Cada vez mais, comparar pessoas a animais parece fazer parte do nosso discurso político.
Num tuíte de 2018, a comediante Roseanne Barr disse que a ex-conselheira da Casa Branca Valerie Jarrett era “filha de um macaco”. Isso aconteceu apenas duas semanas depois de o Presidente Donald Trump chamar os membros de gangues de imigrantes de “animais”.
Trump também foi alvo deste tipo de coisa. Em sua capa de 2 de abril de 2018, a revista “New York” retratou o presidente como um porco.
Como psicóloga que estuda comportamentos sociais e relações entre grupos, fico um pouco incomodada quando vejo esse tipo de insulto se tornar cada vez mais comum. Em sua essência, eles são uma forma de desumanizar os outros – prática que pode ter efeitos perniciosos.
Numa variedade de estudos, psicólogos conseguiram mostrar como mensagens desumanizadoras podem influenciar a forma como pensamos e tratamos as pessoas.
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Num estudo, depois que os pesquisadores sutilmente levaram as cobaias a associarem negros a macacos, as cobaias demonstraram uma tendência maior a tolerar um comportamento agressivo e violento da polícia contra suspeitos negros. Outro estudo expos cobaias a metáforas comparando mulheres a animais. As cobaias logo em seguida demonstraram um aumento no sexismo hostil.
A desumanização também é associada a um aumento na disposição em perpetrar violência.
Um conjunto de estudos descobriu que homens que faziam associações automáticas entre mulheres e animais tinham uma tendência maior a assediar e abusar sexualmente de mulheres. Outra pesquisa descobriu que as pessoas que desumanizam os árabes demonstram mais apoio a táticas violentas de contraterrorismo: tortura, perseguição a civis e até mesmo o bombardeamento de países inteiros.
Em sua forma mais extrema, a linguagem desumanizadora aumenta o apoio à guerra e ao genocídio. Esse tipo de mensagem tem sido usado há tempos para justificar a violência e a destruição de minorias. Vimos isso no Holocausto, quando as propagandas nazistas se referiram aos judeus como vermes, e vimos também durante o genocídio em Ruanda, quando os tutsis eram chamados de baratas. Na verdade, organizações não-governamentais consideram o discurso desumanizador um sinal indicativo de genocídio.
Desumanização e violência
Por que a desumanização e a violência são coisas tão próximas uma da outra? Como seres sociais, somos programados para nos solidarizarmos com nossos semelhantes e nos sentimos incomodados quando vemos alguém sofrer.
Quando alguém é desumanizado, geralmente negamos à pessoa a consideração, compaixão e solidariedade que geralmente dispensamos às demais. A linguagem desumanizadora afrouxa nossa aversão instintiva à agressão e violência.
Estudos descobriram que, depois que uma pessoa desumaniza outra pessoa ou grupo, sua tendência a se importar com as ideias e sentimentos da outra pessoa ou grupo diminui.
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Norte-americanos, por exemplo, tendem a desumanizar pessoas que vivem nas ruas. Num estudo, os pesquisadores pediram que os participantes descrevessem um dia na vida de um mendigo, de um estudante universitário e de um bombeiro. As cobaias demonstraram uma chance muito menos de mencionar o estado emocional do mendigo.
A desumanização pode afetar até mesmo nosso cérebro. Quando olhamos para pessoas que desumanizamos, há uma atividade menor no córtex pré-frontal medial, área do cérebro responsável pelo raciocínio social.
Roseanne pode ter dito que seu tuíte foi tão somente um insulto à toa provocando por um remédio para dormir. Alguns talvez tenham rido diante da caricatura de Trump na revista.
Mas o uso insistente da linguagem desumanizante é um caminho arriscado que pode gerar danos enormes – e isso não tem nenhuma graça.
Allison Skinner é psicóloga e pesquisadora na Northwestern University.
©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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