“Para mim, o capitalismo não tem redenção”, disse a deputada norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez em meio a um cenário luxuoso na Conferência South by Southwest 2019. A situação atual dos Estados Unidos é um “lixo”, acrescentou ela, porque “se você não tem emprego, morre à míngua”.
Não são palavras raivosas de uma intelectualóide de boina expressando nostalgia pelas virtudes desconhecidas do stalinismo no porão de um bar sujo no West Village. É um membro do Congresso denunciando o livre mercado no palco de uma conferência patrocinada pelas empresas mais ricas do país e frequentada por seus maiores influenciadores.
Ocasio-Cortez se tornou a porta-bandeira de uma onda de progressistas populistas que veem com maus olhos o mercado.
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Ela (e você) talvez se surpreenda ao descobrir quantos aliados tem entre a direita populista. “O capitalismo de mercado não é uma religião”, disse Tucker Carlson, da Fox News, numa declaração de viralizou em janeiro de 2019. “Não vale a pena ter nenhum sistema econômico que enfraquece e destrói as famílias”.
Antes um libertário membro do Cato Institute, Carlson hoje tende a defender as receitas progressistas de crescimento promovido pelo governo, e não o livre mercado. Carlson hoje se alinha aos senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren ao chamar o senador Mitt Romney de “mercenário” por causa dos anos que Romney passou no mercado financeiro.
Esses dois nomes famosos podem até parecer lados opostos do espectro político, mas eles chegaram juntos ao consenso de que o livre mercado é indesejável e até perigoso. Eles são importantes sinais de uma tendência ideológica e intelectual relevante.
Pense nas opiniões do professor da Harvard Law School Adrian Vermeule, um autoproclamado reacionário. “As sociedades liberais celebram a tolerância, a diversidade e a liberdade de expressão, mas na prática exibem um conformismo ideológico, cultural e social disseminado”, escreve Vermeule.
Para ele, o capitalismo e o socialismo são praticamente “variações idênticas de liberalismo, e são mais diferentes nos meios do que nos fins”. Um manifesto recentemente assinado por escritores exemplifica esse ataque populista-intelectual recente contra o livre mercado, chamando-o de “consenso morto” caracterizado por “uma sociedade sem alma de exaltação individual”.
Nisso, os autores do manifesto estão junto dos sindicatos norte-americanos. A Federação Norte-americana do Trabalho há muito esqueceu os esforços de seus líderes, em meados do século XX, para extirpar os marxistas de seus quadros e hoje tuíta imagens de guilhotinas tiradas do Pravda para reclamar de práticas questionáveis no mercado de trabalho e publica vídeos educacionais “anticapitalistas” que supostamente explicam o “conflito entre os trabalhadores e os donos da sociedade”.
Esses estranhos parceiros compartilham da crença implícita de que o livre mercado é responsável por um sofrimento incrível, pela opressão sistemática e por lucros inescrupulosos que estão fazendo pondo a existência da espécie humana em risco.
Sobretudo para os conservadores, o mercado é considerado a causa de crises como a epidemia de drogas e suicídios, visto ainda como um fator que colaborou para o liberalismo cultural decadente que catalisou a marginalização e alienação da classe trabalhadora norte-americana e seu colapso moral.
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A nova geração de ativistas antimercado parecem apegados à ideia de que há algo n ar que deve ser melhor do que o que temos, de que a cultural comercial mundial pode e deve ser substituída. Deve haver outros métodos mais justos de estruturar o comércio, métodos que preferiríamos se as potências existentes permitissem.
Isso é ignorância ideológica – e não deveríamos ter medo de dizer isso. A civilização humana já tentou todas as formas de organização social possíveis. O capitalismo de livre mercado goza do prestígio atual porque a história demostrou que ele é objetivamente superior aos demais. Os críticos do capitalismo ou se esqueceram das lições da história ou jamais as aprenderam.
A privação e escassez entraram num período de declínio depois da revolução capitalista do fim do século XX. As mudanças climáticas – fonte de temor para muitos jovens norte-americanos — são amenizadas pelas forças do mercado, tanto ou mais do que por elas exacerbadas.
Organizar a sociedade em torno do impulso competitivo não leva necessariamente à fragmentação e isolamento social. Na verdade, as alternativas progressistas à competição previstas pela intervenção governamental na economia provavelmente acabarão com os laços comunitários. Famílias, igrejas, associações civis, organizações de ativismo, escolas, centros comunitários – todas as fontes de realização humana que existem independentemente da vida econômica – são excluídas da esfera pública pelo Estado cada vez maior.
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O mercado cria vencedores e perdedores, como todo sistema de organização econômica. Pessoas marginalizadas pelo ambiente competitivo merecem nossa solidariedade. Eles são contrapontos vivos à ideia de que o sistema de mercado é unicamente superior às suas alternativas.
Mas não existe sociedade na qual todos os males tenham sido extirpados e todos os problemas sociais resolvidos. Sempre haverá discrepâncias. Toda sociedade de tamanho considerável é economicamente estratificada — até mesmo (e sobretudo) aquelas que se dizem “sem classes”. O desafio para todos os que acreditam que deveríamos viver numa sociedade a mais justa possível não é reclamar da estratificação, e sim garantir que ela não seja fixa.
A questão diante de nós, como sempre, é o que fazer para gerar as melhores consequências para a maior parte das pessoas. Séculos de experiências nos deram uma resposta: concorrência e livre mercados.
O conservadorismo, que sempre esteve à vontade com as contradições, virou presa do romantismo irrealista que caracteriza a esquerda idealista. Tentativas de impor a igualdade econômica não aumentam as vantagens individuais, e sim universalizam as dificuldades na sociedade.
Os mercados são uma força da natureza; eles podem ser trabalhados, orientados e administrados, mas não contidos. Aqueles que se opõem ao mercado em busca da perfeição idílica de uma cultura política e econômica homogênea representam uma ameaça direta à paz e prosperidade sem precedentes que se seguiram à Guerra Fria.
Tanto a esquerda quanto a direita diagnosticam corretamente as maiores ameaças à coesão social, e algumas dessas ameaças se baseiam no funcionamento da economia de mercado, que é infinitamente complexa.
Todos os esforços, desde o New Deal Verde de Ocasio-Cortez até os monólogos de Carlson, passando pelo manifesto intelectual sobre o “consenso morto”, elaborados para minar, subverter e desacreditar moralmente o mercado em favor de outra coisa qualquer — eles não sabem o que — se provarão ineficientes, inúteis e corruptos como sempre.
Noah Rothman é editor do Commentary e colaborador da MSNBC/NBC.