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Quando a pandemia da Covid-19 ainda parecia algo a ser resolvido em questão de meses, muito se especulou acerca da possibilidade de as medidas de isolamento adotadas por vários países resultarem em um novo “baby boom”. Casais trancafiados, é claro, fariam mais bebês. A ciência, contudo, aponta para uma tendência sólida: alta mortalidade e recessão econômica resultam em quedas drásticas nos índices de natalidade. E com a crise do coronavírus não foi diferente. Pelo contrário: trata-se de um dos maiores “baby busts” (falta de bebês) da história.
Só nos Estados Unidos, um estudo do Brookings Institute publicado em junho do ano passado prevê um déficit de meio milhão de bebês. “As circunstâncias em que nos encontramos provavelmente serão duradouras e levarão a uma perda permanente de renda para muitas pessoas”, escrevem os pesquisadores. Na Coréia do Sul, que fechou 2020 com menos de mil mortes por Covid-19 e sem um único dia de lockdown, os números são ainda mais alarmantes: pela primeira vez, o número de nascimentos foi menor do que o número de mortos, um dado que marca o encolhimento da população.
"O baque mental e financeiro da pandemia afetou e continuará afetando a natalidade de forma sem precedentes", diz Cho Youngtae, da Universidade Nacional de Seul, para quem o quadro é definitivo: os nascimentos não vão mais superar as mortes. Embora a relação entre alta mortalidade, recessão econômica e a redução no número de recém-nascidos seja bem estabelecida na literatura acadêmica, também é verdade que, via de regra, a queda da natalidade é cíclica, e os países tendem a ver um novo crescimento populacional conforme a economia se recupera.
Desta vez, apostam os pesquisadores do Brookings Institute, será diferente: “Esperamos que muitos desses nascimentos não sejam apenas adiados - mas nunca aconteçam. Esse será mais um custo dessa terrível pandemia”.
Na Europa, um estudo com jovens entre 18 e 34 anos da Itália, Alemanha, França, Espanha e Reino Unido, realizado pela Universidade Católica de Milão, apontou que mais de dois terços dessa geração pretendem adiar ou, simplesmente, desistiram de ter filhos por causa da pandemia. Segundo uma pesquisa recente publicada pelo Lancet, a taxa de fertilidade global atingiu o índice de 2,4 em 2017 - com 2,1, a população do mundo começa a diminuir, o que pode acontecer até o final do século.
Futuro incerto
Do alto custo da criação dos filhos à preocupação diante de um futuro incerto, gravemente abalado pela crise do Sars-CoV-2, sem deixar de lado a popularização dos métodos contraceptivos, que remonta à década de 1970, vários são os fatores que explicam o declínio das taxas de natalidade nos tempos modernos.
De acordo com o demógrafo Lyman Stone, em artigo publicado em junho do ano passado pelo Institute for Family Studies, “os jovens estão demorando mais para se estabelecerem, tendo dificuldade em conseguir empregos estáveis e situações de moradia que possibilitem a formação de famílias e ter relações sexuais com menos frequência”.
“Embora o declínio da gravidez na adolescência seja uma coisa boa, as taxas de nascimento de primogênitos diminuíram para mulheres de até 30 anos e não houve aumento significativo nessas taxas entre as mulheres mais velhas. Portanto, não se trata apenas de adiamento, mas de más condições econômicas e relacionamentos incertos que levam cada vez mais mulheres a não terem os filhos que desejam”, explica Stone.
Há que se levar em conta também o surgimento de duas gerações (primeiro, os millenials, hoje entre 35 e 25 anos, e a geração Z, nascida após 1995) com mais acesso à informação e alto engajamento em causas sociais. No Reino Unido, surgem movimentos de mulheres que se recusam a ter filhos até que o aquecimento global acabe. Em 2019, a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, mobilizou seus seguidores afirmando que “é basicamente um consenso científico de que a vida de nossos filhos vai ser muito difícil. E isso leva os jovens a ter uma pergunta legítima: é certo ainda ter filhos?”, questionou a ativista. No mesmo ano, o príncipe Harry e a atriz Meghan Markle afirmaram que não pretendem dar mais do que um irmão ao pequeno Archie, usando a mesma justificativa: a pandemia.
Mito da superpopulação
O prêmio Nobel de Economia de 2018, conferido ao economista Charles Jones, da Universidade de Stanford, oferece o melhor argumento contra a lógica do “quanto menos gente, melhor” e ajuda a entender a gravidade da brusca queda de natalidade que o mundo está presenciando.
“Nossas revoluções científica, industrial e tecnológica, e suas melhorias dramáticas para o florescimento humano foram impulsionadas por um processo de mais descobertas, levando à produção de mais alimentos, o que levou a mais pessoas, que por sua vez desenvolveram mais e mais descobertas que melhoraram a vida de bilhões”, explica Jones. “Temos simultaneamente muito mais pessoas e padrões de vida muito mais elevados”, justamente porque “as pessoas são um insumo crucial na produção das novas ideias responsáveis pelo crescimento econômico”.
Influenciador pelo trabalho de seu mentor Paul Romer, criador da Teoria do Crescimento Endógeno, Jones insiste - e a ciência comprova - que o crescimento populacional não é apenas bom, mas essencial para o desenvolvimento humano. A plena recuperação da crise causada pela Covid-19, portanto, demandará mais pessoas para trabalhar em comunidade, não menos. E, ao que parece, os novos membros não estão a caminho.