Ao fim da Guerra Fria, especialistas em política internacional de todo o espectro ideológico nos garantiram que as coisas haviam mudado. As guerras de conquista territorial tinham acabado. As guerras por petróleo em breve seriam coisa do passado. No mundo cada vez mais interligado, encontraríamos a paz.
Em “O Lexus e a Oliveira”, Thomas Friedman sugeriu, em 1999, que nenhum país com filial do McDonald's entraria em guerra com outro que também tivesse uma filial do "Méqui". Em “O Fim da História”, Francis Fukuyama disse que “chegamos ao fim da evolução ideológica da Humanidade e à universalização da democracia liberal ocidental como a forma definitiva de governo humano”.
O Ocidente se pôs a provar essas teses questionáveis adotando o que pode ser chamado de “política externa de avestruz”: uma disposição em deixar as questões de segurança em segundo plano, buscando alegremente objetivos utópicos.
A Alemanha passou décadas se transformando num país cada vez mais dependente do gás e petróleo russos, ao mesmo tempo em que tentava realizar o sonho da energia verde e reduzia seu orçamento militar para uma porcentagem mínimo do PIB. A França agiu da mesma forma. E também o Reino Unido.
O Ocidente investiu em mais interdependência econômica, por meio do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio, mais diplomacia em Davos e na ONU. E o mais importante: o Ocidente investiu em sua própria indisposição em reconhecer a realidade.
Em 2012, quando Mitt Romney cometeu o erro básico de lembrar aos norte-americanos que a Rússia era um adversário geopolítico, o presidente Barack Obama zombou dele. Assim como a imprensa submissa a Obama. Disseram que Romney ainda estava nos anos 1980.
Quando concorrentes agressivos deixaram claro que não acatariam a visão ocidental de um grandioso futuro materialista combinado com um estatismo assistencialista — que eles acreditavam que suas histórias nacionais ainda estavam sendo escritas e que suas ambições territoriais milenares ainda estavam vivas — o Ocidente simplesmente optou por ignorar.
Quando a Rússia invadiu a Geórgia, em 2008, o Ocidente não fez nada. Quando a Rússia invadiu a Crimeia, em 2014, o Ocidente não fez nada. Quando a China ignorou o tratado com o Reino Unido e se apoderou de Hong Kong, em 2020, o Ocidente não fez nada. E, claro, o presidente Joe Biden retirou precocemente o apoio norte-americano ao regime afegão, entregando-o ao Talibã.
O Ocidente decidiu que criaria um mundo sem guerras simplesmente deixando de travar guerras. Agora, porém, o Ocidente está descobrindo que a guerra é um jogo que exige dois jogadores. O presidente russo Vladimir Putin percebeu a fraqueza ocidental como um estímulo para sua grandiosa jogada estratégica: a destruição e ocupação da Ucrânia.
E o Ocidente ficou surpreso com a realidade: sim, os adversários da hegemonia norte-americana são territorialmente ambiciosos. Sim, eles querem mais do que apenas a entrada no mercado mundial. Sim, eles estão dispostos a matar e a invadir para alcançar seus objetivos. O tempo e a tecnologia podem ter mudado, mas a natureza humana continua a mesma.
Como escreveu em 1940 George Orwell sobre a ascensão nazista, “quase todo o Ocidente e praticamente toda a intelectualidade ‘progressista’ pensavam que os seres humanos não queriam nada além da vida fácil, da segurança e de uma existência sem sofrimento. (...) Hitler, com sua mentalidade isenta de alegria, sente isso com uma força excepcional e sabe que os seres humanos não querem apenas conforto, segurança, menos horas de trabalho, higiene, controle de natalidade e bom-senso. Eles também querem, ao menos intermitentemente, lutar e se autossacrificar, sem falar nos tambores, bandeiras e demonstrações públicas de lealdade”.
O Ocidente se impôs e desafiou Hitler. Parece que o Ocidente novamente está despertando para desafiar a agressão russa. Só podemos esperar que o recém-descoberto compromisso ocidental a uma ideia antiga — a ideia de que a liberdade só pode ser garantida por meio da vontade ocidental e do poder militar — dure mais do que a invasão de Putin.
Do contrário, veremos a instauração de uma nova ordem mundial continuará em detrimento de um Ocidente que só agora está tirando a cabeça da areia.
Ben Shapiro é apresentador do “Ben Shapiro Show" e editor emérito do “Daily Wire”.