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“Sabe o que as pessoas ignoram ao comprarem rolos e mais rolos de papel-higiênico e álcool em gel? Eles ignoram o fato de nossas vidas serem dádivas. Somos abençoados por estarmos vivos. Tudo o que temos na vida é uma bênção. Nossa família. Nosso lar. Nosso emprego”.
Quem disse isso foi o motorista do Uber. Numa das minhas últimas viagens de Uber no futuro próximo, suponho. Ele é muçulmano e expressava um quê de paz ao me levar até a missa, no mesmo dia em que as missas passaram a ser proibidas aqui nos Estados Unidos. Eu sabia que isso estava acontecendo em Roma, mas, meu Deus, aconteceu aqui rápido demais.
Mais ou menos há um ano a imprensa noticiou que os católicos andam em crise quando se trata da devoção eucarística. Muitos não conhecem nem acreditam na doutrina católica da Presença de Cristo na Eucaristia. Sobre isso, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse que era um assunto difícil; ela falava da surpresa da neta sobre o assunto, quando de sua Primeira Comunhão. Para a fé, isso é a Graça.
Com as missas canceladas e as igrejas fechadas “numa abundância de precaução”, as pessoas perceberão o que estão perdendo? Será que isso nos tornará convictos quanto à verdade do Evangelho e nos fará vivermos ainda mais de acordo com essa verdade, mesmo em tempos de crise?
Li o testemunho de uma norte-americana cristã em Wuhan que refletia sobre seus 48 dias em quarentena. Ela, a família e os vizinhos tiveram uma sensação de comunidade como nunca antes. Eles passaram a se conhecer melhor e davam espaço uns para os outros com mais sensibilidade. Eles foram obrigados a parar. Ponto final. Para os que continuam saudáveis, isso pode ser uma bênção. Para os que adoeceram, temos de nos manter vigilantes no amor. E rezar para os trabalhadores da saúde e sacerdotes, que estão na linha de frente.
Também continuo pensando num homem chamado Patrick, que me deu um abraço na Catedral de Saint Patrick há alguns dias. Muitas coisas acontecem nas ruas de Manhattan, então acho que ninguém ficou pensando nisso na época. Não consigo deixar de me perguntar o que está acontecendo a Patrick agora. Ele me falou da ideia de encontrar as pessoas nas instituições de caridade católicas e me disse que prefere dormir na rua, e não em abrigos. Ele me falou de um belo saco de dormir que alguém lhe deu de presente — “Ele realmente me mantém aquecido!” — e que foi roubado num dos abrigos. Sempre que ouço as pessoas falando em quarentena, penso em Patrick.
Como Patrick ficará de quarentena? Agora que a vida de muitos de nós está em suspenso, talvez seja melhor rezarmos e pensarmos no que podemos fazer para ajudar os serviços de apoio que ele talvez tenha de usar com alguma dignidade.
Pessoas como Patrick me impressionam porque, apesar de seus problemas e da realidade brutal de suas vidas, eles expressam gratidão e bondade. Patrick parece ter esperança. Obviamente não conheço a história toda dele, nem toda a sua complexidade, mas ele parece uma pessoa simples — do tipo que todos nós poderíamos nos dar ao luxo de redescobrir.
Quando tudo começou a fechar, outra conversa que tive foi com um homem de 80 anos chamado Dennis. Ele me falou sobre seu filho Michael, que era tinha um bom emprego que acabou perdendo por causa da Doença de Crohn. Dennis me disse que o filho estava pedindo ajuda do governo, mas que até agora estava sem nada. Não é a ajuda do governo, contudo, o que Dennis quer para o filho. Ele quer que seu filho seja amado. Ele me disse que seu filho era bailarino e que não havia pensão capaz de ajudá-lo. “Não encontrarei um trabalho com a minha idade, nem meus talentos”. Então agora ele dirige Uber. “E não posso parar”, me diz ele. “Não sei o que farei se tudo realmente fechar”.
Há pessoas com dificuldade financeiras em tempos normais, tentando pagar suas contas e tem algo remotamente parecido com uma vida saudável, com relações saudáveis. Você talvez as conheça bem. Será que o coronavírus nos ajudará a nos enxergarmos e a nos amarmos? Esses tempos deveriam nos transformar. Nossas vidas talvez não sejam o que achávamos que eram. Nossa ideia de segurança talvez estivesse descalibrada. Se somos cristãos, confiamos mesmo ou isso não passa de palavras que às vezes dizemos quando rezamos?
Durante quanto tempo ouvimos as pessoas dizerem que “o que não nos mata nos fortalece”? Isso parece horrível numa época em que um vírus tão perigoso está se espalhando e ceifando vidas. Mas durante a Quaresma, numa época de transição entre as estações, esse vírus que está mudando a forma como vivemos por algumas semanas também é capaz de nos dar uma vida nova.
Kathryn Jean Lopez é membro do National Review Institute e editora da National Review