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Independentemente de se crer ou não no aquecimento global, ninguém nega que, desde a Revolução Industrial, as mudanças que o ser humano realizou no mundo são incomparáveis com o que havia sido feito até então. Não demoraria muito para que os problemas ambientais decorrentes da ação humana começassem a inquietar corações e mentes.
Talvez a primeira reação moderna a essa intrusão humana na natureza seja o Romantismo, com Wordsworth e Keats e seus idílios, e Dickens e seus romances críticos à sociedade industrial – apenas para citar os ingleses.
Mas as inovações tecnológicas foram muito além do que o mais otimista defensor do “progresso” poderia sonhar e mais do que o mais pessimista dos românticos poderia lamentar. Hoje, os problemas ambientais fazem parte das discussões cotidianas, seja pelos anúncios catastróficos, pelo enésimo acordo firmado entre países para retardar o aquecimento global ou mesmo pelas tragédias mais próximas e reais, como o vazamento radioativo da usina nuclear de Fukushima ou o rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho.
Seja lá qual for o gancho da discussão, em geral o culpado já está identificado: o capitalismo, com sua insaciável voracidade pelo lucro – e, por extensão, seus defensores e teóricos. É claro que, em desastres ambientais de grande proporção, megaempresas são grandes candidatas a estarem envolvidas, mas o acidente de Chernobyl já deveria ter sido o suficiente para baixar a pretensão dos inimigos da liberdade de mercado.
O quase monopólio da esquerda sobre os temas ambientais, contudo, faz com que nos perguntemos se liberais e conservadores teriam algo a dizer sobre o assunto. Vamos, portanto, dar uma pincelada no que seria o pensamento “de direita” sobre o meio ambiente.
Roger Scruton
Talvez quem tenha tratado desse assunto com maior destreza foi o filósofo inglês Roger Scruton, , falecido recentemente. Seu livro Filosofia Verde, Como pensar seriamente o planeta é um resumo claro e instigante do que seria a aplicação do pensamento conservador para a solução dos problemas ambientais.
Um dos princípios básicos do conservadorismo é a subsidiariedade, ou seja, os problemas devem ser enfrentados o mais localmente possível. Mas, se o problema do clima é global, não seria necessário um governo forte o suficiente para aplicar leis no mundo inteiro? Não necessariamente.
Sim, as questões ambientais devem ser enfrentadas por todos, mas “na esfera das circunstâncias diárias, para que não sejam confiscadas pelo Estado”, diz Scruton. Alguém poderia objetar (talvez Greta Thunberg) que muitas campanhas de conscientização são feitas e que isso tem sido insuficiente para mudar a atitude das pessoas. Segundo Scruton, isso acontece porque as campanhas de massa são abstratas demais. Ele cita o conceito de oikophilia, o amor que se tem pelo lar, que seria o fator motivacional necessário para mover as pessoas.
Em outras palavras, ninguém se levantaria para salvar o planeta, ou reduzir em X por cento as emissões globais de carbono, mas muita gente poderia se interessar em recuperar o córrego a cinco quadras de sua casa – caso pudessem se associar e ter os meios para tal. Nesse caso, sim, o Estado serviria como um facilitador ou criador de condições.
Scruton defende “as iniciativas locais contra os esquemas globais, a associação civil contra o ativismo político e as fundações de pequeno porte contra as campanhas de massa”. Antes que o acusem de “bairrismo”, o filósofo inglês, expande a ideia de “local” para o pertencimento à própria nação em que está inserido o indivíduo: “o território [é] o objeto de um amor que encontrou a sua mais forte expressão política por meio do Estado-nação”.
Portanto, se queremos preservar o nosso solo não é só porque está próximo de nós, mas porque também é a terra de nossos antepassados, local da história de nosso povo – nossa homeland.
Muitos outros temas são tratados no livro, mas para não estragar o prazer de sua leitura, abordarei apenas mais um, que me parece capital: o problema da “terceirização dos custos ambientais”.
No artigo Conservatism and the Enviroment [Conservadorismo e meio ambiente], Scruton equaliza o problema da seguinte forma: “O mercado deixa de entregar soluções aos problemas do meio ambiente quando os participantes podem externalizar seus custos – em outras palavras, quando eles podem escapar às regras internas do sistema”.
Esses problemas tendem a acontecer com empresas muito grandes, que não dependem de um terra, ou pátria, para atuar. Assim, uma multinacional pode explorar vorazmente um recurso natural e partir para outro, deixando o custo de sua degradação para a comunidade local. Situações como essa exigem uma resposta, seja por meio do Estado (com a aplicação de leis) ou da sociedade.
Scruton vê com melhores olhos a segunda opção, na qual a comunidade local pode, por meio de associações ou cooperativas, explorar os recursos naturais. Pois, estando eles ligados àquele meio, não quererão e nem poderão externalizar os custos do exaurimento do meio ambiente. É claro que o mundo anglo-saxão tem muito mais tradição em associativismo, e casos bem-sucedidos de preservação ambiental podem ser vistos por lá, como nos casos das associações de caçadores, mas não podemos deixar de aprender com o que funciona.
Fabrice Hadjadj
Outro autor conservador que sempre acaba abordando problemas ambientais em suas palestras é o filósofo francês Fabrice Hadjadj. Ele leva suas reflexões a um plano mais pessoal e acrescenta aos problemas ambientais os problemas das novas tecnologias e do transumanismo.
Hadjadj segue e aprofunda o pensamento católico sobre o clima contido na encíclica Laudato sí (o que nos dá a vantagem de abordar en passant as ideias da Igreja Católica sobre o tema) e nos fornece alguns insights interessantes sobre os problemas do “paradigma tecnoeconômico” atual.
Entre maio de 2016 e julho de 2017, o filósofo escreveu uma série de artigos intitulada As últimas notícias do homem para o jornal italiano Avvenire. É a partir destes artigos que proponho essas reflexões.
Um dos grandes problemas do espaço público atual no Ocidente é ausência da questão do sentido. Todas as questões realmente importantes são enviadas para a “esfera privada”. Isso aconteceu após a Reforma Protestante, quando o Estado, colocado em uma situação nova de pluralismo religioso, substituiu os critérios de discussão pública para questões de comércio – em reação às constantes guerras inter-religiosas.
Uma série de filósofos, de Monstequieu a Kant, defendeu essa visão. Segundo essa perspectiva, como as relações comerciais promovem a dependência e a cooperação mútua entre nações, “quem promove o liberalismo é um construtor da paz”. Mas Hadjadj denuncia os erros desse pensamento: “Esta lógica, a mesma da globalização, leva a uma maravilha: um chefe de Estado europeu, defensor dos valores republicanos, não terá dificuldade para apertar a mão de um emirado wahabita, partidário da sharia”.
Ironias à parte, o problema de adotar um critério meramente mercadológico nas discussões públicas é que “a única guerra que o liberalismo pode tolerar é a guerra contra a natureza: dado que é impossível pensar num progresso moral ou espiritual comum, a distração substitui a conversão e não resta outra coisa senão colocar-se em marcha em direção ao progresso tecnológico”.
Estando já há cerca de 200 anos nessa marcha desenfreada, sem parar um momento sequer para olhar o mapa, a sociedade tem na tecnologia tantos problemas quanto soluções. É só pensar, por exemplo, na profusão e onipresença dos gadgets. Sobre eles Hadjadj comenta: “Essa fascinante virtude do virtual – nos propor o mundo inteiro numa garrafa – corresponde a um vício bem conhecido: a avareza. O avaro senta-se sobre seu monte de ouro [...] sem jamais reduzir o soldo pela aquisição de um bem material [...] com seu peso, seus contornos, sua materialidade. [...] A inovação constante não permite nenhum progresso real da pessoa: ela propulsiona-a sempre mais rápido num giro sempre maior, em que os lançamentos se multiplicam sem cessar, mas sem que se possa jamais tomar posse de um, pois isso seria falhar com os outros”.
Mas Hadjadj não é um defensor do abandono do homem à natureza primitiva. “O meio ambiente para nós não é nunca o da natureza pura, mas [graças a capacidade imaginativa do homem] o de uma natureza mediada por uma cultura”, escreve. Quer um exemplo? Não se costuma ouvir que, para resolver os problemas ambientais, o homem deve se reconectar com a natureza? Até os termos que usamos para colocar os problemas e apontar soluções estão viciados pelo meio hipertecnológico. Quão distante isso está da verdadeira cultura, que depende da lenta e contínua ação da natureza para que as plantas cresçam e deem frutos. Portanto, ao menos no plano pessoal, Hadjadj nos exorta a retomarmos as técnicas “encarnadas”, em que o esforço físico, ou a produção “de proximidade”, se alia ao savoir-faire. E isso vai desde a simples compra de comida a granel para evitar a profusão de embalagens a técnicas artesanais e familiares de produção.
Hadjadj não apresenta soluções em nível social, como faz Scruton, mas sua leitura nos inquieta no plano individual. E ambos mostram que “conservação” e conservadorismo não são palavras próximas à toa.