Ao analisar a avaliação internacional de educação, o Pisa, em um período de 2000 até 2019 o Brasil está em média 100 pontos abaixo da média da OCDE em leitura, ciência e matemática. O país tem o hábito de figurar entre as posições abaixo da média do ranking global, chegando a beirar as últimas posições em algumas ocasiões. Mesmo se analisarmos nossos rankings internos como o Ideb, muitas vezes não atingimos as nossas próprias metas e o ensino médio não consegue chegar à nota 4. Isso tudo é muito estranho, pois se há uma coisa que minha experiência como professor me ensinou é que os alunos brasileiros têm um potencial imenso. Segundo a Pesquisa do Panorama Setorial da Cultura brasileira, 30% da população nunca comprou um livro sendo que só 50% da população são compostas por leitores. Outro dado alarmante é apresentado em pesquisa do Instituto Paulo Montenegro que mostra que apenas 22% dos universitários ou graduados são proficientes em leitura. Em todos os parâmetros, deveríamos realizar uma intervenção drástica na educação brasileira.
Apesar da urgência do problema, é necessário ir até as raízes dele. Creio que possamos dividir a crise da educação no Brasil entre o que é ensinado, como é ensinado e quem ensina. O primeiro grande problema é o currículo, o conteúdo ensinado. O Brasil entregou sua educação a positivistas, marxistas, rousseaunianos e deweyanos. Todos tremendamente esquerdistas, comprometidos com uma visão de mundo progressista. Houve um esforço explícito, fruto do nominalismo desses grupos, de excluir a educação clássica e o cânon da alta cultura. O nominalismo é a teoria que remonta aos tempos medievais, na qual os universais (por exemplo: o bem, o belo e o verdadeiro) não são reais. Justiça, verdade e bondade seriam meros nomes. Eles nos influenciaram a adotar um relativismo no qual não existem conteúdos melhores ou piores. A diferença entre funk e Bach é a peruca e a época. Por isso Richard Weaver diz em “Ideias tem Consequências” que a cultura nominalista tornou estranha a ideia de que eduquemos para aperfeiçoar o espírito.
Se não mudarmos em primeiro lugar o conteúdo das aulas e o material didático, continuaremos com essa crise. O método científico e a matemática não escapam, pois os alunos terminam o ensino médio sem saber nada sobre os elementos de Euclides, mas com vários conceitos modernos mal construídos, o resultado é uma matemática árida, que parece “inútil”. O currículo das aulas precisa refletir os clássicos da literatura e das humanidades, os grandes cientistas e as virtudes. Isso sem entrar na importância do ensino de línguas, em especial do próprio português. Temos Camões e João de São Tomás, mas estudamos Paulo Freire. O tempo gasto falando mal dos militares e da Igreja seria suficiente para passar uma centena de livros clássicos. A consequência lógica do relativismo é de que se nada é alta cultura, tudo é válido e os alunos preferem aprender com youtubers. Como diz C.S. Lewis em A Abolição do Homem, a tarefa do educador de hoje é irrigar desertos, não podar selvas.
O segundo ponto é a formação dos professores. Isso é óbvio, se os professores não possuem formação de qualidade, levando o ensino a ser ruim. Fala-se tanto do protagonismo dos alunos que esquecemos que quem acorda de manhã para ensinar os alunos é o professor. O professor é a única esperança do aluno aprender algo de diferente, o aluno solto experimentando a natureza por conta própria deixa de contar com o auxílio de milhares de anos de descobertas científicas, matemáticas e filosóficas em geral cuja responsabilidade de passar a eles é dos professores. Eles precisam ser bem pagos com progressão de carreira e ter segurança (profissional e física) para desenvolver seu trabalho.
No entanto, nossa visão não é a mesma dos radicais nos sindicatos dos professores, como a APP no Paraná. Os extremistas desses grupos não avaliam as situações concretas, clamam por aumentos de salário de maneira irreal usando a sala de aula como palanque político marxista, principalmente para políticos do PT. No fundo, esses agentes políticos acabam por realimentar o problema.
Igualitarismo e perda da personalidade
O igualitarismo de nossa época é tão cego que tornou obsoleta a concepção de que determinadas ideias são melhores do que outras e que há pessoas mais capazes e moralmente mais elevadas que outras. Essa visão radical não iguala as pessoas em dignidade, mas acaba por suprimir a personalidade individual, tornando cada ser humano um mero pixel de uma grande imagem que é a sociedade. Assim, não liberta ninguém, mas apenas favorece uma educação industrial de massa, seja no sentido liberal ou bolchevique do termo. Além disso, esse igualitarismo extremado acaba com a autoridade do professor frente aos alunos, de modo que toda sua experiência e formação não valem nada frente aos desejos da turma de crianças ou jovens. O mesmo acontece com o diretor da escola, que raramente consegue implantar as boas práticas que almeja, não só por falta de reconhecimento da sua autoridade, mas também por conta dessa visão massificada que suprime a autonomia administrativa. Apesar do fato de os militantes marxistas que dominam os sindicatos professorais se autointitularem como defensores da classe docente, é evidente que a falta de senso de hierarquia presente no igualitarismo tira o valor do próprio professor diante de toda a sociedade, pois essa não consegue valorizá-lo com base na importância da sua atividade. Com todos esses problemas de concepção da educação não é de se admirar também a crescente violência dentro das salas de aulas e falta de atenção que se dá isso por parte daqueles que dizem defender os professores.
Assim, muitos dos que apontam o problema na educação acusam a infraestrutura e o salário dos professores. Embora ambos sejam problemas reais, em alguns casos decisivos, não justificam uma crise tão grande por si mesmos. Precisamos considerar que até meados dos anos 1990 os grandes cientistas e filósofos que a humanidade teve não foram educados com tablets ou datashows 3D, mas sim com mestres que lhes passaram bom conteúdo e que souberam ensinar-lhes a usar todo o seu potencial. Sem dúvidas, não podemos desconsiderar que os alunos dos colégios mais bem estruturados tendem a ter um desempenho melhor, mas estão longe de não compartilharem essa crise educacional.
Mudanças de método
Outro ponto que precisa ser reavaliado é a metodologia usada nas nossas escolas. A forma de ensinar o conteúdo é algo que influencia fortemente os jovens. Um método ruim pode comprometer a capacidade de aprender, o que irá impactar também na vida adulta de um aluno. Seja a educação personalizada de Victor Garcia Hoz, o método Feuerstein, o método Singapura em Matemática ou o próprio método fônico da alfabetização, precisamos ter em conta que há uma multiplicidade métodos pedagógicos superiores aos de Paulo Freire e sua Pedagogia do Oprimido, tão difusa, sendo aplicada na educação brasileira há pelo menos 50 anos e, de forma geral, apresentando resultados desastrosos. Há também uma riqueza no ensino antigo e medieval que não pode ser simplesmente jogada no lixo, como se fosse um objeto material que se desgastou com o passar do tempo. A retórica clássica envolve os sentimentos, os costumes, a razão e a docilidade no ensino para que de fato os alunos consigam entender o que é passado. Muita ênfase é dada nas técnicas pedagógicas inovadoras enquanto formas vazias, no entanto a forma de transmissão não pode ser reduzida ao adestramento de crianças, como se essas fossem meros animais de estimação que precisam ser somente estimulados sensorialmente a fazerem o que é certo para ganhar um biscoito. A pedagogia materialista não compreende que a inteligência humana está para muito além de um simples processo biológico.
Nossos professores têm uma certa intuição disso, mas infelizmente muitos foram formados em escolas pedagógicas que veem o aluno como uma engrenagem de uma fábrica, educando em função do mercado ou como uma classe oprimida a ser instrumentalizada para a Revolução. Sem a metodologia adequada, as aulas se tornam maçantes e não há dinâmica de grupo ou tecnologia que reverta isso. Assim, é comum ver alunos sem interesse nas aulas e no conteúdo e professores desmotivados com seu trabalho, pois percebem que seu grande esforço tem pouco efeito no aprendizado.
A retomada da tradição
Podemos resumir a restauração do ensino com base na análise da filósofa Hannah Arendt, que argumentava que a crise da educação é uma crise de autoridade, religião e tradição. A autoridade é mais do que uma sugestão e menos do que um conselho. Diferente do poder de coação, a autoridade tem relação com a figura de quem fala. O professor que demonstra conhecimento e postura ética é mais facilmente ouvido. A tradição é a “democracia dos mortos” de que falava G. K. Chesterton, pois ela mantém vivo o que nos é legado pelo passado. Educação é tradição, ela introduz os alunos no patrimônio civilizatório de eras passadas. A religião é re ligare, a conexão que temos com uma experiência originária, o que nos remonta a nossa origem e ao nosso destino último. Por isso o grande pedagogo Hugo de São Vitor diz que a humildade é o princípio do aprendizado. O humilde consegue elevar sua mente para a contemplação da verdade deixando de lado o orgulho que nos afasta do aprendizado de ideias para as quais não necessariamente estamos predispostos, a humildade é a janela para encontrarmos um sentido para nossa vida.
Por fim, relembro uma experiência pessoal em que falei sobre esse tema para dois públicos diferentes na mesma semana. Um grupo foram os alunos da Faculdade de Educação da USP e o outro foi o de pais do colégio no qual eu dava aula, que tinha sua metodologia pautada por uma visão de ser humano com corpo e alma. A divisão não foi entre um grupo e o outro, mas interna dos grupos. Dentre os alunos da USP, os que tinham experiência de sala de aula foram os que tiveram maior receptividade as ideias que apresentei; dentre os pais, os que eram mais presentes na educação dos filhos foram igualmente os que entenderam melhor. Em uma cultura permeada de relativismo e confusão, o primeiro passo para entender a importância da religião, da tradição e da autoridade é a experiência concreta, que torna evidente as falhas do sistema atual de ensino e clama por uma reestruturação.
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