Por toda a história por trás dos direitos humanos, é de se lamentar que suas justas demandas tenham sido monopolizadas por grupos políticos que pouco fazem além de galvanizar ressentimentos e distribuir culpas intermináveis, destruindo instituições e vias de diálogo pelo caminho. É assim com a luta contra o racismo, transmutada nos violentos protestos do Black Lives Matter (que só prejudicaram os mais pobres) e com a luta pela igualdade de oportunidades e tratamento para as mulheres e homossexuais, que hoje se degringola entre o apagamento do termo "mulher" e a criação do "gênero neutro".
A boa notícia é que há, sim, intelectuais, professores, comunicadores e cientistas preocupados com essa tendência - e não são só cristãos e conservadores. Pouco a pouco, vozes progressistas incomodadas com o rumo do debate sobre os direitos humanos organizam-se para criar novas alternativas de diálogo. É o caso da Universidade de Austin, uma faculdade à prova de cancelamento, anunciada no ano passado, e da FAIR, a Foundation Against Intolerance and Racism (Fundação Contra a Intolerância e o Racismo). Com nomes notáveis no comitê de membros e apoiadores, o grupo nasceu com o objetivo de promover treinamentos e facilitar a criação de grupos de trabalho focados em combater, simultaneamente, preconceitos de raça, gênero, entre outros, e a dita “cultura do cancelamento”.
"A FAIR entende que nossos direitos civis e liberdades individuais precisam ser protegidos", descreve o linguista John McWorther, professor da Universidade de Columbia e autor de um livro que descreve como o antirracismo se tornou uma religião que pouco contribui para as vidas dos negros. McWorther é um dos apoiadores da fundação e aparece no vídeo de campanha, seguido pelo músico Daryl Davis, conhecido por buscar diálogo com membros da Ku Klux Khan (KKK) mesmo sendo negro, e pelo economista Glenn Loury, o primeiro professor negro a ter uma cadeira em Harvard.
"Não é suficiente ser antirracista, é preciso ser a favor das pessoas", diz Davis, no vídeo, no qual também aparecem o psicólogo e linguista Steven Pinker, a jornalista Bari Weiss e a escritora Ayaan Hirsi Ali. O quadro de conselheiros conta ainda com historiador Niall Ferguson, o divulgador de ciência Michael Shermer e o ambientalista Michael Shellenberger.
No YouTube, o canal da FAIR conta com 4,75 mil inscritos, e oferece conteúdo sobre diversas áreas do conhecimento comentadas por especialistas renomados e de diferentes matizes ideológicas. Há, por exemplo, uma palestra sobre ideologia de gênero com participação da jornalista Abigail Shrier, autora de “Irreversible Damage”, as médicas Miriam Grossman e Carrie Mendoza, ambas especialistas em medicina sexual, e o ativista Zander Keig, homem transexual e crítico às atuais políticas de autoafirmação destinadas a este público.
Trata-se de um excelente exemplo de como pôr à mesa as preocupações justas de todos os lados: Keig recorda o desafio de ter sido LGBT em uma época na qual pais frequentemente expulsavam filhos de casa por conta de sua condição, e Grossman e Shrier apontam para os riscos da transição sexual antes da puberdade, bem como da importância da biologia na criação de meninos e meninas saudáveis.
Há vídeos e textos sobre o polêmico conceito de racismo estrutural, sobre as consequências de se impregnar os consultórios terapêuticos com a ideologia identitária e sobre a diversidade intelectual na academia. Neste sentido, a proposta da FAIR se assemelha à Heterodox Academy, fundada pelo psicólogo americano Jonathan Haidt, autor do famoso livro “The Coddling of American Mind”.
A FAIR também tem se envolvido em casos concretos de discriminação: ainda nesta quinta-feira (3), a fundação acusou o Departamento de Saúde do Estado americano de Utah de implementar uma política "inconstitucional e antiética", ao decidir levar a raça dos pacientes em consideração para decidir quem deve ou não receber medicamentos contra a Covid-19.
Até agora, não se sabe de alternativas similares no Brasil capazes de unir conservadores e progressistas contra a “cultura do cancelamento”, sem deixar de lado a busca por justiça social. Os episódios são raros e esporádicos, como por exemplo o abaixo-assinado em apoio ao antropólogo Antônio Risério, “cancelado” por questionar o dogma do “racismo estrutural”, contou com cerca de 800 assinaturas e angariou nomes da esquerda e da direita, entre professores de universidades públicas, pesquisadores, jornalistas e políticos.
Não faltam inspirações, contudo. Segundo consta no portal da fundação, os criadores da FAIR se basearam nos ensinamentos de Martin Luther King para erguer a espinha dorsal do movimento: “reconhecemos que aqueles que são intolerantes e procuram oprimir o próximo também são humanos (...). Procuramos derrotar o mal, não as pessoas”, atesta a declaração de princípios. No Brasil, um movimento similar teria à disposição figuras como André Rebouças, um dos primeiros engenheiros negros do país, Luiz Gama, o escravo baiano que se alfabetizou sozinho, formou-se em Direito e ajudou a libertar centenas de negros – ambas eloquentes vozes do abolicionismo ainda no século XIX e ferrenhos defensores do princípio que deveria nortear a luta contra qualquer face do preconceito: a liberdade.
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