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‘2001’ usou a década da exploração espacial para rir do orgulho norte-americano | Reprodução
‘2001’ usou a década da exploração espacial para rir do orgulho norte-americano| Foto: Reprodução

No começo do ano, ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, de Stanley Kubrick, foi relançado no formato quadrangular do Imax, o que arruinou o seu formato original retangular, mas a maioria dos críticos e muitos entusiastas do cinema nem notaram a diferença. Esse estado de ingenuidade dos espectadores exemplifica o desprezo dos millennials pela história, incluindo a base moral e estética de nossa herança cultural. 

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Com o ressurgimento conveniente de sentimentos socialistas, comunistas e marxistas na imprensa, universidades e entre políticos desesperados de esquerda, vale a pena revisitar o ano da obra-prima de Kubrick para ver como ele antecipou a reviravolta cultural de hoje e a perceptível decadência do cinema risível e patético de 2018. Marx sabia bem: “a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa”. 

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Os filmes de 1968 ressuscitaram as vanguardas cinematográficas em gênero, estrutura narrativa e relevância social. Foi o início de uma agitação cinematográfica que explodiria nos anos 1970, mas os filmes também complementaram a revolta política dos anos da Guerra do Vietnã, da liberação feminina, dos tumultos urbanos e do recrutamento militar — temas que voltariam para assombrar a virada do milênio. Hoje, os filmes memoráveis de 1968 nos acusam, perguntando: “O que aprendemos?” 

‘2001: Uma Odisseia no Espaço’

Não foi o melhor filme daquele ano, mas seu caráter lendário superou e muito o da concorrência. Nada menos do que uma comédia épica sobre a estupidez humana desde a Idade da Pedra, ele usava a década da exploração espacial para rir do orgulho norte-americano. Hoje, ‘O Primeiro Homem’ faz cara feia para o excepcionalismo norte-americano, transformando o antigo maravilhamento otimista do produtor-executivo Steven Spielberg (um devoto de Kubrick) num cinismo sombrio, antiamericano e “antiotimista”. Acabaram as aspirações. Não é de se admirar que tenha sido um fracasso. 

‘Week-End à Francesa’

A antagônica profecia de Jean-Luc Godard da revolução e do “fim do cinema” se mostrou visionária demais, mas ainda é emocionante assistir a ela. Esse desfile de estupidez humana retrata compulsões sociais ainda em voga, do sexo ao materialismo, atingindo o auge numa longa cena filmada num único take de um engarrafamento que resume bem a condição da modernidade. Ainda é o melhor filme de 1968. 

‘A Chinesa’

Godard trabalhava rapidamente e os distribuidores norte-americanos demoraram para importar essa sátira ao caso de amor da juventude ocidental com a revolução, mas o tema continua relevante — e suas cores primárias inspiradas na escandalosa Pop-Art são impressionantes. Meninos e meninas de uma célula maoísta parisiense confundem fervor e virtude. A perda de sua humanidade interpessoal se transforma numa triste comédia de implicações sociais. Todos ainda podem aprender com este filme que ninguém mostrou ao fantoche do controle de armas David Hogg. 

‘Vergonha’

Ingmar Bergman profetizou a guerra ao Ocidente. A desintegração do casamento de classe média alta de Max von Sydow e Liv Ullmann, no preto-e-branco cristalino de Sven Nykvist, era semelhante ao colapso moral do conflito mundial. 

‘Romeu & Julieta’

Finalmente uma versão adolescente de Shakespeare. Franco Zeffirelli transcendeu o cálculo mercadológico com genialidade oportuna, romance e beleza. A tragédia da juventude reduzida às negociações políticas. Um filme que ninguém jamais mostrou a um Antifa. 

‘A China Está Próxima’

Marco Bellocchio enfrenta o perigoso apelo da política radical e encontra as raízes dela na desintegração emocional de uma família italiana de classe média na qual a neurose é passada adiante como herança. 

‘A Bela da Tarde’

Luis Buñuel entendia bem como a esquerda projeta seus medos e pecados nos adversários. A burguesia pervertida de Catherine Deneuve representa a estupidez das meninas do movimento #MeToo. A sátira erótica genial destrói a pretensão feminista. 

‘Tempo de Guerra’

Godard mais uma vez resume o desperdício da guerra diante do colapso da civilização. Revolucionários armados confundem artefatos culturais (a grande sequência na qual cartões-postais condensam a história humana) e depois se lembram de seus anseios mais profundos. É tarde demais? 

‘O Planeta dos Macacos’

Darwin de ponta-cabeça no qual a exploração espacial de Charlton Heston se confronta com a hipocrisia social contemporânea. Como o animal interior ameaça o homem civilizado. 

‘Oliver!’

A alegre adaptação musical de Charles Dickens e o filme que deu o Oscar de Melhor Diretor para Carol Reed mostra como diferenças de classe sempre escondem um humanismo comum até que a boa-vontade triunfe. 

‘Condenado pela Máfia’

Elio Petri compreende a dificuldade de aceitar o pensamento religioso, particular e acadêmico no conflito social. Gian Maria Volontè, possivelmente o maior ator de cinema da Itália, expressa um estado de choque constante. 

‘O Despertar Amargo’

O conflito menino-menina de atração e alienação que os millenials fingem viver acabou. Os ícones jovens Anthony Perkins e Tuesday Weld personificam o eterno grito “Eu, também!” por parte dos dois sexos. 

‘A Noite os Mortos-vivos’

George Romero viu os distúrbios raciais como um filme de zumbis, antecipando-se ao desconforto “pós-racial” que definiu a insegurança da era Obama. 

‘Revanche Selvagem’

O irresistível faroeste de amizade de Burt Lancaster e Ossie Davis satirizava a economia da escravidão e deveria ter rendido a Davis um Oscar. 

‘Na Mira da Morte’

O emocionante drama de assassinato de Peter Bogdanovich que examina o fenômeno do lobo solitário é ainda oportuno. 

‘O Poder Negro’

Num ato de compaixão social, Jules Dassin transformou ‘O Delator’, de John Ford, numa conto-de-fadas norte-americano negro, cheio de tensão urbana. 

‘Quem Anda Cantando Nossas Mulheres’

A comédia de Brian De Palma sobre a fuga do alistamento militar obrigatório também estava cheia de paranoia da contracultura; as duas coisas mudariam o patriotismo norte-americano para sempre. 

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Vale lembrar que a Lista dos Dez Melhores Filmes de 1968 feita pelo New York Times mencionava apenas dois destes filmes. A errática crítica de cinema Renata Adler afirmava as preferências intelectuais do jornal com filmes como ‘Faces’, ‘O Bebê de Rosemary’, ‘A Noiva Estava de Preto’, ‘A Festa e os Convidados’ e ‘O Quinto Cavaleiro é o Medo’ — os mesmos preconceitos políticos esquerdistas e agnósticos da grande imprensa de hoje. 

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Os melhores filmes de 1968 sobrevivem ao teste do tempo e, cinquenta anos mais tarde, eles ainda concorrem com nossos filmes atuais que repetem os mesmos temas, mas desta vez como farsa. 

Armond White, crítico de cinema, escreve sobre filmes para a National Review e é autor de ‘New Position: The Prince Chronicles’, disponível na Amazon 

Tradução Paulo Polzonoff

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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