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Foi publicado na segunda-feira (2) o relatório final do Subcomitê Seleto sobre a Pandemia de Coronavírus, uma espécie de comissão parlamentar de inquérito de deputados americanos aberta em 23 de abril de 2020. O objetivo do subcomitê foi fiscalizar a resposta do governo dos Estados Unidos à Covid-19.
O documento de 520 páginas trata das origens do vírus, vacinas, políticas de saúde, medidas de confinamento (lockdowns) e do uso de auxílios em dinheiro do governo. O subcomitê defende que a origem do coronavírus via vazamento laboratorial — supostamente acobertada pela ditadura chinesa e por cientistas — é a mais plausível; que as pesquisas com o vírus na China foram financiadas pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, financiadores estatais de pesquisa dos EUA); que o programa de aceleração de produção de vacinas de Donald Trump foi um sucesso; que lockdowns, especialmente em escolas, foram um fracasso e que houve “fraude, desperdício e abuso generalizados” na resposta do governo à pandemia.
O relatório afirma que a pandemia de Covid-19 “ressaltou uma desconfiança em líderes”. “Uma pandemia futura exige uma resposta integral dos Estados Unidos que seja administrada por aqueles que não terão ganho pessoal ou viés”, afirma o documento.
A comissão é bipartidária. Com a mudança da legislatura após as eleições de meio de mandato em 2022, a maioria de sete deputados democratas contra cinco republicanos foi substituída por uma maioria de dez republicanos contra oito democratas. O presidente do subcomitê é o republicano Brad Wenstrup, representante do estado de Ohio.
O trabalho do grupo envolveu mais de 100 cartas de solicitação de informações, 38 entrevistas e depoimentos transcritos, 25 audiências públicas ou reuniões, e mais de um milhão de páginas de documentos.
Os pontos de consenso bipartidário
Wenstrup disse no documento que “durante um tempo de intensa polarização, o Subcomitê Seleto atingiu consenso bipartidário em múltiplos assuntos”. O deputado ofereceu uma lista de cinco conclusões que atingiram consenso.
- Não é uma teoria da conspiração a ideia de que a Covid-19 “surgiu por causa de um acidente de laboratório ou relacionado à pesquisa” em virologia. Wuhan, metrópole onde começou a pandemia, tem um dos maiores centros desse tipo de pesquisa no mundo, o Instituto de Virologia de Wuhan (IVW).
- A ONG que atuou como intermediária de verbas entre os Estados Unidos e o IVW, a EcoHealth Alliance, bem como seu presidente, o zoólogo britânico Peter Daszak, “nunca mais devem receber o dinheiro do pagador de impostos dos EUA”.
- A mensagem científica para a população precisa ser clara e concisa, embasada por evidências, e deve ser emitida por “mensageiros de confiança, tais como os médicos na linha de frente que estão tratando pacientes”.
- Autoridades de saúde pública precisam trabalhar para recuperar a confiança dos cidadãos, pois “eles querem receber educação, não doutrinação”.
- O ex-governador de Nova York, Andrew Cuomo, é culpado “de negligência médica e acobertou o número total de mortos em asilos de idosos em Nova York”.
O presidente do subcomitê afirmou que o relatório “ajudará os Estados Unidos e o mundo” a prever, se preparar e até evitar a próxima pandemia.
Crítica ao financiamento de pesquisa perigosa com vírus e aos lockdowns
Além da lista de conclusões consensuais, há sete “descobertas aprofundadas” no relatório. Os congressistas afirmaram que o fechamento de escolas durante a pandemia “terá um impacto duradouro, por gerações”. Esses fechamentos “foram permitidos por grupos que supostamente servem a essas crianças”.
“A Constituição não pode ser suspensa em tempos de crise”, disse Wenstrup, “e as restrições sobre as liberdades semeiam a desconfiança na saúde pública”.
Uma das razões mencionadas para desconfiança foi a aplicação de verbas dos NIH em pesquisas de “ganho de função” — de conferir ao vírus maior capacidade de infectar humanos — em linhagens de coronavírus no Instituto de Virologia de Wuhan. A ONG EcoHealth Alliance, intermediária dessas verbas, “violou os termos” do contrato de financiamento, segundo o documento. As atividades da ONG estão sob investigação do Departamento de Justiça.
“É mais provável que a Covid-19 tenha emergido de um laboratório em Wuhan, China”, afirma a comissão, pois o IVW realiza pesquisa de ganho de função. “Pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan ficaram doentes com um vírus similar ao da Covid no outono de 2019, meses antes que a Covid-19 fosse descoberta no mercado de frutos do mar” — o mercado é apontado pelos defensores da hipótese alternativa, a origem natural, como provável local em que o vírus saltou de animais selvagens, vendidos ali como iguarias, para o organismo humano.
Entre outros motivos para a conclusão do subcomitê a favor da origem laboratorial, “o vírus possui uma característica biológica que não é encontrada na natureza”. A característica é conhecida como “sítio de clivagem da furina” — é uma marcação molecular para que uma molécula do organismo humano faça um “corte” que facilita a infecciosidade do vírus.
Além disso, “dados mostram que todos os casos de Covid-19 remontam a uma única introdução em humanos”, o que contrastaria com outras epidemias conhecidas em que houve “múltiplos eventos” de inoculação inicial.
O relatório critica um dos principais artigos científicos usados em março de 2020 contra a hipótese do vazamento laboratorial: o artigo de título “A Origem Proximal do [vírus] SARS-CoV-2”, publicado na revista Nature Medicine. Os congressistas acusam o principal articulador da resposta dos governos Trump e Biden à pandemia, o pesquisador Anthony Fauci, de tramar a redação do artigo para “impulsionar a narrativa favorecida de que a Covid-19 se originou na natureza”.
Fauci defendeu os lockdowns. Segundo os congressistas, essa política imposta em nível federal e estadual fechou 160 mil empresas e em 60% dos casos elas jamais reabriram. O nível de desemprego observado foi “inédito desde a Grande Depressão” dos anos 1930.
Um caso especial dessa política foi o fechamento de escolas. De acordo com o relatório, a ciência jamais justificou fechamentos prolongados. “Testes padronizados mostram que as crianças perderam décadas de progresso acadêmico como resultado dos fechamentos”, afirma o documento. “Problemas mentais e físicos também explodiram, com tentativas de suicídio de meninas entre os 12 e os 17 anos subindo 51%”.
Defesa das vacinas contra Covid-19
O relatório afirma que a iniciativa do presidente Donald Trump de desenvolvimento e autorização rápidos para novas vacinas contra a Covid, conhecida como “Operation Warp Speed” (algo como “Operação Velocidade da Luz”), “teve grande sucesso e ajudou a salvar milhões de vidas”. Porém, as vacinas desenvolvidas “não impediram a disseminação ou transmissão do vírus”.
Enquanto elogia a rapidez estimulada por Trump, o subcomitê critica a rapidez estimulada por Biden. Segundo o documento, foi um erro a “aprovação apressada” das vacinas pela agência sanitária dos Estados Unidos, a FDA (sigla em inglês para “Administração de Alimentos e Drogas”). Mais enfáticas são as críticas dos congressistas às políticas de obrigatoriedade das vacinas, que de fato se fizeram mais presentes no governo Biden, que começou em janeiro de 2021.
As obrigatoriedades “não eram apoiadas pela ciência e causaram mais mal do que bem”, afirma o relatório. “O governo Biden coagiu americanos saudáveis à obediência com obrigatoriedades das vacinas da Covid-19”, e essa decisão “atropelou liberdades individuais, prejudicou o preparo militar e desconsiderou a liberdade médica”.
O subcomitê também criticou o “esforço coordenado” das autoridades de saúde para “ignorar a imunidade natural”, adquirida por pessoas que sobreviveram à infecção, e chamou por compensações para as pessoas que sofreram efeitos colaterais das vacinas.
Reações ao relatório
Um porta-voz dos membros democratas do Subcomitê Seleto sobre a Pandemia de Coronavírus afirmou no dia da publicação que a maioria republicana criou um relatório que “desperdiçou dois anos em teatro político em vez de tratar de prevenção e preparo para a próxima pandemia”, segundo o site The Hill.
Os republicanos “priorizaram devassas extremas que vilanizaram os cientistas e autoridades de saúde pública do nosso país, em um esforço para purificar a resposta desastrosa do presidente Trump à Covid-19”, disse o porta-voz.
Os membros democratas da comissão produziram um relatório próprio, de 61 páginas. “O subcomitê permanece na mesma posição inicial: as origens da Covid-19 são desconhecidas”, afirma o documento alternativo.
Em depoimento em 2021, Fauci afirmou em audiência do Senado americano que “os NIH jamais financiaram e não financiam agora pesquisa de ganho de função no Instituto de Virologia de Wuhan”. O relatório dos democratas defende essa afirmação de Fauci, enquanto os republicanos o acusam de ter mentido. Para os democratas, o relatório final do subcomitê usou ao menos três definições diferentes para “ganho de função”. Fauci teria usado uma definição técnica e burocrática, enquanto os republicanos teriam usado uma definição “leiga”. “Ganho de função é um termo muito nebuloso”, disse Fauci em seu depoimento.
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