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Ye Win tinha 16 anos de idade quando tropas do governo apareceram na casa de sua família em um vilarejo da etnia karen na região oeste de Mianmar.

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Eles apontaram uma arma para a sua mãe, Win relembra, e acusaram sua família de apoiar rebeldes em uma das guerras civis mais longas do mundo.

A ameaça contra a sua mãe enfureceu Win, que quis revidar.

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“Eu sabia que aquilo não era certo”, disse.

Win, que havia acabado de se formar no ensino médio e esperava se tornar missionário como o seu pai, já havia partido há muito tempo quando as tropas do governo retornaram e queimaram o vilarejo.

Passaram-se dez anos até Win conseguir escutar a voz da sua mãe novamente, e ainda mais tempo até que ele pudesse se reunir com seus pais.

Durante esses anos, ele viu muitos dos seus amigos karens sofrerem e morrerem ou acabarem como refugiados. Mais de 100 mil karens foram realocados a campos de refugiados na Tailândia, que faz fronteira com Mianmar na sua região noroeste. Outros, como Win, foram realocados nos Estados Unidos.

Através da jornada árdua, diz Win, Deus estava por perto.

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“Nós somos o povo de Deus – mesmo quando estamos perdidos, longe de casa, mesmo quando estamos isolados, nós ainda estamos perto de Deus”, disse. “Deus nunca abandonou o nosso povo.” 

Quando Win e cerca de 70 refugiados chegaram a Smyrna, Tennessee, uma pequena cidade localizada no Bible Belt, região no centro-sul dos EUA caracterizada pelo protestantismo conservador, a cerca de meia hora de distância de Nashville, eles encontraram Deus à sua espera – em uma pequena igreja episcopal prestes a ser fechada. Juntos, os refugiados e um grupo de congregantes mais velhos trouxeram a igreja de volta à vida.

Virou filme

Essa é a história contada em “All Saints” (“A Colheita da Fé”), um novo filme religioso da subsidiária da Sony, AFFIRM Films, lançado em 2017. O filme estreou em um momento em que muitos cristãos americanos, com medo do futuro, se tornaram céticos em relação a refugiados e apoiaram o bloqueio temporário do governo Trump ao programa de realocação de refugiados.

Líderes da igreja All Saints esperavam que o filme mostre que receber refugiados pode ser uma benção. Ao abrir as suas portas para refugiados, as igrejas podem ter a sua própria fé restaurada.

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A All Saints Episcopal Church (Igreja Episcopal de Todos os Santos) é o tipo de lugar que a maioria das pessoas passam em frente sem dar atenção.

O edifício simples de tijolos vermelhos na periferia de Smyrna não tem uma placa com frases de efeito para atrair novos fiéis nem um estacionamento cheio de recepcionistas como a megaigreja localizada a poucos quilômetros de distância.

Na All Saints, os bancos tem cópias de um hinário episcopal, um hinário em karen e cópias do “Livro de Oração Comum” – pelo menos um com traduções das orações em karen manuscritas nas margens.

Antes das crianças serem liberadas, a congregação canta “Jesus Me Ama” em karen, com as palavras escritas de modo fonético no panfleto: “Yeh Shu Ay Yah, Yuh Fe Nya.”

É uma comunidade fiel vibrante, cheia de promessa e de vida nova. Mas quando Ye Win e outros refugiados chegaram há uma década, a igreja estava passando por um período difícil.

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Ato de fé

A congregação estava cambaleando depois de uma separação, com um grupo de pessoas em sua maioria idosas deixadas para trás. Os membros se sentiram traídos, com raiva e sem esperança depois da separação. Eles foram deixados para trás com alguns meses de economias no banco e uma hipoteca que não tinham como pagar. Assim como muitas igrejas pequenas nos EUA, a All Saints questionava se ainda tinha um futuro pela frente.

Em 2007, Win e alguns outros refugiados apareceram na porta da igreja, perguntando se poderiam assistir ao culto.

Assim como muitos karens, Win e os outros refugiados eram cristãos – nesse caso, anglicanos, parte da mesma comunhão global que a Igreja Episcopal. O pai de Win era um missionário, e o seu avô havia sido o primeiro do seu vilarejo a se tornar cristão.

Aparecer na igreja naquele primeiro domingo exigiu coragem dos karens, segundo Steve Armour, roteirista de “All Saints”. Eles tinham sido tirados da sua terra natal, visto suas famílias e amigos serem mortos e estavam sobrevivendo em uma terra estrangeira que eles mal entendiam. Agora o seu futuro dependia da bondade dos seus companheiros cristãos.

“Isso foi um tremendo ato de fé – confiar que aqueles estranhos poderiam fazer o que eles diziam que iriam fazer”, disse Armour. 

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Milagre

Um ponto decisivo na All Saints aconteceu quando os fiéis karens perguntaram se eles poderiam plantar no terreno da igreja. A All Saints foi construída em um terreno de 6,5 hectares, perfeito para o cultivo. Os karens queriam cultivar para alimentar as suas famílias e talvez ajudar a igreja.

Foi um milagre, de acordo com Michael Spurlock, que era pastor da All Saints na época. Segundo ele, Deus mandou mais de 70 agricultores experientes para a igreja no seu momento de maior necessidade.

Em pouco tempo, fileiras de espinafre, azedinha e outros vegetais que haviam sido plantados estavam crescendo atrás do prédio da igreja. Quando os plantios foram colhidos e vendidos, a maior parte do lucro foi doada para a igreja para ajudar a pagar as suas contas.

A igreja também teve a ajuda de John Bauerschmidt, bispo da Diocese Episcopal do Tennessee.

Quando os karens chegaram, o bispo decidiu investir naquele ministério. A All Saints se transformou em uma missão – o que significa que passaria a ter o apoio financeiro da diocese para ajudar a pagar as suas contas. A diocese pagou a hipoteca e contratou Win como trabalhador da igreja.

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“Quando falamos sobre refugiados aqui no interior do Tennessee, nós não estamos falando de outras pessoas”, diz Bauerschmidt. “Nós estamos falando, na verdade, dos membros da nossa igreja.” 

Spurlock espera que “All Saints” mostre para uma audiência maior a luta dos karens que ainda vivem em Mianmar. E ele espera inspirar outros cristãos a abrirem as suas portas aos refugiados.

Ele também espera que eles possam aprender que até mesmo um pequeno ato de fé de uma pequena igreja pode levar a algo grandioso.

“Às vezes as igrejas pequenas e simples que tem essa grande dependência em Deus descobrem que o braço de Deus é mesmo muito forte”, diz. “Deus tem um roteiro para nós melhor do que podemos imaginar.”

Trabalho de amor

Steve Gomer, diretor de “All Saints”, ficou sabendo sobre a igreja por meio de um artigo de jornal. Ele trabalhava como diretor para séries de televisão e queria voltar a fazer filmes.

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Um amigo viu a história e enviou para ele. Eles pensaram que tinha potencial para se tornar um filme.

Gomer eventualmente entrou em contato com Spurlock e passou um tempo fazendo trabalho voluntário na igreja, conhecendo os membros e eventualmente se mudando para Nashville. Gomer trabalhou por mais de nove até o lançamento do projeto.

Para Gomer, o filme é um trabalho de amor.

“Ele mostra o que uma comunidade pode fazer”, diz. “E ter fé e ajudar os outros – é isso que deveríamos estar fazendo.” 

Em um domingo em meados de julho, Robert Rhea levantou-se com um olhar malicioso para dar o sermão na All Saints.

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Rhea, um médico que chegou à All Saints em 2006 e se tornou clérigo, estava pregando sobre a Parábola do Semeador, que aparece no Novo Testamento.

Na parábola, um agricultor vai ao campo e joga um punhado de sementes. Algumas caem em solo rochoso e são comidas por pássaros. Outras sementes criam raízes e são tomadas por ervas daninhas. Quando caem em solo bom, as sementes dão origem a uma colheita rica.

Conforme foi pregando, Rhea andava pelo corredor central do salão, jogando doces conforme contava a história da Bíblia. Os doces levaram sorrisos aos rostos dos fiéis e provocou sons de alegria nas crianças.

Nos tempos de Jesus, as sementes eram uma commodity valiosa, como Rhea contou à congregação. Não era possível ir até o Walmart para comprar mais, segundo ele contou. Ainda assim, o agricultor da parábola jogou-as com generosidade, sem se preocupar com os resultados.

A questão, segundo Rhea, é que as boas novas do amor de Deus são para todos – e que, quando chega, algo incrível pode acontecer.

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Não sabemos o que Deus pode fazer com um pequeno ato de fé.

“A Palavra de Deus é para todos. É amor. É extravagante”, disse. “Não pode ser restringida pelas quatro paredes da nossa igreja.”