Como um país se torna uma democracia? Como um país até então isolado decide se quer participar da política de livre comércio internacional ou ficar fora dela? Essas grandes questões permanecem relevantes mesmo nesse momento de recessão da democracia em que a política comercial parece desafiada. Nesse momento, essas perguntas são feitas na Birmânia. Em breve, serão feitas na Bielorússia, em Cuba e no Irã. A democracia exige que ativistas, intelectuais, articuladores e políticos assumam riscos pessoais - nas carreiras e nas vidas - em sua defesa.
Essas questões surgiram quando eu li “Looking back without anger” (Olhando para trás sem raiva), de Javier Rupérez - a memória de um homem que ajudou a Espanha a se tornar uma democracia e que é um defensor da política de livre comércio internacional. O livro nos lembra que o sucesso da Espanha e que o sucesso da democracia em qualquer lugar não é dado.
Rupérez cresceu em uma família de classe média alta de Madri. Sua família estava no lado vencedor da Guerra Civil Espanhola. Ele, porém, se opunha ao autoritarismo. Logo se tornou ativo no movimento secreto democrático cristão de centro-direita e foi um dos fundadores de uma influente revista conservadora que lançou muitas carreiras políticas.
Ele atingiu a maioridade em plena década de 60, quando o General Francisco Franco ainda era ditador da Espanha. Rupérez se juntou ao Corpo Diplomático da Espanha e descreve os sentimentos complexos que sentiu ao representar um governo com o qual não concordava completamente. Quando a democracia surgiu em 1977, Ruperez se juntou ao governo de transição e logo em seguida se candidatou ao parlamento.
Como membro do parlamento, Rupérez lutou a favor da entrada da Espanha na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Nesse período, existia um grande sentimento antiamericano na Espanha e o partido mais popular no país, o Partido Socialista, era ativamente contra a participação na OTAN. O presidente da transição, Adolfo Suárez, não era um grande entusiasta da aliança e tendia à adesão ao MNA (Movimento Não Alinhado) - bloco de países que não eram aliados nem aos EUA nem à URSS.
Depois de alguns momentos de sorte, a participação da Espanha na OTAN foi aprovada em um referendo, principalmente pela campanha ativa de políticos como o Rupérez, que se manifestavam a favor de um princípio impopular, mas importante.
Além da sua função no seu partido político, Rupérez também tinha a tarefa de criar relações entre a Espanha e o resto do mundo. Ele ajudou a criar o movimento democrata-cristão ibero-americano e, enquanto presidia a reunião inaugural do grupo em Madri, foi ser raptado pelo grupo terrorista separatista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna). Em 30 anos, o ETA matou centenas de pessoas e a maioria dos sequestros terminavam em morte. Porém, por conta de uma pressão internacional muito forte, a vida de Rupérez foi poupada.
Como membro do parlamento, Rupérez estava presente na tentativa de golpe quase catastrófica de 1982, em que o coronel Antonio Tejero entrou no parlamento com outros membros da Guarda Civil e atirou diversas vezes no telhado. Durante esse episódio, Rupérez considerou pedir asilo nas embaixadas americana e holandesa. Por sorte, o Rei Juan Carlos I vestiu seu uniforme militar e rendeu os conspiradores.
O governo de transição começou a se desmanchar e Rupérez se juntou a um pequeno partido de centro-direita, chamado então Aliança Popular, hoje conhecido como o Partido Popular, atualmente no poder na Espanha. Rupérez foi designado para usar sua influência internacional para permitir que a Aliança Popular se tornasse um membro dos Democratas Cristãos da Europa.
Rupérez tinha também uma carreira paralela como diplomata político. Ele atuou como embaixador da Organização pela Segurança e Cooperação na Europa e brevemente como embaixador da OTAN. Quando José María Aznar foi reeleito como primeiro ministro em 2000, Rupérez foi nomeado como embaixador nos EUA.
O livro de memórias é uma jornada fascinante que acompanha a trajetória da Espanha entre os anos 70 e 90 e mostra que essa trajetória não foi dada, mas exigiu esforços e sacrifícios de políticos e ativistas para deixar a Espanha no caminho da democracia.
Ao mesmo tempo, participar da política de livre comércio internacional hoje não é dado para os estados que não são ainda membros plenos dela. Isso requer campeões locais. Mas o livro mostra por que o objetivo faz esses campeões valerem a pena — porque estrangeiros como Rupérez podem ver os benefícios de se adotar essa política.
Participar é o jeito mais rápido de se tornar mais próspero. Participar do comércio e do sistema financeiro globais e de outros milagres do progresso mundial, como a ciência e a medicina, faz com que esses países sejam melhores do que os que escolheram outro caminho.
Claro, além dos privilégios, essa participação vem com responsabilidades. Ser membro significa que um país está disponível para compartilhar o peso dos problemas globais. Mas na balança, os benefícios são maiores que os problemas. A política de livre comércio internacional tem concorrência — como o Movimento Não Alinhado ou o sistema baseado na vassalagem e nos produtos de consumo que a China aparentemente quer construir — mas permanece como o melhor sistema já experimentado.
As lições desse livro continuam relevantes para a maioria dos países no caminho de aderir à política de livre comércio internacional. O livro também tem lições úteis para aqueles que já estão no clube: a liberdade não é gratuita, então temos que trabalhar com nossos amigos e aliados em potencial quando eles precisam de nós.