É em momentos de crise como a do coronavírus que o comunismo tende a mostrar seu lado mais macabro. Por meio da força, manipulando e controlando informações e tratando as pessoas como instrumentos de um jogo político internacional, a China hoje tenta demonstrar que tem a segurança do mundo em suas mãos e que o regime autoritário é superior a qualquer versão da liberdade quando o assunto é saúde pública.
É como se eles usassem a adversidade a seu favor e, num golpe de relações públicas, dissessem que o mundo não precisa se preocupar com esse ou qualquer outro patógeno que tenha origem naquele pedaço específico do globo porque os líderes chineses, em sua inegável sabedoria, jamais perderiam tempo com protocolos de tratamento e muito menos com a democracia em seus esforços para salvar a humanidade de mais essa ameaça.
E, à primeira vista, pode parecer mesmo que os esforços ditatoriais para conter uma ameaça mundial são bem-vindos justamente por não darem margem a contestações que seriam comuns, mas talvez indesejáveis, em países livres e democráticos. Mas não se engane: no comunismo (e o comunismo chinês não é exceção) o que prevalece é sempre uma narrativa imposta à força e que não está nem aí para a realidade.
Desde que as primeiras notícias sobre o coronavírus surgiram, as medidas tomadas pelo governo chinês impressionam pelo gigantismo – aliás, como tudo que envolve a China. Quarenta milhões de pessoas (um estado de São Paulo inteiro) estão de quarentena em Wuhan, o epicentro do surto (ou epidemia), e mais 12 cidades. Não há transporte público. Os poucos vídeos disponíveis nas redes sociais mostram uma megalópole-fantasma. Até a Grande Muralha da China foi fechada. Em Pequim, pessoas sem máscaras estão proibidas de entrar no metrô.
É difícil falar sobre a eficácia de todas essas medidas para conter a disseminação do vírus. Até porque a China não está seguindo os protocolos internacionais, uma vez que não se sabe ao certo quais protocolos usar neste caso. Tudo é uma grande especulação, desde a origem do vírus até a forma de transmissão da doença.
Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas
A desinformação é um dos instrumentos mais usados pelos regimes comunistas – e com o coronavírus não é diferente. Parte dessa desinformação se dá pela própria natureza da doença – uma novidade assustadora sobre a qual pairam muitos pontos de interrogação, gerando um ambiente que alia pressa e medo. Mas boa parte das dúvidas são geradas pelo desejo de controle do Partido Comunista chinês e por sua vontade de impedir um estrago ainda maior na imagem do país.
Em tempos de Internet, só há uma forma de conter a disseminação de informações: a força. Não à toa, pessoas têm sido presas por espalhar o que as autoridades chinesas consideram boatos, mas que são apenas informações sem o selo de autenticidade do Partido Comunista. E os poucos vídeos que conseguiram furar o isolamento não podem ser independentemente confirmados.
As únicas informações que conseguem escapar à interminável quarentena censória do Partido Comunista são aquelas que retratam o país sob uma luz positiva. Houve quem ficasse maravilhado, por exemplo, com o empenho das autoridades em construir um hospital com mil leitos em menos de 10 dias. Fotos de máquinas e homens trabalhando incansavelmente circularam o mundo, para o deleite daqueles que acreditam na capacidade humana de planejar todos os aspectos da existência – uma das bases do ideário socialista.
Neste caso, é impossível não ver alguma semelhança com os esforços empregados na contenção dos danos causados pela explosão do reator da usina nuclear de Chernobyl, na extinta União Soviética.
O mundo observa esse joguinho de esconde-esconde sem nem poder se solidarizar com os milhões de chineses presos em suas casas, sabe-se lá em que condições. Como a comida está chegando a essas pessoas? Como elas estão lidando com o lixo? Como as pessoas sadias estão convivendo com as pessoas que apresentam os sintomas do coronavírus? Como o isolamento está afetando economicamente essas pessoas? Quais serão as consequências de médio e longo prazo do confinamento?
“Admirável”
Mas nem todo mundo está preocupado com os indivíduos. O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, por exemplo, teceu loas ao governo chinês por seus esforços “raramente vistos no mundo” para conter o coronavírus. Tedros Adhanom Ghebreyesus, posando para as burocráticas fotos ao lado do ministro do Exterior chinês, Wang Yi, se disse confiante na capacidade chinesa de conter a disseminação do vírus e da doença. É “admirável”, concluiu ele com o entusiasmo típico dos tecnocratas.
Demonstrando uma credulidade pungente, Ghebreyesus parece ser daqueles que confiam nos números do regime comunista chinês. Mas, levando em conta que o governo daquele país demorou a agir e que os números têm mudado com alguma constância, como confiar na quantidade de infectados e mortos até aqui divulgada?
O que não se pode ignorar é que o pânico diante da possibilidade de uma epidemia como a da Gripe Espanhola, que infectou 500 milhões de pessoas e matou algo entre 20 e 30 milhões, tem o poder de fazer com que acreditemos de fato na eficácia do “autoritarismo sanitário”. Já há quem diga que, num país democrático, com todas as instituições atuando e as cortes supremas dando a última palavra, medidas eficientes de contenção seriam inviáveis. Então que bom que na China não há nada disso e uma canetada parece resolver a ameaça, não é mesmo?
De longe, gozando plenamente de suas liberdades, muitas pessoas hoje admiram a força do regime comunista, que não consegue educar e pôr proteína de qualidade na mesa das pessoas, levando-as, por ignorância ou necessidade, a consumirem animais exóticos e, assim, se exporem a patógenos desconhecidos, mas que se diz plenamente capaz de salvar a Humanidade dos perigos desse vírus chamado “liberdade”.
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