Na esteira das ocupações estudantis pró-Palestina em várias universidades dos EUA, a Câmara dos Deputados americana aprovou, no dia 1º, por larga margem (320 contra 91), um projeto de lei que expande a definição de antissemitismo para fins legais.
A proposta pretende adotar oficialmente no país a definição de antissemitismo da IHRA (sigla em inglês para Aliança Internacional de Memória do Holocausto). Esse conceito passaria a ser obrigatório para o Ministério da Educação, que teria de levá-lo em conta em procedimentos sancionatórios contra escolas e universidades.
A definição que seria insculpida em lei está disponível em português no site da IHRA, que lista diversos exemplos hipotéticos em que ela se encaixaria.
Entre eles, há elementos comuns no discurso da esquerda (tanto a americana quanto a brasileira), como comparar decisões do governo israelense com ações dos nazistas (algo que chegou a ser feito pelo presidente do Brasil), defender que o Estado de Israel deixe de existir enquanto ente político ou afirmar que o país é um “empreendimento racista”.
A deputada Kathy Manning, do Partido Democrata, vice-presidente da Força-Tarefa Bipartidária para o Combate ao Antissemitismo, justificou o projeto afirmando a existência de uma “explosão de antissemitismo, principalmente nos campi universitários”. E defendeu: “O Congresso deve fazer tudo o que for possível para combater esse ódio”.
No entanto, a proposta, que segue agora para o Senado, é alvo de críticas de grupos defensores da liberdade de expressão, como a ACLU (sigla para “União Americana para as Liberdades Civis”), que afirma que o projeto representaria o cerceamento de críticas políticas legítimas contra Israel.
Numa inversão do padrão usual dos últimos anos, o argumento de defesa da liberdade de expressão tem vindo principalmente da esquerda: entre os deputados que votaram contra o projeto, 70 são do Partido Democrata (esquerda) e só 21 são do Partido Republicano (direita).
Como é a lei americana hoje
Nos Estados Unidos, manifestações consideradas ofensivas a grupos sociais ou entes abstratos (como discursos antissemitas e racistas, queimas de exemplares do Alcorão ou vilipêndio a bandeiras nacionais) são consideradas protegidas pela liberdade de expressão, e não podem ser proibidas pelo Estado.
Contudo, desde 1964, o Título VI da Lei dos Direitos Civis proíbe discriminação de raça, cor ou procedência nacional em qualquer programa ou atividade fomentado por recursos federais.
Além disso, obriga esses programas e atividades a cumprirem diretrizes discricionárias mais específicas do governo, expedidas sob o fundamento de garantir que realmente não ocorra discriminação.
De acordo com o cientista político Richard Hanania, em seu livro The Origins of Woke (em tradução livre, “As origens do identitarismo”), “praticamente todas as escolas e universidades” nos EUA recebem recursos federais, o que tem implicado grandes poderes do governo para interferir no funcionamento das instituições de ensino, inclusive em questões disciplinares.
Hanania explica que, embora a lei de 1964 falasse apenas em impedir a “discriminação”, os órgãos governamentais vêm praticando ativismo interpretativo há décadas para expandir os próprios poderes.
Como resultado, surgiu a doutrina do “ambiente hostil” (hostile environment), situação que pode, em tese, ser configurada pelo mero fato de um membro de grupo minoritário se dizer repetidamente incomodado por falas proferidas por colegas, ainda que sem intenção de ofender ou não direcionadas a ele pessoalmente.
Situações como essa passam a ser juridicamente consideradas uma forma indireta de “discriminação” imputável à instituição de ensino ou empregador.
A ACLU citou justamente a doutrina do “ambiente hostil” para explicar por que se opunha ao projeto agora aprovado pela Câmara. Segundo a entidade, uma vez que a lei fosse aprovada, meros protestos estudantis contra Israel poderiam ser invocados como geradores de “ambiente hostil” ou “assédio” contra outros estudantes que fossem judeus.
Assim, diz a organização, isso poderia resultar em pressão para as universidades censurarem um discurso político, sob pena de corte de verbas. A ACLU ainda pontua: “A capacidade de criticar governos e suas políticas é um componente essencial da nossa democracia”.
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