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Liberdade religiosa

Como regimes socialistas perseguiram (e ainda perseguem) a religião

Países comunistas compartilham esforços de minar a liberdade religiosa, com políticas de repressão e perseguição que afetam os praticantes da fé cristã. (Foto: Bigstock)

Ditaduras comunistas resultam em redução das liberdades e repressão à população e essa perseguição não se limita ao campo político. Países comunistas no último século compartilham esforços de minar a liberdade religiosa, com políticas de repressão e perseguição que afetam especialmente os praticantes da fé cristã.

Para os comunistas, a explicação para a perseguição ao cristianismo está no fundador na ideologia, Karl Marx. No livro Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx afirma que “a religião é o ópio do povo”. De acordo com a ideologia, as religiões organizadas seriam uma ferramenta de continuidade da opressão da classe trabalhadora pelas classes dominantes.

Na União Soviética, a perseguição aos cristãos sob a doutrina marxista-leninista de ateísmo era uma política de Estado. O ataque contra a religião nos países do Pacto de Varsóvia foi inspirado na ideologia marxista-leninista que sustentava o “ateísmo militante”, uma doutrina que defendia a abolição da religião e a propagação do ateísmo. Membros do regime trabalharam incansavelmente para eliminar da esfera pública qualquer vestígio de religião.

Programa de Estado 

A atuação do regime soviético contra as igrejas foi metódica e precisa. Em 1918, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), sob o governo de Vladimir Lenin, implementou uma política de separação entre Igreja e Estado, o que significava que todas as propriedades da Igreja (incluindo mosteiros, obras sociais e até itens da liturgia) foram nacionalizados sem compensação. Sacerdotes, monges e freiras, especialmente os que se opunham ao regime, foram levados para o Gulag e muitos foram executados.

Em 1926, não haviam mais bispos católicos romanos na URSS. Os fiéis também enfrentaram o mesmo destino: foram dizimados por pelotões de fuzilamento, enviados para campos de trabalho forçado ou para hospitais psiquiátricos para “tratamento”. As escolas paroquiais e milhares de igrejas de todas as denominações cristãs foram fechadas ou transformadas em Museus do Ateísmo. Das quase 1.200 igrejas católicas que existiam em 1917, apenas duas ainda estavam ativas em 1941.

A repressão também se infiltrou nas escolas: o ensino da religião para menores de idade foi proibido e os estudantes eram incentivados a denunciarem os pais que mantinham sua fé. A partir de 1964, estudantes universitários eram obrigados a fazer um curso intitulado “Fundamentos do Ateísmo Científico”.

Uma organização chamada Liga dos Ateus Militantes, que contava com 5,6 milhões de membros em 1932, enviou missionários ateus para converter cidadãos soviéticos em partes rurais do bloco. A literatura ateísta, que reunia um total de 800 milhões de páginas, foi distribuída por toda a URSS. Para aqueles que não aceitaram mensagem, a Liga dos Ateus Militantes recorreu à implementação de uma abordagem sangrenta, prendendo clérigos e fiéis ou mandando-os para esquadrões de fuzilamento.

Anna Abrikosova, fundadora das Irmãs Religiosas da Ordem Terceira de São Domingos, foi presa pela OGPU (Obyedinyonnoye Gosudarstvennoye Politicheskoye Upravleniye, também chamada de Direção Política Conjunta do Estado, predecessora da NKVD e da KGB), passou vários anos na prisão e trabalhou em um campo de trabalho forçado durante oito anos até falecer em 23 de julho de 1936. Ela é agora reconhecida como uma Serva de Deus pela Igreja Católica.

“Documentos revelam que os católicos — padres e leigos — foram sistematicamente e implacavelmente espionados, presos, encarcerados em campos de trabalho, torturados e mortos”, diz Yury Avvakumov, professor de Teologia em Notre Dame. Ele ressalta que, mesmo com os registros históricos, a história da perseguição soviética é pouco difundida na Rússia: o governo russo empreende uma campanha de negacionismo dos horrores da história comunista.

“Arquivos referentes à história de perseguições pelo regime soviético estão se tornando cada vez menos acessíveis”, afirma Avvakumov. “Há uma clara tendência na Rússia contemporânea de negar as horríveis dimensões das perseguições comunistas e apresentar a história soviética sob uma luz idealizada”, acrescenta.

Tempos sombrios 

A empreitada do comunismo contra a fé cristã não ficou no passado. Hoje, a Coreia do Norte mantém políticas de repressão à religião, incluindo o cristianismo. Missionários sul-coreanos e americanos que atuam no país são presos por supostamente construir redes de igrejas clandestinas e tentar derrubar o governo de Kim Jung-un.

Para manter a narrativa de liberdade religiosa, o governo norte-coreano construiu quatro igrejas na capital Pyongyang. Na prática, porém, elas funcionam como artigos cenográficos, pois a prática religiosa é perseguida no país. Em uma igreja, os líderes religiosos eram oficiais de inteligência norte-coreanos que foram batizados rapidamente e elevados à liderança.

De acordo com a entidade de caridade cristã Portas Abertas, cristãos na Coreia do Norte relatam uma onda crescente de repressão à religião. Eles alegam ainda um aumento no número de prisões e sequestros de cristãos e missionários sul-coreanos e chineses.

“Um dia a distribuição de alimentos simplesmente parou. Não recebemos mais nada. O governo nos deu o conselho de ir para as montanhas, arrancar grama e fazer sopa com um pouco de sal”, diz Joo Eun, um cristão norte-coreano que agora vive na Coreia do Sul.

Kim Yun-tae, chefe da Unification Strategy Institution, uma entidade privada de pesquisa em Seul, afirma que ouviu testemunhos semelhantes sobre repressões religiosas e cristãos clandestinos durante entrevistas com mais de mil desertores da Coreia do Norte nos últimos 20 anos.

“De uma perspectiva externa, não há absolutamente nenhuma liberdade religiosa na Coreia do Norte”.

Contramão 

Na China, o regime de Mao Tsé-Tung estabelecido em 1949 resultou em repressão religiosa em larga escala. De acordo com suas raízes marxistas, o Partido Comunista da China se declara ateu. Como resultado, no auge da Revolução Cultural (1966-1976), os locais de culto foram demolidos, fechados ou reapropriados e as práticas religiosas foram banidas.

Desde a década de 1970, a China testemunhou um renascimento religioso, em particular um aumento no número de cristãos. O número de protestantes chineses cresce em média 10% ao ano desde 1979. Estima-se ainda que a China terá a maior população mundial de cristãos até 2030. Apesar do crescimento, a liberdade religiosa permanece restrita.

Novas regulamentações vigentes desde 2018 exigem um controle rigoroso dos lugares de culto, alguns deles forçados a instalar câmeras que transmitem imagens ao vivo para as autoridades locais. Recentemente em toda a China, foram removidas cruzes de igrejas e demolidas construções consideradas grandes demais, com objetivo de reduzir a visibilidade pública da religião.

Bob Fu, fundador do grupo de direitos religiosos ChinaAid, relata que as autoridades chinesas estavam tentando destruir as ramificações oficiais e não oficiais da igreja. Segundo ele, chefes de aldeias rurais afirmaram que os moradores foram obrigados a assinar documentos denunciando o cristianismo para não perderem benefícios sociais.

No país, a repressão não é feita apenas contra os cristãos: há perseguição aos budistas tibetanos e praticantes do Falun Gong, uma prática espiritual originária da própria China. Em Xinjiang, cerca de um milhão de muçulmanos uigures foram detidos em “campos de reeducação”. De acordo com o relatório “Eradicating Ideological Viruses: China’s Campaign of Repression Against Xinjiang’s Muslims” da Human Rights Watch, muitos muçulmanos foram detidos sem acusação formal, às vezes por atividades simples como orar, usar roupas islâmicas, recusar-se a comer carne de porco ou ler o Alcorão. As famílias das pessoas enviadas para os campos de reeducação não são informadas sobre onde seus parentes estão sendo mantidos ou quando serão libertados, e não há acesso à assessoria jurídica ou direito de recurso.

“Tenho esperança para o futuro, essas campanhas foram feitas no tempo dos romanos, sob Stalin e sob Mao, e nenhuma conseguiu nos destruir”, diz Fu. “Isso só terá o efeito oposto, e se os quadros do Partido Comunista estudassem História, veriam isso. Perseguições farão com que a igreja cresça mais rápido e ainda mais unida”, completa.

Momento atual 

Nos Estados Unidos, ex-presidente da Convenção Batista do Sul, Jack Graham, afirmou que socialismo e cristianismo são incompatíveis. Segundo ele, a ascensão da esquerda progressista do Partido Democrata, juntamente com uma série de preocupações como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, é parte de “uma batalha pela alma” da nação.

“O socialismo está fundamentalmente em desacordo com a cosmovisão cristã”, disse Graham, pastor da Igreja Batista de Prestonwood em Plano, Texas, em um sermão televisionado. “Ninguém que leva a sério sua fé cristã pode apoiar o socialismo”.

“O socialismo é totalmente secular e se baseia no ateísmo”, continuou Graham. “Nossa fé em Jesus Cristo é construída sobre a palavra de Deus... e com essa fé vem a liberdade de viver uma vida abundante com liberdade, mas Karl Marx, o pai do socialismo científico, considera todas as religiões de todos os tipos e, especificamente, o cristianismo, como o ópio das massas”, completou.

A resistência ao cristianismo também permanece em países da Europa Ocidental. Uma pesquisa desenvolvida no Centro de Pesquisa Sociológica da Universidade de Leuven, na Bélgica, aponta que em 21 países da Europa Ocidental há um aumento da antirreligiosidade pelos socialistas, especificamente em nações marcadas por identidades religiosas católicas e ortodoxas.

“Deve-se olhar para os fenômenos religiosos e políticos como intimamente interrelacionados”, diz Egbert Ribberink, autor da pesquisa e doutorando no Centro de Pesquisa Sociológica da Universidade de Leuven. “Isso implica que os movimentos antirreligiosos estão ligados a uma cultura religiosa de tal forma que eles podem ser vistos como imagens espelhadas dos movimentos religiosos que eles desprezam”, conclui Egbert, que reforça que as manifestações seculares funcionam como uma religião própria, fundamentada em afinco antirreligioso.

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