A Covid longa, que é chamada em algumas publicações médicas de “condição pós-Covid” (CPC), não está associada à Covid, concluiu um novo estudo publicado na semana passada (30/03) na revista JAMA Network Open — o JAMA (Journal of the American Medical Association) é um dos mais respeitados periódicos médicos do mundo. Em vez disso, os sintomas relatados pelos pacientes estavam associados ao sentimento de solidão e à falta de exercício físico.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a Covid longa pela persistência, três meses ou mais após a infecção, de sintomas como cansaço (fadiga), falta de ar (dispneia) e dificuldade de concentração (confusão mental). A literatura médica é incerta a respeito da prevalência em crianças e adolescentes que tiveram o vírus, propondo de 3% a 87%.
Os autores do estudo acompanharam jovens noruegueses dos 12 aos 25 anos por seis meses, de dezembro de 2020 a maio de 2021, data em que as variantes mais perigosas do coronavírus dominavam os surtos, antes da ascensão da variante menos letal ômicron, dominante agora. Os jovens foram escolhidos ao procurar pelo teste da Covid, e foram submetidos a testes completos de saúde incluindo sinais vitais, exames de sangue e questionários.
Os participantes também passaram por avaliação de aptidão mental como teste de memória e de aprendizado verbal. De um total de quase seis mil indivíduos candidatos, após triagem e desistências restaram 382 com teste positivo para Covid e 84 com resultado negativo. Neste caso, esses números são suficientes para as comparações estatísticas.
Entre os jovens com Covid-19 confirmada em laboratório, 48,5% tiveram condição pós-Covid (CPC). Entre os livres da infecção, os sintomas de CPC foram encontrados em 47,1%. A diferença numérica entre os grupos não tem significado estatístico, ou seja, eles são idênticos. Daí a conclusão dos cientistas que a “Covid longa” não está associada à Covid.
Uma definição de Covid longa alternativa à da OMS trata como sintoma central do problema a “síndrome de fadiga pós-infecção” (PIFS, na sigla em inglês). O resultado foi o mesmo. A PIFS não foi associada a um histórico de infecção prévia com Covid, estando presente nos dois grupos em medida estatisticamente indistinguível após seis meses desde o teste laboratorial.
O que foi de fato associado à “Covid longa”?
A bateria completa de exames foi feita nos jovens para que fosse possível testar associação dos sintomas de “Covid longa” com outros fatores. Os cientistas encontraram associação do problema com relatos de sentimentos de solidão e baixos níveis de atividade física. A severidade dos sintomas foi associada ao desajuste emocional e ao sexo feminino, sobrerrepresentado na amostra. Incluindo a PIFS, fatores de risco para os sintomas foram, mais uma vez, ser do sexo feminino, sedentarismo, solidão, e eventos negativos que aconteceram na vida dos pacientes no ano anterior.
Um potencial resultado revelador do estudo é que, se a conclusão for generalizável, enquanto a Covid não está por trás da “Covid longa”, medidas de contenção da Covid como lockdown e fechamento de escolas podem ter associação ou relação causal com o problema. Sua relação com falta de exercícios é clara, e múltiplos estudos apontam que essas medidas foram responsáveis por uma piora na saúde mental de crianças e adolescentes.
Uma das publicações mais abrangentes a respeito do assunto é uma revisão da JAMA Pediatrics, que englobou 36 estudos de 11 países, com um total de quase 80 mil crianças e adolescentes e 18 mil pais. A conclusão: “quase todos os estudos documentam piora na saúde mental e bem-estar” com as escolas fechadas e o lockdown, em comparação à população adulta ou aos níveis pré-intervenção. A razão para esse resultado é que a escola “ocupa a maior parte do tempo dos estudantes durante a semana”. Estudos da vida social dos jovens em idade escolar mostram que o contato social, essencial para a saúde, acontece mais durante a semana, na escola, do que nos fins de semana.
Emenda pior que o soneto
Os estudos revisados mostram que entre 18% e 60% das crianças e adolescentes são classificados acima de limiares conhecidos de riscos para dificuldades psicológicas como ansiedade e depressão, níveis maiores que os pré-pandêmicos. Em países como EUA, Escócia e Índia, 36 a 47% dos jovens tiveram uma queda na atividade física, também associada fortemente à saúde mental. Na Espanha, os jovens aumentaram em até três horas diárias o tempo que passam olhando para telas de computador ou celular, na Índia o aumento foi de 70% em relação a antes da pandemia.
Especialistas como o psicólogo social Jonathan Haidt suspeitam que as redes sociais estão por trás de uma grande crise de saúde mental entre os adolescentes — especialmente do sexo feminino, que foi justamente o mais representado entre os que sofrem de “Covid longa”.
O estudo da Covid longa teve como primeiro autor Joel Selvakumar, médico do Departamento de Pediatria e Saúde Adolescente do Hospital Universitário Akershus, na Noruega, e 19 outros autores afiliados a outras instituições da Noruega, Suécia, Reino Unido, China e Austrália. Em um gráfico detalhando quais sintomas andaram juntos, eles mostraram que o cansaço, o desajuste emocional, a solidão e depressão estão todos ligados.
Esses fatores também estão ligados ao neuroticismo — não tem caráter insultuoso como “neurótico”, mas significa uma propensão a emoções negativas que é um dos cinco principais componentes da personalidade nas melhores teorias atuais. Em praticamente todos os estudos de personalidade as mulheres têm maiores notas nessa característica, e mostram diferenças grandes comparadas aos homens em traços de personalidade relacionados como cordialidade, sensibilidade (uma diferença maior que 200%), apreensão e tensão. Portanto, para lidar com problemas como a “Covid longa”, é preciso reconhecer as diferenças psicológicas entre os sexos.