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Futebol

Conheça o Union Berlin, o time que irritou o governo da Alemanha comunista

Union Berlin: jogos tensos contra o time da polícia secreta alemã e respeito aos torcedores mortos em estreia na Bundesliga.
Union Berlin: jogos tensos contra o time da polícia secreta alemã e respeito aos torcedores mortos em estreia na Bundesliga. (Foto: AFP)

Aos 34 minutos do segundo tempo, a defesa do Augsburg tentava sair para o ataque com um lançamento longo quando a bola foi cortada pelo adversário do Union Berlin e chegou aos pés do atacante alemão Sebastian Polter. Ele cortou o zagueiro e passou para o atacante sueco Sebastian Andersson, que havia entrado na partida apenas nove minutos antes. Frente a frente com o goleiro, Andersson tocou para as redes e fez história: era o primeiro gol marcado pelo Union Berlin na primeira divisão do futebol alemão, a Bundesliga. Realizada no estádio do Augsburg no dia 24 de agosto, a partida terminou empatada em 1 a 1, mas a equipe foi recepcionada com festa na volta para casa.

Este é um ano cheio de marcas históricas para o Union Berlin. O time, que disputa a primeira divisão pela primeira vez em 113 anos de existência, venceu sua primeira partida, por 3 a 1, no dia 31, contra o Borussia Dortmund. No dia 3 de novembro, a uma semana do aniversário de 30 anos da queda do Muro de Berlim, o time vai disputar, pela primeira vez na principal liga do futebol alemão, o clássico contra o Hertha BSC. O Herta era o maior time de Berlim Ocidental. O Union era o mais popular de Berlim Oriental. É a primeira vez em 40 anos, aliás, que a capital alemã coloca dois times na primeira divisão, seja do país dividido ou unificado.

O momento do clube é especial, mas sua história vai muito além do futebol. A história do Union é marcada pela ditadura comunista que se estabeleceu na Alemanha Oriental e pela luta pela sobrevivência de um modelo de gestão que coloca a torcida em primeiro lugar.

Exemplo disso foi a estreia na primeira divisão. O clube vendeu ingressos extras para quem quisesse ganhar uma placa com o rosto de um torcedor falecido. Era uma forma simbólica de homenagear a todos aqueles que não viveram para ver seu clube na primeira divisão. Durante o jogo, mais de 400 placas com fotos foram levantadas.

Sangue pelo time

Todo time de futebol alemão precisa pagar uma taxa anual de licença para disputar qualquer torneio. Em 1993 e 1994, por exemplo, o Union Berlin disputou a terceira divisão, subiu para a segunda, mas foi impedido de disputá-la por falta de dinheiro. Em 2004, a situação era ainda mais dramática. O clube estava na quarta divisão e não tinha condições de pagar a taxa. Pois os torcedores procuraram os hospitais de Berlim para doar sangue.

Na Alemanha, os doadores de sangue recebem um valor simbólico para cobrir as despesas de deslocamento. Cada um dos torcedores doadores levou este dinheiro até o clube. Era uma forma de salvar vidas e também de ajudar o time. A campanha, batizada de “Sangue pelo Union”, deu certo e o clube pôde jogar.

Quatro anos mais tarde, mais de 2 mil torcedores se voluntariaram como pedreiros e trabalharam na reforma do estádio do time, o Stadion An der Alten [A velha casa do guarda florestal]. Além disso, ano após ano, desde 2003, os torcedores lotam o local para celebrar o Natal juntos. Eles se reúnem dentro do estádio para entoar cânticos natalinos e hinos de futebol. A prática começou num ano em que um pequeno grupo de torcedores se uniu para tentar evitar a queda da terceira para a quarta divisão. Não funcionou e o clube caiu, mas a festa se tornou um evento que reúne mais de 30 mil pessoas nas noites de 24 de dezembro.

A torcida se sente tão à vontade que, para assistir ao jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014, disputado entre Brasil e Croácia, o clube abriu o estádio, criou um clima intimista com abajures e convidou os sócios a levarem seus próprios sofás. O gramado ficou coberto por mais de 800 sofás. O estádio, aliás, tem poucos lugares com cadeiras. O espaço é formado principalmente por arquibancadas, o que estimula a torcida a permanecer em pé, cantando.

As ações seguem também para fora de campo. O gramado já abrigou refugiados e, desde 2016, o clube mantém uma fundação que oferece aulas de futebol de graça para crianças e adolescentes. E o time também é conhecido pela forma respeitosa de tratar seu elenco. Em 2015, por exemplo, o Union Berlin renovou o contrato do meio-campista Benjamin Köhler, que tinha 35 anos e havia descoberto um câncer no estômago. Köhler continuou recebendo salário até se recuperar, voltar aos gramados e se aposentar em definitivo, em 2017.

O Union Berlin aposta nas categorias de base e nas finanças estáveis, mas sólidas, como estratégia. A diretoria se recusa, por exemplo, a fechar grandes cotas de patrocínio exclusivas, e por isso conta com mais de 300 empresas parceiras. Os torcedores, aliás, é que são os verdadeiros donos do clube: em 2011, o Union Berlin forneceu os naming rights do estádio para os próprios torcedores, que comparam 10 mil cotas de 500 euros.

Um clube dividido pelo Muro

O Union Berlin surgiu em 1906, com outro nome: FC Olympia 06 Oberschöneweide, designação que incorporava a origem do time, o distrito industrial de Berlim conhecido como Oberschöneweide. Ele virou Union em 1910 e disputou, com algum sucesso, os campeonatos regionais. O time chegou à final do campeonato alemão de 1923, mas perdeu por 3 a 0 para o Hamburgo. Na época, o clube, de origem proletária, usava um uniforme azul, típico das roupas dos trabalhadores das indústrias da região.

Com a reorganização do futebol sob o comando do Partido Nazista em 1933, o Union perdeu espaço. Ao fim da Segunda Guerra, todas as agremiações esportivas do país foram suspensas. Lentamente, algumas que não mantinham vínculos com o regime nazista foram autorizadas a reabrir, caso do Union. Em 1949, já com a Alemanha dividida, mas ainda com um grande fluxo de pessoas de um lado para o outro, o Union chegou à fase final do campeonato nacional, que ainda era disputado por todos os times, tanto os do lado capitalista quanto os do comunista.

O Union Berlin teria que disputar uma partida contra o Hamburgo, do lado ocidental. Mas o governo da Alemanha Oriental proibiu a viagem. Resultado: parte do elenco viajou mesmo assim. O time perdeu de 7 a 0, mas fundou um segundo Union Berlin, agora no lado ocidental da capital. Até a construção do Muro de Berlim, em 1961, o clube existiu em duas versões. A torcida preferia ir até o lado ocidental para ver o time que era mais competitivo.

Tudo isso mudou com a construção do Muro. O time "ocidental" foi desfeito e a torcida voltou a assistir jogos do Union original. Em 1966, o clube foi proibido de jogar de azul, para evitar referências ao passado proletário, e trocou o uniforme pelas camisas vermelhas que caracterizam a equipe até hoje.

Contra a Stasi

Ao longo dos anos 70 e 80, o Union Berlin manteve colocações discretas no campeonato da Alemanha Oriental. Também pudera: ninguém tinha chances contra o Dynamo Berlin, o clube sustentado pela Stasi, a polícia secreta do país. Qualquer jogador que se destacasse, de qualquer clube da Alemanha Oriental, era forçado a se mudar para o Dynamo, um clube que havia surgido em Dresden e foi forçado a mudar para a capital.

Expulsões e impedimentos eram marcados de acordo com as necessidades do clube oficial dos espiões do regime. Se o jogo precisasse durar dez minutos a mais, até que o Dynamo marcasse seu gol, o juiz prolongava a partida. Com frequência, os melhores jogadores dos times adversários sofriam falsas lesões exatamente antes de enfrentar o time da Stasi – seja por pressão da política secreta, seja por medo de, quem sabe, marcar um gol que desagradasse ao regime.

O Dynamo Berlin chegou a vencer dez campeonatos nacionais consecutivos, entre 1979 e 1988. Mas suas arquibancadas nunca estavam tão cheias quanto as do Union Berlin.

Ao longo dos últimos 20 anos de existência da Alemanha Oriental, torcer para o Union era um sinal de rebeldia – ainda que a direção não desobedecesse frontalmente ao regime e mantivesse uma relação amigável com a juventude comunista, os frequentadores do Stadion An der Alten eram investigados de perto pela Stasi. Como não havia grandes restrições para os moradores de Berlim Ocidental frequentarem o lado oriental, torcedores do Hertha BSC atravessavam o muro e, vestindo as antigas camisas azuis do Union, apoiavam o time, ainda que ele fosse constantemente goleado pelo Dynamo.

Com a reunificação da Alemanha, os times do lado oriental foram relegados a divisões inferiores do campeonato nacional. Em geral, por lá permanecem. O Dynamo Berlin, por exemplo, oscila entre a quarta e a quinta divisão. Já o Union mantém o charme do passado, aliado a estratégias de marketing e relacionamento modernas.

Em 2019, seu ano mais importante, vai lutar para continuar na primeira divisão. Mas, mesmo que caia, os torcedores estarão lá, doando sangue, construindo paredes e celebrando o Natal.

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