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Um panorama mais detalhado das perdas educacionais das crianças na pandemia está se formando. Em outubro, o Centro Nacional de Estatísticas da Educação dos Estados Unidos publicou um relatório de quedas nas notas das crianças em todos os estados do país, especialmente na matemática. Jovens que terminaram a escola no período estão chegando com sérias deficiências às universidades, quando chegam. As matrículas para o ensino superior caíram 4,2% nos EUA desde 2020, revelam dados preliminares do Centro de Pesquisa do Estudante Nacional Clearinghouse. O ensino remoto e o fechamento de escolas são os principais culpados.
Os vários sinais de problemas “todos demonstram que temos uma crise”, disse ao New York Times Stanley Litow, professor de políticas públicas na Universidade Duke e ex-secretário das escolas públicas da cidade de Nova York. Ele comentou também que os estudantes mais afetados são de grupos “que estamos mais interessados em ajudar ao máximo”, como os de baixa renda, negros e hispânicos, que parecem “estar se movendo na contramão”. Uma instituição de ensino superior historicamente dedicada aos negros do estado da Carolina do Sul, Benedict College, viu o número de matrículas cair de uma média de 700 antes da pandemia para 378 este ano.
Professores das letras relatam menos dificuldades nos calouros, mas relatam maiores níveis de ansiedade e menor disposição deles de buscar ajuda. Uma enquete do New York Times envolvendo 362 conselheiros escolares feita em abril mostrou que 86% deles relatam que as crianças têm mais dificuldade de se concentrar na sala de aula, em comparação ao período anterior à pandemia. Para 94%, os alunos têm mais sinais de ansiedade e depressão. Na opinião de 88% dos conselheiros, as crianças agora têm maior dificuldade de regular suas emoções, e para 85% o comportamento problemático que mais aumentou foram as ausências crônicas. O conselheiro escolar é um cargo comum nos Estados Unidos que envolve formação em terapia psicológica.
Os pais concordam: em uma pesquisa do Pew Research Center, que ouviu mais de três mil deles com filhos com faixa etária da pré-escola ao ensino médio, 61% disseram que o primeiro ano da pandemia teve um impacto negativo na educação e saúde emocional de suas crianças.
Maior queda em décadas
O declínio de habilidade em matemática entre os estudantes americanos foi o maior já observado desde que a avaliação com os atuais métodos foi inaugurada no começo dos anos 1990. As crianças de nove anos de idade caíram aos níveis de matemática e leitura de duas décadas atrás, a primeira queda observada desde os anos 1970. As piores notas caíram quatro vezes mais que as melhores notas. A amostra do Centro Nacional de Estatísticas da Educação é de 14.800 alunos de nove anos. Seu teste, conhecido como Avaliação Nacional de Progresso Educacional, é considerado o melhor termômetro educacional dos Estados Unidos, pois é padronizado, manteve-se consistente ao longo dos anos e não leva a punições contra as escolas pelos resultados.
A avaliação mostrava meio século de progresso, mais forte entre os governos Clinton e Bush, interrompido pela pandemia. O ensino à distância com ferramentas como o Zoom e o fechamento de escolas foram comuns no país — em grandes centros urbanos, nos distritos escolares que atendem a população de baixa renda, as escolas públicas chegaram a ser trancadas por meses seguidos. Uma análise dos efeitos das medidas de lockdown liderada por Casey Mulligan, do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, concluiu que “houve uma forte relação entre os estados que tiveram um desempenho econômico ruim e escolas fechadas”. O fechamento de escolas não mostrou relação com melhores ou piores resultados em saúde.
O estado da Flórida manteve 96% de suas escolas abertas em 2020 e 2021. Isso não impactou a mortalidade por Covid local, que está dentro da média do país. A Suécia não adotou o fechamento de escolas, entre outras medidas sanitárias restritivas, indo na contramão da pressão internacional, e não teve perdas educacionais enquanto manteve uma taxa de excesso de mortes no período melhor que a média da Europa.
E o Brasil?
Um estudo de junho de 2021, de primeira autoria de Guilherme Lichand, economista da Universidade de Zurique (Suíça), considerou os efeitos do ensino à distância no estado de São Paulo, um dos estados que mais fizeram lockdown. Os autores descobriram que o ensino remoto foi associado a um aumento de 365% no risco de abandono da escola. Além disso, com base na queda das notas em provas, calcularam que os alunos aprenderam apenas 27,5% do conteúdo que teriam aprendido se as aulas fossem presenciais.
Os métodos permitem excluir como causas a própria Covid-19 e seus impactos econômicos, o que significa que esses resultados podem ser atribuídos com segurança às políticas de fechamento de escolas e ensino remoto. “Os custos sociais de manter as escolas fechadas na pandemia são muito altos”, concluem os pesquisadores. A evasão observada não tem equivalente nos países desenvolvidos. “É provável que tais impactos enormes tragam efeitos longevos nos níveis de emprego, produtividade e pobreza”. O estudo foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo.
Um relatório de 2020 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calculou que, se houvesse uma perda educacional com um certo valor mínimo só naquele ano, com retorno à normalidade depois, isso representaria uma perda de 1,5% do produto interno bruto futuro dos Estados Unidos, uma perda econômica de US$14,2 trilhões (R$73,1 trilhões). A queda de desempenho escolar observada no estudo de São Paulo é o triplo do valor mínimo utilizado na projeção da OCDE.