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Um terço das mulheres afirma já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar por um homem
Um terço das mulheres afirma já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar por um homem| Foto: Pixabay

Infelizmente não é incomum entre as mulheres brasileiras episódios de agressão protagonizados por seus companheiros: desconsideradas as mortes violentas, um terço delas afirma já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar por um homem — o que torna essencial entender como e quando ela acontece.

Como os serviços de proteção institucionalizados pela Lei Maria da Penha, considerada atualmente o principal mecanismo de combate à violência doméstica no Brasil, não foram implementados de forma homogênea em todo o território nacional, a tendência é que sua efetividade seja menor em locais com ausência de atuação do poder público em relação à questão.

Mesmo assim, ela gerou resultados positivos significativos quanto à redução da mortalidade feminina dentro de casa, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado em 2015. De acordo com a pesquisa, a legislação fez diminuir em cerca de 10% a projeção anterior de aumento da taxa de homicídios domésticos.

No Rio de Janeiro, por exemplo, um programa da Polícia Militar fez com que a reincidência de agressões às vítimas acompanhadas despencasse de 78,61% para 3,4% dos casos, apenas com a fiscalização do devido cumprimento das medidas protetivas.

Vale ressaltar: a violência conjugal masculina também existe. Porém, estudos sobre homens agredidos por suas parceiras ainda são escassos e pouco detalhados, e não há estatísticas oficiais em virtude do silêncio social e jurídico existente.

Vulnerabilidade social

Investigações sobre a natureza do problema devem adotar abordagem inclusiva, com metodologias que possibilitem ambos os sexos a relatarem suas experiências. Quanto às mulheres, há diversos estudos que evidenciam forte correlação entre condições financeiras e o risco de uma ser vítima de violência doméstica.

Um levantamento do DataSenado mostra que, entre as vitimadas brasileiras, quase 60% não têm renda ou recebem até dois salários mínimos, e apenas 28% exercem algum tipo de trabalho remunerado.

Outros estudos caminham nesta mesma direção, de que há maior incidência de agressões entre lares com maior vulnerabilidade social. Os economistas peruanos Gonzales de Olarte e Gavilano Llosa, por exemplo, exploraram a relação entre pobreza e violência doméstica ao entrevistar 359 mulheres em Lima, no Peru. Eles demonstraram que a porcentagem de mulheres pobres a sofrer agressões dentro de casa é maior que a de pertencentes a classes mais altas. No estudo, concluíram que a pobreza parece ser um fator agravante para todos os tipos de violência, especialmente a doméstica.

Como a violência doméstica é, geralmente, multifatorial, não é correto afirmar que o estresse econômico por si só desencadeia o comportamento violento que leva à agressão entre casais. Não se pode desconsiderar as influências, dentre outros agentes, do ciúme excessivo e da predisposição genética.

No entanto, embora seja verdade que famílias de classe média e alta também experimentem situações de agressões entre casais, há consenso de que, à medida que melhora a condição financeira de uma família, a probabilidade de ocorrer violência doméstica diminui. Nesse sentido, o problema pode ser econômico em sua origem: condições de vida ruins, deficiência de serviços básicos, ausência de oportunidades de lazer, altos níveis de consumo de bebida alcóolica, baixos níveis de escolaridade e déficit na provisão material para a casa são, igualmente, fatores associados.

A vizinhança também exerce um papel importante. Não apenas a agressão contra mulheres é vista com mais frequência em bairros economicamente vulneráveis, como a probabilidade de casos reincidentes é maior: enquanto a taxa de violência doméstica em bairros mais pobres é de 8,7%, em locais mais abastados, ela é equivalente a 4,3%.

Abuso econômico

Outro fator de influência é o abuso econômico: um mecanismo de controle pelo qual o agressor sabota as tentativas da parceira de obter e manter um trabalho remunerado, muitas vezes relacionado à violência física como forma de repressão. E, em virtude do comportamento agressivo e ameaçador de seus parceiros, é comum que mulheres vítimas de violência doméstica tenham maior dificuldade em continuar de forma estável em seus empregos. Essa questão acentua a dependência financeira, o que as força à permanência em relacionamentos abusivos.

Isso porque mulheres vitimadas registram mais atrasos e maior absenteísmo no trabalho, além de desenvolverem condições físicas e psicológicas que podem reduzir sua produtividade.

A literatura também aponta que homens desempregados têm maiores chances de cometer agressões contra parceiras. Michael Benson, professor da Universidade de Cincinnati, e Greer Fox, professora da Universidade do Tennessee, evidenciaram que, entre casais em que o homem tinha um emprego fixo, a taxa de violência doméstica foi de 4,7%, aumentando para 7,5% quando o parceiro havia tido uma experiência de desemprego, e escalou para cerca de 12,3% nos casos em que ele passou por dois ou mais períodos de desemprego.

A violência doméstica também gera custos econômicos, envolvendo geralmente assistência médica, aparato legal responsável e enormes custos de oportunidade.

Ter ciência desse tipo de correlação ajuda na formatação de políticas públicas que mitiguem ao máximo a ocorrência de novos casos. Instituição de creches, por exemplo, é uma medida eficiente e aumenta a renda familiar mais do que programas como o Bolsa Família. Segundo apontou estudo da Universidade de Rochester, as creches públicas aumentam em até 44% a chance de uma mãe conseguir emprego. Há, portanto, um potencial significativo de aumento de participação feminina no mercado de trabalho e de consequente redução da pobreza.

Assim, muito além de rigorosa aplicação da Lei Maria da Penha, o crescimento econômico pode exercer um papel singular no combate à violência doméstica, não devendo-se desconsiderar sua capacidade de contribuição.

Fora do âmbito econômico, também há projetos de legislações diversos em desenvolvimento, como o divórcio automático para vítimas de violência doméstica, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, e outro voltado para a liberação da compra e porte de sprays de pimenta e armas de eletrochoque para mulheres a partir dos 18 anos — atualmente, itens classificados como sendo de uso restrito das forças de segurança pública.

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