O conservador Charles Koch: apesar da tradição de financiar candidatos republicanos, se recusou a apoiar Donald Trump nas eleições do ano passado| Foto: Patrick T. Fallon/ Washington Post

Eles são quatro, mas dois – Charles e David – têm mais influência, e o mais jovem conta 77 anos de idade. Os irmãos Koch não são um clã numeroso, mas seus poderes vêm de longe e seus recursos são quase ilimitados: magnatas do petróleo, com uma fortuna geracional, os dois membros mais importantes da família hoje têm, juntos, uma fortuna estimada em mais de 96 bilhões de dólares. Libertários no discurso e normalmente ligados a políticos conservadores, os Koch não hesitam na hora de investir em candidatos que se alinhem às suas ideias.

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Mas a escolha de Donald Trump, um republicano que não sofre sua influência direta, os pegou de surpresa. Afinal, quem são os Koch, o que eles querem, e como estão corrigindo sua rota após a chegada de Trump à Casa Branca? 

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Parceria com Hitler e Stalin

Se é difícil encontrar um momento em que a família Koch não tenha vivido confortavelmente, também é certo que apenas nessa geração o clã passou a dispor de poderes econômicos capazes de influenciar a política mundial. A fortuna passou da ordem dos milhões para os bilhões a partir de Fred C. Koch, pai dos irmãos, mas ele próprio já era nascido em berço de ouro: filho de um imigrante holandês que havia se tornado um importante dono de jornais e ferrovias no Texas, e neto de um médico que havia se casado com a filha de um banqueiro na Holanda. 

Fred C. Koch deu o grande salto graças ao petróleo – e, ironicamente, sendo o pai de dois dos maiores investidores libertários da atualidade, dependeu da ajuda de governos ditatoriais. Engenheiro químico formado pelo prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Fred desenvolveu um processo inovador para transformar óleo cru em gasolina, reduzindo os custos e permitindo que pequenas empresas como a sua fossem capazes de competir com os grandes players da época. Diante da ameaça, as maiores companhias norte-americanas soterraram seus negócios com mais de quarenta processos diferentes. O velho Koch eventualmente sairia vencedor na queda de braço, mas, vendo seus investimentos inviabilizados por um tempo, buscou refúgio na Europa: primeiro sob as asas de Josef Stalin e, depois, de Adolf Hitler. 

Na União Soviética e na Alemanha nazista, Fred C. Koch ajudou a implantar sua nova tecnologia nas refinarias que os dois países vinham instalando em meio ao boom econômico e industrial que culminaria com a Segunda Guerra Mundial. Tendo aumentado sua fortuna, Koch pai retornou aos Estados Unidos em 1940, já vitorioso em todas as suas batalhas judiciais, para fundar aquela que hoje é a segunda maior empresa privada (sem venda pública de ações) do país: a Koch Industries, herdada em 1967 pelos seus quatro filhos – Charles, David, Frederick e Bill. 

Dinheiro sem fim

Charles e David começaram a ganhar a proeminência que têm hoje no início da década de 80, quando investiram cerca de 1,1 bilhão de dólares para comprar parte da participação dos outros dois irmãos e passar a controlar majoritariamente a empresa. Juntos, os dois hoje detêm 84% da Koch Industries, e o negócio de três décadas atrás parece agora uma bagatela: o faturamento atual é estimado em 115 bilhões de dólares anuais.

Se vendesse ações, a Koch Industries estaria confortavelmente entre as principais empresas do Fortune 500, o ranking das 500 maiores companhias dos EUA: em 2013, sua receita a colocaria em 17º lugar no país, à frente de gigantes como IBM, Boeing e Microsoft. 

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Perguntado se algum dia negociaria publicamente as ações da companhia, Charles Koch foi enfático: “só sobre o meu cadáver”.

O fato de o controle ainda ser mantido firmemente pelos dois irmãos, sem precisar prestar contas a um grande número de acionistas, significa que os negócios dos Koch ainda são rodeados de mistério – além de um grande tino para expandir seus negócios, pouco se sabe sobre como a empresa atingiu o patamar que tem hoje. A Koch Industries, além do petróleo, tem subsidiárias nos setores de papel, fertilizantes, tecnologia, finanças, commodities, entre outros, e é dona de marcas mundialmente conhecidas como a Lycra.  

Corrida presidencial

As eleições presidenciais norte-americanas de 1980 marcariam uma virada na política do país, que ecoaria até o início do século 21. Naquele pleito, o então presidente Jimmy Carter acabou derrotado pela chapa de Ronald Reagan, que não apenas ficaria no cargo por dois mandatos como faria seu sucessor – seu vice, George Bush (pai), que por sua vez teria grande influência para alavancar a carreira política de seu filho, George W. Bush, presidente entre 2000 e 2008. As políticas liberalizantes de Reagan ajudaram a colocar a economia norte-americana em um caminho que, embora criticado pelos Democratas, nenhum sucessor ousou desviar muito. 

Mas aquele processo eleitoral também seria importante por outra razão – diretamente relacionada aos Koch. Querendo transformar o crescente poderio econômico em influência política, David Koch buscou entrar na corrida presidencial como um outsider. Muito antes de Donald Trump usar a estratégia do bilionário que vem de fora para mudar o país, fazendo-a dentro do jogo bipartidário, David tentou algo parecido, mas por uma terceira via: com o apoio do irmão Charles, concorreu como vice-presidente do Partido Libertário.

A plataforma defendia uma redução radical do Estado e incluía pontos polêmicos como a abolição da previdência social, das escolas públicas, e até mesmo do FBI e da CIA. A chapa, cujo presidenciável era o advogado Ed Clark, não fez cócegas na rivalidade estabelecida entre Democratas e Republicanos, conquistando cerca de 1% dos votos nacionalmente. 

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A breve incursão direta no jogo político, em uma corrida perdida antes mesmo de ser dada a largada, serviu para os Koch redefinirem seu papel no jogo. O próprio David se desligaria do Partido Libertário em 1984, dizendo que muitas das ideias da sigla eram “irrealistas”. A partir dali, os bilionários decidiram caminhar em outra direção: investir pesado em candidatos republicanos cujas ideias se aproximassem de seus ideais – menos intervenção do Estado, menos regulações, com o governo se responsabilizando apenas pela garantia da segurança e dos direitos essenciais. 

Ideologia libertária

“O que é que funcionou ao longo da história? A partir do século 17 e 18, o que foi que levou a uma melhora drástica nos padrões de vida? E, desde 1990, o que foi que levou o número de pessoas em extrema pobreza a cair de 2 bilhões para menos de 800 milhões?”, perguntou retoricamente Charles Koch, em uma entrevista a Stephen Dubner, um dos autores de Freakonomics.

“Quando você olha para a história, a resposta é a liberalização. É por meio da aplicação dos princípios presentes na Declaração de Independência. Todas as pessoas nascem iguais, com certos direitos inalienáveis. E os governos são criados para assegurar esses direitos”.  

Para Charles Koch, as grandes tragédias históricas dos EUA – escravidão, extermínio dos nativos americanos, negação dos direitos das mulheres – teriam surgido justamente da violação desses princípios de liberdade e igualdade. Na visão do magnata, porém, ter um Estado garantidor dos direitos essenciais não significa advogar pela sua expansão para outros setores da vida cotidiana: “a psicologia nos explica que as pessoas não ficam felizes quando simplesmente ganham as coisas”, argumentou, na mesma entrevista. 

Isso não quer dizer que os Koch estejam necessariamente sempre alinhados aos republicanos: há anos circula o rumor de que, na época do Patriot Act (lei de 2001 que aumentou os controles de segurança após o 11 de setembro, dando margem para os casos de espionagem interna denunciados por Edward Snowden), os irmãos teriam doado 20 milhões de dólares para a União Americana de Liberdades Civis (ACLU) buscar combater a lei na justiça. É incerto se o apoio realmente aconteceu – a ACLU alega não ter autorização para confirmar ou negar doações que preferem permanecer anônimas –, mas o suposto episódio é frequentemente trazido à tona para apontar que a agenda dos Koch é mais complexa do que um alinhamento aos governos republicanos. 

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“A ideologia deles é libertária. Hoje eles são considerados responsáveis por criar nomes republicanos fortes, mas há muitos pontos em que sua filosofia não bate com a do Partido Republicano. Por exemplo, eles são geralmente antiguerra. Eles são libertários no civil, eles não são socialmente conservadores em nenhum sentido da palavra”, disse o biógrafo Daniel Schulman em entrevista à National Public Radio (NPR). “A área em que eles se aproximam dos republicanos são as questões econômicas, e eles são profundamente conservadores na economia – talvez mais linha-dura do que os próprios republicanos”, prosseguiu Schulman, autor do livro Sons of Wichita, sobre a vida dos quatro irmãos Koch. 

Críticas e denúncias

De fato, a agenda econômica dos Koch influencia mais suas decisões do que o partido de quem está no poder. Em 2010, quando a Califórnia ainda era governada pelo republicano Arnold Schwarzenegger, eles investiram pesado na aprovação de uma proposição que suspenderia uma série de medidas para conter o aquecimento global adotadas no estado quatro anos mais cedo. Schwarzenegger venceu a disputa nas urnas, e mais de 60% dos californianos votaram pela continuidade das medidas. Com seus interesses ainda fortemente ligados ao petróleo, os Koch oficialmente reconhecem a ação da emissão de gases no efeito estufa, mas sustentam que o caminho para conter a crise climática não é a regulação – mas o investimento em inovação. 

Nos últimos anos, com a ascensão de Barack Obama, os investimentos aumentaram: em 2012, prometeram distribuir mais de 60 milhões de dólares para impedir sua reeleição – segundo estimativas, o valor final teria sido de mais de 86 milhões –, sem sucesso. A grande dificuldade, normalmente, é determinar qual a dimensão real das doações influenciadas pelos Koch – que muitas vezes se utilizam de empresas e grupos cujas conexões com os irmãos é difícil de ser traçada. 

Uma das maiores críticas às doações secretas dos Koch é a repórter Jane Mayer, da revista The New Yorker, que no ano passado lançou o livro Dark Money, tentando traçar os caminhos do dinheiro. Segundo Mayer, os Koch são parte de um “pequeno grupo de famílias imensamente ricas e superconservadoras, que por décadas colocaram dinheiro, muitas vezes com pouca exposição pública, na tentativa de influenciar como os americanos pensavam e votavam”. 

“A natureza dessas manobras saltou aos olhos”, disse Mayer em entrevista ao jornal Los Angeles Times. “Eu achei aquilo fascinante. Eles se esforçaram muito para esconder o caminho do dinheiro”. Isso nem sempre ocorria em eleições presidenciais: na escolha do novo governador do estado do Wisconsin, em 2010, o comitê diretamente ligado às Koch Industries doou oficialmente 43 mil dólares. Mas outros 3 milhões vieram por meio do grupo Americans for Prosperity, organização fundada pelos Koch e considerada uma das responsáveis por impulsionar a força política do chamado Tea Party, que reúne os nomes mais conservadores do Partido Republicano. 

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Dentro da política, o senador Bernie Sanders – autodeclarado “socialista” e derrotado por Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata – é um dos maiores críticos dos Koch. Em sua página no site do Senado americano, Sanders se baseia na plataforma usada pelo Partido Libertário em 1980 (quando David Koch concorreu à vice-presidência) para afirmar: “a agenda dos irmãos Koch é repelir toda e qualquer lei assinada nos últimos 80 anos e que protegeu a classe média, os idosos, as crianças, os doentes e os mais vulneráveis neste país”. Para Harry Reid, ex-líder da maioria democrata no Senado, os Koch querem “comprar os Estados Unidos”. 

Entre um câncer e um ataque cardíaco

Depois de sucessivas derrotas contra Barack Obama, os Koch entraram nas eleições de 2016 dispostos a não perder novamente. A disputa seria dura, contra uma candidata experiente como Hillary Clinton e a quem as pesquisas apontavam como grande favorita diante de todos os nomes fortes do Partido Republicano. Os Koch, então, prometeram uma verba recorde: cerca de 900 milhões de dólares para levar um candidato mais alinhado às suas ideias à Presidência – fosse Scott Walker (a quem levaram ao governo do Wisconsin em 2010), Jeb Bush ou Marco Rubio, as opções eram várias. 

E então aconteceu Donald Trump. Bilionário, ainda que com um cacife muito menor do que os Koch, apostando na imagem de outsider e sem depender de doadores externos, Trump ganhou espaço de forma que nenhum republicano havia previsto, venceu as primárias e surpreendeu o mundo conquistando também os votos necessários para chegar à Casa Branca. A pouca influência que acabaram tendo nas eleições que pretendiam vencer com seu dinheiro também se reflete em um poder reduzido sobre o agora presidente Trump – e os Koch voltaram a discutir o melhor modo de ação: investir em think tanks, buscar a formação de novos pensadores libertários, e seguir tentando alguma influência nos outros setores da política norte-americana. 

Durante a campanha, Charles Koch chegou a comparar a escolha entre Hillary e Trump como a de eleger entre um câncer e um ataque cardíaco. Em dezembro, David Koch foi expulso de um campo de golfe de propriedade de Trump. No início deste ano, finalmente, os Koch e seus colaboradores mais próximos chegaram a discutir sobre uma oposição ao governo, mas acabaram mudando de ideia: em abril, dois membros do clã Koch (David e Bill) se encontraram com o presidente e chegaram a um acordo. No fim daquele mês, por ocasião dos 100 primeiros dias da nova administração, Charles Koch publicou um artigo no Washington Post garantindo a paz e a reaproximação com o poder: “em vez de ficar muito tempo olhando o passado – mesmo que por apenas 100 dias –, temos que olhar para a frente”, convidou.