O termo “idiota útil”, geralmente creditado a Vladimir Lênin, se aplica a pessoas que apoiam uma causa ou movimento prejudicial a seus próprios interesses. O termo é mais relevante do que nunca no Vale do Silício, um lugar dominado por tecnólogos e publicitários brilhantes que parecem ter a precisão social e política de alunos do ensino fundamental, o que fica claro no apoio deles a democratas progressistas que pretendem destruir as bases de seus negócios.
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, deve sancionar em breve a Lei 5 (AB5), recentemente aprovada pela assembleia legislativa do estado. A lei vai transformar funcionários autônomos em empregados. A AB5 regulamenta a decisão unânime da Suprema Corte da Califórnia, de maio de 2018, no caso Dynamex Operations West, Inc. vs. Suprema Corte de Los Angeles, que determinou que muitos funcionários autônomos devem ser tratados como funcionários. Os principais apoiadores da lei são os sindicatos, que a veem como a forma ideal de organizar trabalhadores hoje fora de seu alcance.
Mas a nova medida tem um potencial devastador, porque empresas como a Uber, Lyft e Postmates nasceram em torno de pessoas que não trabalham em tempo integral - e nenhuma delas dá lucro. Muitas das empresas de alta tecnologia – incluindo as lucrativas — usam autônomos para tudo, desde o desenvolvimento do aplicativo até a limpeza. Aproximadamente 2 milhões de californianos estão empregados dessa forma. Se a AB5 for mesmo sancionada, o desemprego não será sentido apenas pelas empresas de carona compartilhada, mas também por muitos outros negócios, entre eles jornais, pequenas transportadoras, alguns provedores de serviços médicos e até mesmo donos de franquias.
Nas décadas de 1980 e 1990, o Vale do Silício, assim como vários outros setores, apostaram tudo nos partidos políticos. Republicanos moderados como Pete McCloskey, Ed Zschau e Tom Campbell venceram várias eleições para o Congresso, assim como vários deputados estaduais. Nas últimas décadas, contudo, o Vale se tornou um lugar politicamente monocromático, praticamente sem eleger nenhum republicano. Quase todas as contribuições de campanha dos donos e funcionários de empresas do Vale do Silício nas eleições de 2016 e 2018 foram para os democratas.
O dinheiro dessas empresas ajudou o governador Newsom a ter três vezes mais votos do que seu rival republicano — com importantes contribuições feitas pela ex-CEO do Yahoo, Marissa Mayer, e Laurene Jobs (viúva do fundador da Apple) no topo da lista de doadores. O ex-presidente do Google, Eric Schmidt, chefiou várias pesquisas de dados para candidatos democratas à Presidência, como Joe Biden, Kamala Harris, Cory Booker e a arquipopulista Elizabeth Warren. Os funcionários das empresas de tecnologia são ainda mais progressistas do que seus patrões em suas contribuições políticas.
Há poucos anos, esses investimentos pareciam estar valendo a pena. A administração Obama respeitava as empresas de tecnologia, abstendo-se de qualquer coisa semelhante a uma ação antitruste. Os representantes do Google se reuniam na Casa Branca semanalmente e mais de 250 pessoas se revezaram trabalhando para Obama e para o Google durante seu mandato. Hoje, essa relação está em perigo. O Google está sendo processado por práticas de monopólio em 48 estados. Ainda que a progressista Califórnia tenha ficado de fora da disputa, a AB5 demonstra que os magnatas da tecnologia também estão perdendo força lá para sindicatos e corporações mais bem organizadas e politicamente hábeis.
O poder dos sindicados
A nova legislação mostra como o poder foi transferido para os sindicatos. Além de proteger os funcionários autônomos, os sindicatos romperam com as empresas de tecnologia no que diz respeito à reforma educacional, tema de discussão importante no Vale do Silício. Sob a atual supermaioria legislativa, os democratas têm varado a noite para garantir que as escolas californianas — em 40º lugar no ranking de desempenho escolar da Education Week — continuem medíocres graças ao sucateamento das escolas semiprivadas, o fim das provas de saída e das suspensões para alunos desobedientes e, como sugere uma proposta recente, a introdução de um novo currículo de estudos éticos para os alunos das escolas públicas.
Os sentimentos progressistas da casta governante da Califórnia não se traduziram em benefícios econômicos. De acordo com uma análise de Marshall Toplansky, da Universidade Chapman, a Califórnia criou surpreendentemente poucos empregos com altos salários na última década, com 86% dos empregos pagando menos do que a média nacional e cerca de 40% pagando menos de US$40 mil — isso num dos estados mais caros do país.
Numa economia dominada pela tecnologia, praticamente todos os outros setores cresceram mais lentamente, com resultados inferiores em lugares que são a sede de importantes concorrentes, como Texas e Arizona. A liberalidade do Vale do Silício não ajudou nem a classe média do estado, já que aproximadamente 40% de todos os empregos nas empresas de tecnologia foram para trabalhadores estrangeiros.
A Califórnia, na verdade, está criando uma enorme classe de trabalhadores com dificuldade para alcançar qualquer coisa que se aproxime do padrão da classe média. Os autônomos são um símbolo disso. Uma pesquisa com trabalhadores de 75 países descobriu que a maioria deles ganha menos do que o salário mínimo, até mesmo nos Estados Unidos. Cerca de metade dos trabalhadores autônomos da Califórnia lutam contra a pobreza. Não é difícil explicar o porquê: eles não têm muitas das proteções básicas dos funcionários contratados, como, por exemplo, a aplicação das leis de direitos civis.
Alguns progressistas explícitos como Chris Lehane e David Plouffe (que foi o administrador da campanha de Obama em 2008), asseguram que a “economia terceirizada/de trabalho temporário está “democratizando o capitalismo” ao devolver o controle do dia de trabalho ao indivíduo. Eles mencionam as oportunidades que essa economia gera para que as pessoas ganham um dinheiro extra usando seus carros ou casas. A Uber e a Lyft chamam seus funcionários de autônomos ou empregados criativos que varam a noite trabalhando para economizar para uma viagem de férias ou um encontro caro. Isso talvez se aplique a alguns, mas muitas outras relações do gênero se parecem mais com uma forma moderna de escravidão.
A batalha está só começando
A batalha entre o Vale do Silício e os progressistas de orientação socialista está só começando, tanto na Califórnia como no restante dos Estados Unidos. A elite democrata tradicional foi recrutada para defender os líderes das empresas de tecnologia. A ex-senadora Barbara Boxer trabalha para a Lyft e Tony West, cunhado da candidata à Presidência Kamala Harris, faz parte do conselho da Uber. Eles estão ajudando a direcionar uma torrente de dólares para Sacramento e Washington a fim de conter a maré reversa, incluindo uma medida compensatória de US$90 milhões para deter a AB5.
Por quanto tempo os líderes do Vale do Silício aceitarão essas condições? Tanto a Uber quanto a Lyft transferiram parte de suas operações para outros estados, a Lyft para Nashville e a Uber para Dallas. A Apple abriu um enorme escritório perto de Austin. Mas talvez não haja escapatória se Elizabeth Warren ou Bernie Sanders acabarem na Casa Branca, sobretudo com a maioria democrata nas duas casas do Congresso. Nessas circunstâncias, as grandes empresas de tecnologia provavelmente serão tratadas em Washington com o mesmo desprezo que a Amazon enfrentou da congressista Alexandria Ocasio-Cortez, cada vez mais a porta-voz nacional dos radicais do partido, em Nova York.
Se Warren ganhar, as empresas e seus trabalhadores com salários mais altos terão de colocar trabalhadores nos conselhos e pagar impostos altos para financiar programas maiores de Seguridade Social e saúde pública. A legislação sobre a privacidade pode impedir seus negócios lucrativos baseados no rastreamento e na coleta de dados, e leis antitruste podem provocar a falência de empresas como Google e Facebook. Ao menos um progressista, o senador Ron Wyden, do Oregon, já sugeriu que Mark Zuckerberg deve enfrentar “a possibilidade de um tempo na prisão”.
A elite das empresas de tecnologia financia um Partido Democrata que hoje parece defender o socialismo, e não o capitalismo. O movimento socialista está contaminando até mesmo os funcionários do Vale do Silício, muitos dos quais não veem oportunidade de juntar dinheiro o bastante para comprar uma casa na região. Assim como os aristocratas franceses que apoiaram as ideias revolucionárias no fim do século XVIII se perceberam desfilando em carro aberto em meio à multidão furiosa rumo à guilhotina, as elites do mundo da tecnologia gastam fortunas promovendo a política “consciente” que está se voltando contra elas. Eles talvez não percam a cabeça, mas verão suas riquezas roubadas por ex-aliados. Isso não poderia acontecer a um grupo mais merecedor, autocentrado e inteligente de... bom, idiotas.
Joel Kotkin é bolsista em estudos urbanos na Universidade Chapman e diretor-executivo do Center for Opportunity Urbanism.
© 2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês