O ativismo se expressa, sobretudo, através de movimentos coletivos. Mas essa própria noção de coletividade pode ser uma pressão para pessoas participarem de um movimento simplesmente para sentirem que fazem parte de algo: a chamada “mob mentality” ou comportamento de manada é um instrumento político e uma arma para promover a agenda de grupos específicos.
A teoria psicológica de “comportamento de manada” sugere que seres humanos têm maior probabilidade de adotar determinados comportamentos porque seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos já o adotam. Basicamente, ninguém quer ser o primeiro ou o último a fazer algo, mas sim estar seguro e inserido em um determinado grupo social.
“Se a questão é o que fazer com uma caixa de pipoca vazia em um cinema, com que rapidez dirigir em um determinado trecho de rodovia ou como comer o frango em um jantar, as ações das pessoas ao nosso redor serão importantes para definir nossa resposta”, diz o psicólogo Robert Cialdini, autor de “Influência: A Psicologia da Persuasão”.
A mesma lógica se aplica a ideologias políticas: um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley constatou que as pessoas tendem a alinhar suas opiniões políticas as do grupo em que estão inseridas.
O experimento reuniu 63 pessoas de duas cidades do Colorado: o primeiro de Boulder, um município com maioria de esquerda, enquanto o outro reunia pessoas de Colorado Springs. Ambos os grupos discutiram aquecimento global, ações afirmativas e união civil para casais do mesmo sexo.
Nas duas discussões, o principal efeito foi tornar os membros do grupo mais extremos em suas opiniões, comparado ao que eram antes de começarem a conversar. Ou seja: progressistas se tornaram mais progressistas nas três questões, enquanto conservadores se tornaram mais conservadores.
“Todos queremos tomar decisões melhores. Estudos identificam os papéis benéficos das estruturas de diversidade de pensamento, subgrupo e liderança plana na otimização de ideias e resolução de problemas”, diz Zac Baynham-Herd, analista da prática de ciências comportamentais da Ogilvy Consulting. “À medida que a atividade online cresce, o potencial de proliferação de 'ovelhas negras' e ‘comportamento de manada’ também aumenta”, acrescenta.
Pertencimento
No caso dos movimentos ativistas, o comportamento de manada pode levar à influência sobre as pessoas para participarem de uma ação simplesmente para se sentirem parte do grupo. Simultaneamente, seguir a manada simplifica ideias complexas — que deveriam ser as pautas dos movimentos.
“Se o que você está pensando pode ser facilmente expresso em um slogan e gritado ou erguido no alto por uma multidão, então você provavelmente não está pensando em nada”, diz David Rieff, autor do livro “A Bed for the Night: Humanitarianism in Crisis”.
Estudos do matemático Steven Strogatz da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, chamam esta dinâmica de “Sincronização de Multidão”, uma inclinação para a harmonização das ações de forma coletiva quando os indivíduos se agrupam. O matemático afirma que essa propensão à organização espontânea está presente em todos os seres humanos. O fenômeno, porém, é observado quando todos começam a praticar uma mesma ação, em um mesmo sentido.
“Copiar o que as outras pessoas fazem pode ser útil em muitas situações, como que tipo de telefone comprar, ou para os animais, para que lado correr se a situação é perigosa”, explica o Dr. Colin Torney, coordenador de um estudo sobre comportamento de manada publicado na revista Royal Society Interface.
“No entanto, o desafio está em avaliar crenças pessoais quando elas contradizem o que os outros estão fazendo. Nós mostramos que a evolução vai levar as pessoas a superutilizar a informação social, e copiar os outros muito mais do que deveriam”, acrescenta.
A irracionalidade das multidões
Em 2011, um protesto começou com uma marcha pacífica contra o assassinato cometido por um policial e rapidamente se tornou violento. Várias regiões de Londres foram alvo de estimados 3.443 atos de vandalismo, saques e incêndios criminosos, com 14 cidadãos feridos e cinco assassinados.
Na Alemanha, uma série de relatos de violência foram registrados em Colônia, Hamburgo e Frankfurt na véspera de Ano Novo em 2016. As vítimas apresentaram mais de 500 denúncias criminais: grandes grupos de homens se reuniram nas estações de trem e começaram a perseguir, roubar e agredir sexualmente centenas de mulheres. Os crimes foram atribuídos a imigrantes e refugiados e, como resposta, outros grupos passaram a atacar essas populações.
“Um fator pode ter contribuído para a escalada da agressão: as próprias multidões”, dizem Mina Cikara, professora de psicologia de Harvard, e Adrianna Jenkins, pesquisadora na Universidade da Califórnia em Berkeley, autoras de um estudo sobre o comportamento de rebanho. “Agir como parte de um grupo pode fazer com que os indivíduos se sintam mais anônimos e menos responsáveis por suas ações.”
O perigo do comportamento de manada é que dá permissão para atitudes que os indivíduos, sozinhos, provavelmente não fariam. “Qualquer pessoa que tenha sofrido bullying em um pátio da escola ou, mais precisamente, alguém que já tenha participado do bullying ou apenas tenha ficado parado enquanto estava acontecendo, conhece muito bem aquela sensação de que não há culpa se você estiver fazendo o que todo mundo faz. Você acaba fazendo, ou pelo menos apoiando, coisas que nunca faria sozinho”, diz David Rieff.
Rieff exemplifica o comportamento de manada com o chamado Paradigma Asch, que deriva de uma série de experimentos realizados na Swarthmore College. No experimento, dois grupos de voluntários receberam um teste de visão padrão. No grupo de controle, o teste foi direto: pesquisadores administraram a atividade e anotaram os resultados, sem fazer nenhum esforço para influenciar as respostas. Cada sujeito teve sua chance de responder, sendo permitido que todos ouvissem as respostas de seus colegas. Quando foi dada uma resposta incorreta a uma determinada pergunta, não houve evidências de que outras pessoas no grupo alterassem suas próprias respostas como resultado.
Por outro lado, no outro grupo, os pesquisadores plantaram indivíduos que foram instruídos a dar respostas erradas às perguntas do teste. Quando pelo menos três pessoas deram respostas erradas idênticas, até 75% do grupo seguiu o exemplo, fornecendo a mesma resposta incorreta.
“O problema dessa ‘falta de sabedoria’ das multidões vai muito além de uma simples dicotomia entre o verdadeiro e o errôneo”, diz Rieff. “No contexto de uma multidão, o que se acredita pode realmente ser de importância secundária”, acrescenta. “Pense no comportamento das multidões políticas do momento presente: é um exercício após o outro de simplificação radical, decompondo ativamente todos os elementos da individualidade e da civilização”, conclui.
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