Os sindicatos serão capazes de sobreviver ao século 21? Há 18 anos, dois especialistas do European Trade Union Institute for Research responderam que provavelmente não. Jeremy Waddington e Reiner Hoffmann publicaram no ano 2000 um estudo de 713 páginas explicando os motivos. O sindicalismo estava perdendo o bonde da história, eles alegaram. Não acompanhava mais as mudanças profundas que estavam acontecendo nos modos de produção e na organização do mercado de trabalho.
No caso brasileiro, os dois pareciam errados: afinal, a maior central sindical do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que hoje tem 3,9 milhões de filiados, chegou a emplacar seu presidente, Luiz Marinho, como ministro do Trabalho entre 2005 e 2007.
Em 2018, o baque finalmente chegou: o fim da contribuição sindical obrigatória, definido pela Lei 13.467, de julho de 2017 e confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em junho deste ano, transformou para sempre os sindicatos do país. No momento em que cada trabalhador pôde escolher se colabora livremente com o sindicato de sua categoria profissional, as receitas despencaram.
Crise presente
A contribuição sindical obrigatória surgiu por decreto em 1940, antes mesmo da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Consistia no pagamento de um dia de trabalho, descontado em folha de pagamento. Os empregadores também contribuíam, com alíquotas que variavam entre 0,02% e 0,8% do capital social da empresa. O fim da obrigatoriedade provocou queda brusca na arrecadação nos sindicatos, o que implica queda vertiginosa no caixa das centrais sindicais.
A CUT, por exemplo, está perto de deixar a sede que ocupa há 23 anos, no bairro do Brás, em São Paulo. A venda do imóvel de sete andares já foi aprovada pela Executiva da central. O motivo: se em 2017, de janeiro a agosto, a CUT recebeu R$ 54 milhões vindos da contribuição sindical, em 2018, nos mesmos oito meses, o valor despencou para R$ 2,5 milhões. Em consequência, 65 pessoas foram demitidas, ou 45% do quadro de pessoal.
Já a Força Sindical, que por enquanto conta com 1,279 milhão de filiados, reduziu os funcionários de 177 para 14. Muitas subsedes, que ficavam em imóveis alugados, foram fechadas. Outras, instaladas em imóvel próprio, ainda existem, mas ficam vazias em boa parte do tempo, e poderão ser vendidas. A entidade também está prestes a se desfazer de sua sede, que fica no bairro da Liberdade, em São Paulo.
“Vamos propor a venda na reunião da Executiva do próximo dia 5”, informa o primeiro-secretário da entidade, Sérgio Luiz Leite, que é também presidente da Federação dos Trabalhadores Químicos do Estado de São Paulo.
“O orçamento de 2018 diminuiu 90% em relação ao ano anterior”, explica Sérgio. “Qualquer negócio, instituição, empresa, que tenha uma queda de receita deste porte, em um único ano, fica perto da insolvência”.
No caso dos sindicatos da indústria química, eles deverão passar por fusões. “É difícil, muitas vezes são três presidentes, três tesoureiros, e a fusão forçaria a saída de dois. Mas vai ser necessário”.
Serão menos sindicatos, com equipes menores – e festas mais modestas, como aconteceram no primeiro de maio de 2018 (tanto a CUT quanto a Força reduziram o tamanho dos shows que costumam realizar neste feriado, na capital paulista).
De acordo com projeções do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ligado à CUT, os sindicatos brasileiros, que hoje empregam 300 mil pessoas, vão perder um terço dessa força de trabalho – serão 100 mil pessoas a menos, ao longo dos próximos anos.
Benefícios futuros
Apesar do bom momento experimentado durante os governos mais alinhados aos sindicatos, entre 2002 e 2016, as entidades não conseguiram aumentar sua adesão junto à sociedade. Antes mesmo da reforma na legislação trabalhista, a taxa de sindicalização no Brasil já vinha caindo.
Nos anos 1990, cerca de 20% dos trabalhadores brasileiros eram afiliados a algum sindicato. Em 2012, eram 16,2%. Em 2017, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são apenas 14,4%.
“O sindicalismo não transformou em prestígio político os momentos de maior adesão social aos governos do PT e do kirchnerismo, e não é uma instituição popular nos dois países”, afirmam os pesquisadores Adalberto Cardoso, coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos do Trabalho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e Julián Gindin, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, em um estudo sobre a história recente dos movimentos sindicais no Brasil e na Argentina.
O mais curioso é que tanto CUT quanto Força Sindical defendiam o fim da contribuição sindical obrigatória – só não contavam com sua retirada abrupta. Para as duas entidades, o melhor modelo de remuneração é aquele em que cada sindicato recebe, do trabalhador, uma contribuição com base nos benefícios que conquistou.
“Se o sindicato conseguiu um bom reajuste salarial, ou um acordo de Participação nos Lucros e Resultados, o trabalhador beneficiado poderia contribuir proporcionalmente a esses valores conquistados”, alega Sérgio Luiz Leite. “Desta forma, os sindicatos seriam beneficiados pela própria produtividade”.
Esse tipo de acordo precisaria ser aprovado, caso a caso, em assembleias coletivas. “Precisamos encontrar um modelo alternativo, uma reorganização. O trabalhador poderá ser beneficiado com essas mudanças”.
As mudanças a que Sérgio Luiz Leite se refere vão passar, necessariamente, por uma redução no número de sindicatos. Quando a Reforma Trabalhista foi aprovada, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, previu que, dos 11.300 sindicatos que representam trabalhadores no Brasil (outros 5.100 são patronais), 30% deverão desaparecer, o que significa que sobrariam 7.900 sindicatos. Ainda assim, é muito.
Modelo ultrapassado
Só em 2017, foram abertos 289 sindicatos no Brasil. Enquanto a contribuição sindical obrigatória existia, eles receberiam uma parcela do bolo – que, no ano passado, o último em que a contribuição ainda era obrigatória, foi de R$ 3,54 bilhões, o dobro do orçamento anual do Ministério do Esporte.
O hábito de abrir sindicatos gerou absurdos evidentes, como a existência de um Sindicato da Indústria de Guarda Chuvas e Bengalas de São Paulo, ou um Sindicato das Indústrias de Camisas para Homens e Roupas Brancas de Confecção e Chapéus de Senhoras do Município do Rio de Janeiro.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, que têm população economicamente ativa maior do que o Brasil, são apenas 190 entidades. Elas funcionam como escritórios de assessoria jurídica: são contratadas para prestar serviços específicos e ganham comissão – não existe, portanto, monopólio.
Já na Alemanha, toda a estrutura é diferente: existem sindicatos nacionais, organizados de acordo com o setor de atividade. Para as negociações do dia-a-dia, existem os chamados comitês de empresa, que podem ser formados por cinco empregados, no mínimo. Eles nem sequer precisam estar ligados a nenhum movimento sindical para apresentar, como grupo, suas próprias reivindicações.
Reunir pequenos grupos organizados, no Brasil, é contra a lei. Isso porque uma questão, que a nova legislação trabalhista não alterou, é a forma como os sindicatos brasileiros se organizam: o sistema de representatividade dos trabalhadores é o de unicidade sindical.
Isso significa que não podem existir dois sindicatos concorrentes, para a mesma categoria profissional, na mesma região. Trata-se, portanto de um monopólio.
Esse é um resquício dos tempos em que os sindicatos brasileiros foram moldados: a era Vargas colocou as entidades sob o controle do Estado. No que depender das centrais, isso não vai mesmo mudar. “Nossa proposta é continuar representando todos os trabalhadores”, afirma Sérgio Luiz Leite, da Força Sindical.