Diante dos elogios histéricos, comentários preocupados e entusiasmo geral, é de se supor que “Coringa” é uma obra de gênio, propaganda de direita ou uma combinação diabolicamente potente das duas coisas. A verdade é que se trata de apenas um filme – um bom filme, não um filme maravilhoso; um filme que vai agradar os fãs da subcultura específica que ele pretende atender, enquanto aqueles que até aqui sobreviveram sem se importar muito com filmes baseados em histórias em quadrinhos continuarão sem se importar.
Homenagem sombria, rasa e aleatoriamente referente aos filmes da década de 1970, "Coringa" dá continuidade à questionável tradição do “quanto mais sombrio melhor” que Christopher Nolan ajudou a codificar em seus filmes do Batman. Aqui, o diretor Todd Phillips – mais conhecido por suas comédias de camaradas decadentes, como "Se Beber, Não Case" – leva a atmosfera melancólica a um nível mais niilista, disparando referências cinematográficas à filmografia de Martin Scorsese.
"Coringa" é um filme explicitamente soturno que evoca constantemente o lixo, os párias e a apatia social pelos quais Nova York é conhecida. Seja bem-vindo a Gotham City, onde os fracos são mortos e comidos.
E não há ninguém mais fraco do que Arthur Fleck, um aspirante a comediante cujo trabalho durante o dia é como palhaço, seja divertindo crianças num hospital ou se apresentado nas ruas da cidade. Interpretado por Joaquin Phoenix que o retrata como um palhaço triste que fica louco com um toque de Pagliacci, Arthur é um homem patético e infantilizado que vive com a mãe (Frances Conroy), vive anotando pensamentos aleatórios e piadas ruins em seu diário ("espero que minha morte renda mais trocados do que minha vida”) e alimentando uma ambição ilusória de aparecer num programa noturno de entrevistas apresentado por um comediante chamado Murray Franklin. O fato de Franklin ser interpretado por Robert De Niro é somente uma das muitas referências a Scorsese, neste caso ao brilhante “O Rei da Comédia”.
Naquele filme, De Niro interpretava um fã inveterado; neste, ele está ocupando o lugar que foi de Jerry Lewis. A inversão é inteligente, mas talvez pretensiosa demais, já que “Coringa” se esmera nas citações cinematográficas, evocando "Taxi Driver", "Touro Indomável", “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin, e todo o cânone de clássicos urbanos dos anos 1970. (Aparentemente, Gotham tem sua própria versão de Steven Sondheim também).
Ainda que se possa dizer que Phillips está se inspirando nos melhores, as referências se tornam exaustivas e “Coringa” começa a parecer menos um filme original (é o primeiro filme que a Warner Bros. está lançando com o rótulo de filmes inspirados pelas histórias em quadrinhos da DC Comics) e mais um caleidoscópio de imagens e temas a que já assistimos antes.
E, sim, o filme é uma reflexão sobre nosso tempo, mas não uma reflexão especialmente inteligente. Inspirado em personagens históricos como o serial killer John Wayne Gacy e o “vigilante do metrô” Bernard Goetz, Phoenix cria um personagem que simboliza a autocomiseração, a autoimportância e a raiva que têm contaminado um grupo restrito, mas desproporcionalmente barulhento (e psicoticamente violento) da sociedade norte-americana. Ele não começa o filme como um canalha – ele precisa ser um assalto para dar início à sua vida de crime – mas, assim que o filme alcança seu clímax anárquico e sanguinolento, o Coringa se torna o símbolo de um movimento populista de perdedores que, em vez de usarem tochas e forquilhas usam perucas verdes e narizes de palhaço.
Como uma história das origens do personagem, “Coringa” é exuberante e convincente (e exibe um encontro incrivelmente fatídico conectando Arthur a um universo mais amplo), mas no geral serve como uma tela para Phoenix, que se esforça ao máximo para criar uma interpretação operística. Assustadoramente magro e rindo uma risada louca que Arthur usa quando está assustado, com raiva ou confuso, ele interpreta quase constrangido um papel que simplesmente não merece a seriedade a ele conferida pelos fãs e diretores de cinema.
"Coringa" é, por fim, de uma grandiosidade tão monótona e cheio de pretensão que acaba parecendo frágil e previsível. Como o anti-herói que lhe serve de tema, é um filme se esforçando tanto para ser obrigatório com O maiúsculo que acaba parecendo descartável.
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