa, todos devem estar comprometidos em gerar aquele benefício econômico específico que justifica a existência da MAG Enterprises. Esse bem, no final das contas, é o que os une.
Essa forma de ver os negócios não é uma licença de um dos participantes para tratar os demais apenas como meios de se alcançar um fim econômico. Mas ela baseia e limita a autoridade daquelas pessoas no empreendimento que, como nota Grisez, “têm a responsabilidade de coordenar todas as atividades que permitem que a empresa alcance seu fim específico”.
É com base nisso, por exemplo, que os CEOs podem demitir funcionários. Se um administrador de nível médio não consegue desempenhar suas funções no padrão exigido, ele compromete a capacidade da empresa de atingir seus objetivos. Embora seja possível discutir como esse funcionário será demitido, a autoridade do CEO de demiti-lo advém de sua responsabilidade em garantir que a empresa alcance seu objetivo específico.
O mesmo objetivo, contudo, também impede que o CEO direcione a empresa para alcançar objetivos que não têm nada a ver com a missão da empresa. Claro que há várias atividades políticas, culturais e de caridade nas quais as pessoas associadas a uma empresa podem e até devem se envolver. Mas se tais empreendimentos não têm relação com a capacidade da empresa de prover um bem comum específico, esses indivíduos devem se envolver com tais coisas como entes privados – não como representantes da empresa.
E quanto ao bem comum mais amplo?
Talvez alguém pergunte: as empresas privadas não têm responsabilidades que vão além desses limites? As empresas não têm deveres para com seus clientes? Recentemente, muitos têm dito que as empresas comerciais têm obrigações para com todos e tudo o que é afetado por suas atividades. Dependendo de que professor de ética do negócio você ler, essas pessoas afetadas vão desde indivíduos específicos como os clientes até causas universais como o meio ambiente.
Qualquer um envolvido num empreendimento deveria seguir todos os princípios morais que unem as pessoas. Entre outras coisas, isso significa não matar, roubar e mentir para os clientes ou outras pessoas. Eles também devem obedecer às leis que os legisladores considerarem necessárias para o bem comum da sociedade. Essas são as principais formas pelas quais uma empresa cumpre seus deveres para com todos os entes a ela atrelados.
Mas a outra forma muito precisa pela qual as empresas contribuem para o bem comum: buscando o bem específico que as empresas são projetadas para alcançar.
O bem comum de uma sociedade consiste de todas aquelas condições que ajudam os membros dessa sociedade a prosperarem como deveriam. Organizações diferentes têm responsabilidade pela criação e manutenção dessas condições variadas. O exército, por exemplo, provê segurança nacional. O principal dever do Judiciário é administrar justiça. As condições particulares de cada entidade refletem sua competência específica. Portanto, juízes não travam guerras e, exceto no que diz respeito à lei marcial, generais não administram justiça para os civis.
Deste ponto de vista, uma das condições fundamentais para o bem comum da sociedade alcançado pelas empresas é a criação e o crescimento da riqueza que satisfaz as necessidades e os desejos materiais das pessoas. Os governos podem ajudar as empresas a alcançarem isso, por exemplo, com a construção de obras públicas, protegendo os direitos de propriedade e mantendo tribunais para resolverem disputas contratuais. Mas as organizações que mais geram riqueza nas sociedades que levam a liberdade e a criatividade humanas a sério são as empresas privadas.
Sendo claro, esse objetivo nem sempre está claro na mente das pessoas que trabalham na iniciativa privada. Para alguns empreendedores, trata-se da satisfação de se criar um novo produto. Outros trabalhar na iniciativa privada porque estão dispostos a trocar a segurança no emprego por salários mais altos. O efeito colateral de todas essas escolhas livres, contudo, é o de permitir que as empresas fomentem um tipo de crescimento econômico que, com o tempo, aumenta o padrão de vida e satisfaz as necessidades materiais da sociedade. É assim que as empresas contribuem para o bem comum de uma sociedade.
O problema da busca pela justiça social
Dessa perspectiva, vemos que o capitalismo consciente tira as empresas comerciais do rumo de alcançarem seu objetivo específico. As empresas não existem para se envolverem em exercícios marxistas de despertar da consciência, para alterarem as estruturas familiares, para estabelecerem a paz mundial ou para corrigirem erros históricos.
Todos os que foram tratados injustamente merecem justiça. Grisez diz, contudo, que “a responsabilidade de uma empresa quanto a isso está limitada às injustiças pelas quais ela é culpada, ainda que as leis possam exigir reparações para ajudar a empresa a cumprir seu dever para com a sociedade como um todo e retificar outras injustiças”. O dever de corrigir outras injustiças é de outras organizações.
O capitalismo consciente/lacrador também prejudica a busca da empresa por seu bem comum específico criando circunstâncias nas quais conselheiros e CEOs podem apelar ao comprometimento da empresa para com vários objetivos políticos a fim de justificar o emprego dos recursos corporativos de forma a diminuir a capacidade da empresa de alcançar seu objetivo específico. Como diz Stephen Bainbridge, “diretores com permissão para levar em conta os interesses de todos acabam sem ter de prestar contas a ninguém”. Neste sentido, o capitalismo consciente permite que conselhos e CEOs excedam sua autoridade e evitem a responsabilidade por suas ações.
O capitalismo consciente, eu suspeito, está apenas nos seus primórdios. Os progressistas sabem que ele é eficiente para levar empreendedores e negócios norte-americanos a perseguirem seus objetivos. Muitos líderes empresariais – às vezes por motivos econômicos e às vezes por causa da ligação pessoal deles com a ideologia progressista ou falta de coragem — acham que ele é o futuro.
Eles estão errados. Em vez de tornarem as empresas “socialmente conscientes”, deveríamos impedir que o horizonte ficasse nublado pelo humanitarismo sentimental. Devemos criticar o capitalismo consciente, lembrando que as empresas existem para alcançar fins econômicos específicos que constituem seu bem comum também específico. A própria integridade das empresas como uma forma distinta de associação voluntária que dá uma contribuição específica ao bem-estar geral da sociedade está em risco.
*Samuel Gregg é diretor de pesquisas do Acton Institute e bolsista do Centro de Estudos de Direito e Religião da Emory University.
©2019 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês
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