Em sete meses como prefeito de São Paulo, uma das principais bandeiras de João Doria tem sido as parcerias com a iniciativa privada. Doria, que gosta de se vender como gestor e não como um político comum, defende que as parcerias são uma boa forma de driblar a crise econômica e falta de dinheiro que as administrações municipais enfrentam.
Desde o começo de seu mandato, a estratégia vem dando muito certo. Com 100 dias de governo, sua aprovação, de acordo com o Instituto Paraná de Pesquisas, chegava aos 70%, alimentando sonhos mais altos, como uma possível candidatura à presidência em 2018.
A atuação precipitada e sem muito método na Cracolândia, que levou ao pedido de demissão de sua secretária de Direitos Humanos, fez com que, pela primeira vez, sua popularidade sofresse abalos. Doria foi à imprensa anunciar o fim da Cracolândia, mas o que se viu foi que ela apenas mudou de lugar, migrando para a praça Princesa Isabel, a poucos metros do local original. Como consequência, a reprovação ao seu governo aumentou de 39% para 52%, segundo uma pesquisa divulgada pela Datafolha, realizada entre os dias 1º e 13 de junho.
Mas a joia da coroa, a questão das parcerias privadas, ainda garantia sua fama de bom gestor. Até que, nesta sexta-feira (07), a Folha de S. Paulo publicou uma grande reportagem mostrando que, de todas as doações anunciadas pelo prefeito, apenas 8% foram de fato efetivadas.
Um exemplo apontado pela reportagem de Arthur Rodrigues que deixa claro a diferença entre o discurso praticado por João Doria e a realidade é uma doação no alto valor de R$ 20 milhões atribuída à empresa aérea Qatar Airways. O pedido foi feito em fevereiro pelo prefeito. Detalhe: a empresa não tem sequer conhecimento sobre o assunto.
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Há outros problemas. Uma doação de alimentos de R$ 12 milhões que seria feita pela Associação Brasileira de Alimentos (Abia) aconteceu de fato. Mas o valor real foi bem menor: R$ 1,5 milhão, bem menor que o propagandeado pela prefeitura.
Confrontado com os números que mancham sua principal bandeira, Doria tomou uma atitude pouco condizente com a dos melhores manuais de gestão. Gravou um vídeo em sua página no Facebook, seguida por 2.780.000 pessoas, em um tom bastante alterado.
Nossas convicções: O poder da razão e do diálogo
“Hoje estou aqui contestar, contestar esta matéria aqui da Folha de S. Paulo, escrita por este repórter, Arthur Rodrigues. Diz aqui: ‘Doações prometidas por Doria empacam’. EMPACAM COISA NENHUMA, SENHOR ARTHUR RODRIGUES E FOLHA DE S. PAULO! (...)Me dê atitudes positivas e eu confiarei que as medidas que vocês colocam aqui nesta matéria representam um bom sentimento em relação à cidade. Ora, faça-me o favor. Pode fazer críticas. É natural e é normal. Quem está na função pública está sujeito a receber críticas, mas sejam justos e sejam corretos. E na próxima matéria, Arthur, pesquise melhor, tá?”
Nos dois minutos em que pediu ao repórter para pesquisar melhor e afirmou que as doações não empacaram, Doria não apresentou nenhuma informação que contestasse os números da reportagem. Tentou apenas desqualificar o jornal e o repórter, se mostrando refratário a uma análise ancorada apenas em dados.
Nossas convicções: Liberdade de expressão
Iniciativas que estimulam as empresas a contribuir com o bem comum são sempre bem-vindas. Mas o prefeito de São Paulo deve estar atento que a liberdade de expressão é essencial para que exista a cobrança do poder público. Sem isso, as próprias bases da democracia ficariam profundamente abaladas.