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No imaginário popular, ainda existe a figura do cientista obcecado pela verdade, disposto a ir aonde as evidências o levarem, independentemente de interesses pessoais ou crenças ideológicas. Mas, em algumas áreas, o estereótipo já não corresponde exatamente à realidade. Uma dessas áreas é a dos estudos de sexualidade, especificamente no que diz respeito à teoria (mais adequadamente chamada de ideologia) de gênero.
Nos últimos anos, militantes da causa transgênero dentro e fora da academia têm sido bem-sucedidos em silenciar, a priori ou a posteriori, pesquisadores que discordem do dogma instituído. E um dos dogmas instituído é este: existem pessoas que nascem no “corpo errado”, e não há nada a fazer a não ser a utilização de hormônios e de cirurgias para “readequá-las” ao gênero “correto” (aquele ao qual elas acreditam pertencer). Com terapia hormonal, cirurgia e um novo nome, a saúde mental melhora a elas reencontram a alegria.
Mas a doutrina corrente ainda encontra opositores dispostos a apontar suas falhas. Um deles é Debra Soh, sexóloga e doutora pela Universidade de York, no Canadá. Debra acaba de lançar o livro The End of Gender [O Fim do Gênero], que demonstra como parte da academia atua para construir um falso consenso em torno de ideias sem sustentação em estudos científicos. A obra ainda não tem edição em português, mas está disponível em inglês na loja do Kindle.
Uma ateia convicta, pesquisadora de práticas sexuais incomuns, defensora do casamento gay, a pesquisadora não baseia suas posições em alguma espécie de moralismo religioso. Debra Soh também não é uma polemista. De forma equilibrada, e com base em uma gama abrangente de pesquisas, ela explica por que muitas das concepções da chamada “teoria de gênero” são equivocadas - e por que, apesar disso, elas se tornaram dominantes nas universidades. Debra trabalhou como pesquisadora na área por onze anos, mas decidiu deixar a academia ao perceber que concepções ideológicas estavam atropelando a neutralidade científica. Passou a ser uma jornalista e a escrever sobre o assunto para o grande público.
A autora divide seu livro em nove capítulos, cada um destinado a desfazer um mito sobre gênero e sexualidade. O primeiro item da lista é a crença de que o gênero existe em um espectro. Debra sustenta que o gênero é algo binário, embora isso não necessariamente impeça a existência de transexuais. Ela aponta que, se existe algo como “fluidez de gênero”, isso refuta a própria ideia de que as pessoas transgênero nascem dessa forma e nada pode ser feito para mudá-las. “De uma perspectiva científica, a identidade de gênero é basicamente um sinônimo de sexo biológico”, afirma ela, ao demonstrar que os casos em que a criança apresenta disforia de gênero são uma minoria diminuta - a exceção, e não uma regra a demonstrar que todos nós nascemos “sem gênero” e somos moldados pelos padrões sociais impostos a nós.
Sim, diz Debra, tudo bem pintar o quarto de sua filha de rosa e do seu filho de azul, e tudo bem dar brinquedos de menino a meninos e de menina a meninas. Desde os primeiros meses, afirma ela, essas diferenças naturais entre os sexos são detectáveis. Mais importante: se uma criança demonstrar preferência por brinquedos do sexo oposto, isso também não significa que ela é transexual. Para a autora, crianças com alguns gostos peculiares são apenas… crianças com gostos peculiares. Isso não significa que elas nasceram no “corpo errado” e precisam ser submetidas a tratamentos hormonais ou cirurgias. "Não é necessário redefinir ‘sexo” ou eliminar as categorias ‘masculino’ e ‘feminino’ para facilitar a aceitação de pessoas que são diferentes”, afirma ela.
A autora chega a dizer que, em alguns casos, a cirurgia de mudança de sexo pode trazer resultados positivos. Mas, no mundo real, existem muitas nuances, e Debra Soh as aponta em seu livro. Um exemplo: pesquisadores têm identificado um fenômeno chamado autoginefilia - o dos homens homem que, sendo heterossexuais, se sentem estimulados ao se vestirem como mulheres. Os portadores dessa parafilia pertencem a uma categoria distinta da dos homens que se vestem de mulher porque desejam se tornar uma. Mas, ao reprimir esse tipo de debate, os militantes em atuação nas universidades acabam induzindo tratamentos inadequados e presumindo que tanto um grupo quanto o outro são idênticos - igualmente transgêneros.
Pressão política
Outro ponto positivo do livro é a forma como Debra apresenta uma visão abrangente das consequências da mudança na visão sobre gênero em áreas como o esporte, a educação e os direitos das mulheres. A militância radical em favor da ideologia de gênero, argumenta ela, também prejudica lésbicas e gays. Jovens homossexuais, diz ela, têm sido levados a crer que são transgêneros e incentivados a modificar o próprio corpo de forma irreversível. “Nós devemos ser compassivos, mas não ao ponto de se sobrepor ao bom senso”, afirma.
Mas o ponto de maior relevância do livro é o de expor, com a perspectiva de que alguém oriundo da academia, como pesquisadores e professores têm atuado para suprimir papers e evitar participações em conferências de colegas críticos ao paradigma pró-ideologia de gênero. Por isso, a mensagem central do livro é essa: a academia não pode temer a repercussão de seu trabalho em determinados grupos sociais, sob pena de perder a credibilidade que lhe resta. “No fim, os únicos pesquisadores dispostos a estudar essas populações serão aqueles confiantes de que os resultados não vão incomodar ninguém. Mas o que eles estarão fazendo a essa altura não será mais ciência”, a observa a autora. The End of Gender é uma leitura necessária para para educadores, pais e pesquisadores da área de sexualidade.