Se por um lado a percepção de infelicidade tem crescido entre as pessoas ao redor do planeta, por outro o conservadorismo pode ser a saída para um mundo mais feliz. É o que apontam estudos recentes na área da psicologia. De acordo com a última edição da pesquisa anual de experiências negativas do instituto Gallup, divulgada no mês passado, o ano de 2021 foi mais infeliz, estressante e preocupante para pessoas ao redor do mundo desde 2006, quando teve início a série histórica. O estudo não separa os entrevistados por ideologia política, mas levantamentos anteriores com resultados replicados apontam que conservadores são menos propensos a transtornos mentais que progressistas, e indivíduos vulneráveis à depressão têm menor probabilidade de se identificar com partidos conservadores ou votar neles, tendendo a um viés contra a direita.
No contexto da pandemia, Soyoung Kwon, do Departamento de Psicologia e Sociologia da Universidade A&M do Texas, investigou como essas diferenças em propensões a problemas mentais de acordo com afiliação política responderam aos riscos da Covid-19, com uma amostra de mais de quatro mil americanos. Soyoung confirmou que as pessoas de direita (no caso, afiliadas ao Partido Republicano) sofreram menos angústia na pandemia. Além disso, o que foi o achado mais interessante do estudo, elas respondem melhor à percepção de risco: ajustam seu nível de ansiedade ao tamanho percebido do risco, enquanto pessoas de esquerda (Democratas) fazem um ajuste menos refinado de suas emoções à realidade percebida e mantêm sempre níveis maiores de angústia. Os dois grupos só ficam indistinguíveis quando o maior risco percebido corresponde também ao maior risco real.
Dez anos atrás, o psicólogo Barry Schlenker, da Universidade da Flórida em Gainesville, junto a dois colaboradores, já expunha com detalhes, delongas e quatro amostras diferentes que os conservadores são mais felizes que os progressistas. A conclusão fica de pé quando são excluídos fatores como idade, gênero, renda e nível educacional.
Uma explicação para a diferença pode estar no conceito “oikophobia”, proposto pelo filósofo conservador britânico Roger Scruton: uma aversão da esquerda ao próprio lar, à própria cultura. Estar desconfortável com tudo o que está ao redor não parece ser condutivo à felicidade. Barry e seus colegas propõem mais explicações: os conservadores têm mais autocontrole, religiosidade, clareza moral, tolerância a transgressões e satisfação com a sociedade — que são também variáveis associadas com mais satisfação em geral na vida. Enquanto isso, um resultado replicado sobre progressistas mostra que eles têm inveja maliciosa de pessoas de sucesso.
Mais preocupação, estresse e tristeza
O impacto emocional do segundo ano de pandemia foi maior para o mundo do que o primeiro, segundo a pesquisa do Gallup, que mapeou experiências positivas e negativas de adultos em 122 países e territórios, em 2021. De acordo com as conclusões, à medida que cresceram as incertezas, o planeta se tornou um lugar um pouco mais preocupado (com um aumento de dois pontos) triste e estressado (ambos com um ponto a mais) que no ano anterior. Somente a raiva permaneceu em patamares equivalentes, chegando a cair em relação a 2020.
O índice de experiências negativas é baseado em cinco perguntas, em que os respondentes dos 122 países relatam se passaram por preocupação (42%), estresse (41%), dor física (31%), tristeza (28%) e raiva (23%) no dia anterior à entrevista. Tomados em conjunto, o índice de experiências negativas global foi de 33%, em ascensão desde o início da pesquisa anual em 2006, quando o índice foi de 24%. A margem de erro das estatísticas do Gallup são de 2 a 5,5 pontos para mais ou para menos. Mil pessoas ou mais foram ouvidas por país.
O campeão de infelicidade é o Afeganistão, onde somente 20% ou menos das pessoas dizem que se divertiram, sentiram-se bem descansadas ou riram; 80% dos afegãos estiveram preocupados, com a maioria se dizendo também estressada e triste. O país está sob controle do Talibã desde que o presidente Joe Biden retirou suas tropas de uma maneira amplamente considerada desastrosa. Além do Afeganistão (32%), outros dois países com o índice de experiência positiva abaixo de 50% são o Líbano (37%) e a Turquia (42%).
Em 2021, as pessoas também relataram se sentir menos descansadas (com queda de três pontos no quesito, em relação ao ano anterior) e com menos prazer derivado do dia anterior (queda de dois pontos). Embora a marca das experiências positivas no dia anterior ainda seja alta, correspondendo a 69%, o índice caiu pela primeira vez desde 2017. A estatística é bastante estável, nunca ficando abaixo de 68% desde 2006. Quase 90% disseram que foram tratados com respeito no dia anterior, e 70% relataram ter se divertido e rido bastante. A boa notícia, portanto, é que há mais boas experiências que decepções no mundo, com base nesse indicador.
A América Latina é a campeã do bem-estar diário. O Brasil não está entre os dez mais felizes da amostra, mas o vizinho Paraguai foi o terceiro no índice de experiências positivas, atrás apenas do Panamá e da Indonésia. El Salvador, Honduras e Nicarágua estão nessa lista, empatados com índice de 82% de experiência positiva — uma estatística baseada em respostas para cinco perguntas sobre estar bem descansado; ter desfrutado de alegria; sorriso ou riso; respeito; e aprendizado ou ter feito algo interessante no dia anterior.
Felicidade segundo critérios objetivos
Um levantamento baseado em quesitos menos subjetivos também foi publicado pelo Gallup em março deste ano. O Relatório Mundial da Felicidade, com amostra maior de 146 países, inclui PIB per capita (a riqueza por pessoa), apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade para fazer escolhas de vida, generosidade, percepções de corrupção e distopia (o contrário de utopia). O Brasil ocupou a 38ª posição. Quando são adicionados esses elementos objetivos de bem-estar, o topo da lista é dominado pela Escandinávia, outros países da Europa e, em nono lugar, Israel. Os latino-americanos mais altos são Costa Rica (23º) e Uruguai (30º).
Estudiosos também têm se dedicado ao longo das últimas décadas a encontrar correspondências entre índices de bem-estar pessoal e convicções políticas. E as pesquisas evidenciam que, comparados a progressistas, conservadores são menos propensos a ter transtornos mentais. Dados da Pesquisa Social Geral (GSS) dos Estados Unidos — com mais de 11 mil respondentes desde os anos 1970 — mostram que a diferença de saúde mental entre os adeptos mais extremos dessas ideologias equivale a 65% dos extremamente progressistas tirando “notas” de saúde mental piores que a média dos “extremamente conservadores”. Outra forma de interpretar esse resultado é que há 61% de chance de um progressista escolhido ao acaso ter uma pontuação maior em problemas mentais que um conservador escolhido ao acaso.
Os “extremamente progressistas” têm um risco 150% maior de transtornos mentais comparados aos politicamente moderados, na análise da GSS feita pelo psicometrista Emil Kierkegaard, do Instituto Ulster pela Pesquisa Social em Londres. Similar à GSS é a Pesquisa Social Europeia (ESS), usada em um artigo de 2020 de Luca Bernardi, do Departamento de Política da Universidade de Liverpool, no Reino Unido.
Levando em conta índices de depressão e predisposições políticas, Luca mostra que indivíduos vulneráveis à depressão têm menor probabilidade de se identificar com partidos conservadores ou votar neles, e de se colocarem à direita no espectro político. Como pano de fundo, o pesquisador também mostra que os deprimidos não são mais apolíticos que outras pessoas, mas têm um viés contra a direita. Neste banco de dados da ESS foram incluídos 40 mil domicílios britânicos acompanhados de 1991 a 2009.
Até mesmo nas facetas autoritárias o efeito protetivo da inclinação à direita sobre a saúde mental é conhecido pela ciência. Em um estudo de 2009, os psicólogos belgas Alain Van Hiel e Barbara De Clercq, da Universidade Ghent, mostraram, com amostra menor, que os efeitos de eventos angustiantes no histórico de vida são atenuados por níveis maiores de autoritarismo. Importante lembrar que nesta época a psicologia social ainda não tinha reconhecido o autoritarismo de esquerda.
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