Nos últimos tempos da União Soviética, uma piada corria o país: dois russos, irritados por estarem numa longa e demorada fila para comprar vodca, culpavam Mikhail Gorbachev, o líder soviético. Um deles diz: “Não aguento mais. Vou ao Kremlin matar Gorbachev”. E sai. Uma hora depois, volta e encontra, ainda na fila da vodca, o “camarada” com quem havia conversado – que pergunta: “E então? Matou Gorbachev?” Ele responde: “Não, a fila estava maior do que essa”.
A anedota ilustra com bom humor algumas das causas do esfacelamento do socialismo soviético: a ineficiência da economia comunista e sua incapacidade prover bens de consumo para a população, além da total ausência de apoio popular para manter um regime marcado pelo autoritarismo.
O comunismo ruiu em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Foi uma experiência histórica fracassada que começou há exatos 100 anos, com a Revolução Russa, iniciada em março de 1917 (fevereiro pelo antigo calendário russo).
Em seu estado “original” – sem propriedade privada de meios de produção e ditadura do partido único – sobrevive apenas na Coreia do Norte. Outras nações ainda comunistas já dão passos, ora mais lentos ora mais rápidos, em direção ao capitalismo – caso de Cuba e China. Mas isso significa que o comunismo está definitivamente morto e que nunca mais voltará?
A resposta
É difícil fazer uma previsão histórica – os marxistas sabem muito bem disso porque profetizaram, equivocadamente, que o fim do capitalismo e a ascensão do socialismo era a marcha inevitável da história. Mas a resposta mais perto da realidade é: sim, o comunismo está enterrado, mas na sua versão soviética. Não é possível, contudo, descartar a possibilidade de haver novas experiências anticapitalistas e socialistas. O bolivarianismo latino-americano é um exemplo.
“O socialismo de tipo soviético me parece historicamente morto, sem condições de abrir perspectivas de futuro”, diz o historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense que estuda revoluções socialistas.
O sociólogo Demétrio Magnoli, autor de vários livros sobre história e geopolítica do século 20, prefere não dizer que o comunismo morreu, por ser um conceito amplo. Mas sim que o que foi enterrado é o leninismo, definido por ele como “a ideia que presidiu a Revolução Russa: de que um partido tomaria poder, estatizaria a economia e conduziria a nação ao comunismo [pela teoria marxista, a sociedade sem classes]”. O leninismo é a versão do marxismo defendida por Lênin, principal líder revolucionário da Rússia.
Anticapitalismo vivo
Apesar disso, Magnoli não descarta a possibilidade de surgirem projetos políticos alternativos para se opor ao capitalismo. “As ideologias anticapitalistas não morreram. Sempre vão existir em função das desigualdades econômicas e sociais dentro do capitalismo.”
Especialista em história soviética e autor do livro Rússia: Europa ou Ásia? (Ed. Contexto), o historiador da USP Angelo Segrillo também prefere não assinar o atestado de óbito do comunismo. Ele lembra que hoje o polo mais dinâmico da economia mundial é uma nação que, embora venha adotando um modelo capitalista de produção, ainda se declara oficialmente comunista e controla fortemente os agentes econômicos: a China. “Como o futuro será quando a China se tornar a maior economia do mundo e passar a hegemonizar a economia mundial, como os EUA a hegemonizaram por longo tempo, é uma incógnita.”